A falta de recursos humanos, financeiros e materiais e, sobretudo, o desconhecimento da lei foram apontados como as principais causas da morosidade da justiça, numa palestra com o tema Prisão Preventiva em Moçambique, organizada pela Universidade Politécnica.
O facto de frequentemente se registarem casos de indivíduos que continuam detidos apesar do prazo de prisão preventiva ter expirado sem que haja clareza processual tem preocupado sobremaneira alguns cidadãos ligados à matéria jurídica. De acordo com os números 1, 2 e 3 do nº 1 do artigo 308 do Código de Processo Penal Moçambicano, o prazo de prisão preventiva não deve exceder 90 dias. Porém, na prática tem se verificado o contrário. “Os prazos de prisão estão fixados na lei, mas a realidade tem mostrado situações em que não se tem cumprido a lei”, observou Carlos Trindade, moderador do debate, que afirmou ainda que a lei é clara no que diz respeito aos casos em que se pode aplicar a prisão preventiva, como também sobre quem pode ordenar e como deve ser assegurada a comunicação.
Os pontos 1o e 2o, do nº 2 do mesmo artigo, sustentam que mesmo se à infracção couber pena a que corresponda processo correccional ou de querela, a prisão preventiva não deverá ultrapassar quatro meses. Na opinião de Afonso Antunes, um dos oradores convidados, é a má interpretação da lei que leva à violação da mesma e, consequentemente, dos direitos fundamentais dos cidadãos consagrados na Lei Mãe. “Os preceitos são claros, mas continuamos a assistir a situações em as pessoas são detidas e depois procuram-se os indícios”, comentou, acrescentando que são factos deste género que contribuem para a existência de inúmeros casos de indivíduos cujas detenções estão para além dos prazos estabelecidos na lei e se desconhecem as situações em que se encontra os seus processos.
Por seu turno, Filipe Sitoe, também orador da palestra, além de partilhar a ideia da má interpretação da lei, sobretudo do código penal, defendeu que há um constrangimento prático no que tange à prisão preventiva, relacionado com a mediatização da prisão, o que contribui para o desgaste do juizado. “Temos um Ministério Público que caminha para uma situação em que as pessoas são detidas sem fundamento”, disse. Segundo Sitoe, as razões defendidas para as prisões preventivas no país relacionam-se geralmente com a falta de endereço físico do suspeito e o facto de o assunto chegar às autoridades quase no fim de expediente. “Na maioria dos casos, a finalidade da prisão não está devidamente fundamentada”, salientou. Filipe Sitoe, ainda durante a sua explanação, afirmou que a escassez de juízes é um perigo, uma vez que estarão em causa os direitos fundamentais dos cidadãos moçambicanos.
“Vivemos uma situação em que o mesmo juiz de instrução criminal é também o juiz de julgamento”, acrescentou. No entanto, o terceiro orador, Jeremias Langa, apontou a prepotência e o desconhecimento da lei como alguns dos aspectos que levam a prisões preventivas arbitrárias. Em síntese, os participantes afirmam que a prisão preventiva em Moçambique é vista como uma pena aplicada antecipadamente e, por esta e outras razões, apelaram para que se aposte na formação de qualidade, ou seja, em investimentos em recursos humanos e materiais e também na produção de um código penal que reflicta a actual realidade moçambicana, visto que o vigente é relativo à época colonial.