As culturas de bioenergia podem ser desenvolvidas em larga escala em diversos pontos de África sem prejudicar a produção alimentar ou o ciclo vegetal natural, segundo constata uma pesquisa realizada no continente. Esta conclusão é do estudo realizado conjuntamente pelo Fórum de Pesquisa em Agricultura em África (FARA), Colégio Imperial de Londres e a organização CAMCO International, lançado semana passada em Ouagadougou, Burkina-faso, durante a 5ª Semana Cientifica da Agricultura em África.
As conclusões da pesquisa, intitulada “Mapeando Alimentação e Bioenergia em África”, foram elaboradas com base em pesquisas e estudos de caso de produção de biocombustíveis em Moçambique, Tanzânia, Zâmbia, Quénia, Mali e Senegal. “Quando abordada com políticas e processos apropriados e com a inclusão de todos os diversos intervenientes, a bioenergia não é apenas compatível com a produção de alimentos, mas também pode dar inúmeras vantagens a agricultura em África”, disse Rocio Diaz-Chaez, pesquisadora do Colégio Imperial de Londres, que liderou o estudo.
“A produção de bioenergia pode trazer investimentos na terra, infraestruturas e recursos humanos que podem ajudar a desbloquear o potencial de África ainda latente e aumentar a produção alimentar”, sublinhou a investigadora. Dentre vários aspectos, o estudo lançado em Ouagadougou indica que existe terra suficiente para desenvolver culturas como cana-de-açúcar, sorgo e jatropha para biocombustíveis sem prejudicar a produção alimentar.
Os estudos de caso mostram uma demanda crescente da produção de bioenergia em África para contribuir nas receitas dos países bem como para responder as necessidades de energia. Por exemplo, o etanol pode ser usado para reduzir a dependências dos países em relação as importações de combustíveis fósseis. Igualmente, o etanol pode ser usado para alimentar fogões que usam este tipo de combustível, reduzindo, por conseguinte, a dependência das famílias em relação ao combustível lenhoso, que não é saudável nem para as pessoas nem para o meio ambiente.
Além disso, em África há muito interesse no uso do biodiesel para gerar energia com vista a fazer face aos elevados custos de produção de energia eléctrica. Entretanto, com o crescente aumento da procura de biodiesel e etanol a nível mundial, receia-se que a corrida para expandir a produção destes bens alternativos em África, particularmente para a exportação, pode provocar uma usurpação da terra e outros recursos necessários para desenvolver culturas alimentares. Aliás, há dias uma organização ambientalista internacional considerou “imoral e perverso” o acordo recentemente anunciado pelo Brasil e a União Europeia sobre a sua colaboração em projectos de produção de biocombustíveis em Moçambique.
“Usar milhares de hectares de terra agrícola para plantações de jatrofa e canade- açúcar em Moçambique, um país que sofre de fome permanente, para cultivos destinados a abastecer carros europeus é imoral e perverso”, afirmou Adrian Bebb, coordenador da ONG Friends of the Earth International (FOEI). Contudo, segundo Diaz-Chavez, o relatório indica que, neste momento, não é prioritário o debate “culturas alimentares versus bioenergia”, pois a melhor discussão na actualidade é como integrar bioenergia de forma adequada no sistema de produção agrícola em diversas regiões de África.
Por exemplo, o relatório indica que a produção de cana sacarina para biocombustíveis pode duplicar em muitas áreas “sem reduzir a produção de alimentos ou destruir os valores do habitat local”. Além disso, Diaz-Chavez disse estar claro que muitos países africanos estão a par do potencial conflito entre a produção de biocombustíveis e alimentos e, por isso, estão a seguir as políticas que permitam lidar com esta preocupação. “Existem casos isolados onde a produção de bioenergia teve impacto negativo, mas isso não significa não ser possível desenvolver esta área de forma sustentável”, disse ela.
Moçambique é apontado como país exemplo que adoptou uma política que apenas designa a cana-de-açúcar e o sorgo para a produção do etanol e a jatropha e o coco para biodiesel. Por sua parte, o Mali não permite o uso de culturas alimentares para a produção de biocombustíveis. O estudo aponta que, os programas de aumento da produção de jatropha no Mali, país da costa ocidental africana, estão a beneficiar os pequenos agricultores “sem comprometer a produção alimentar”.
A pesquisa indica que o desafio hoje não é muito sobre se a produção de bioenergia e de alimentos podem co-existir, mas sim como isso pode ser usado para ajudar os países africanos a explorar as suas potencialidades.