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EDITORIAL: Governo de Pinóquios

Leio, num site da internet, algumas dissertações sobre a mentira em sentido lato e de forma abstracta, porque nestas coisas é sempre bom partir do conceito para o real. Diz o tal site: “A mentira pode surgir por várias razões: receio das consequências (quando tememos que a verdade traga consequência negativas), insegurança ou baixa de auto-estima (quando pretendemos fazer passar uma imagem de nós próprios melhor do que a que verdadeiramente acreditamos), por razões externas (quando o exterior nos pressiona ou por motivos de autoridade superior ou por co-acção), por ganhos e regalias (de acordo com a tragédia dos comuns, se mentir trás ganhos vale a pena mentir já que fi camos em vantagem em relação aos que dizem a verdade) ou por razões patológicas.

Mais adiante refere: “A mentira pode ainda surgir como uma dependência, quando dita de uma forma compulsiva. Os dependentes da mentira sabem que estão a mentir mas não se conseguem controlar, num processo que surge de uma forma muito semelhante ao do vício do jogo ou à dependência de álcool ou de drogas.”

Pois é, de há uns tempos a esta parte, os nossos responsáveis políticos parecem estar viciados na mentira, já que a repetem de uma forma compulsiva, seguindo aquela velha máxima marxista-leninista que diz que uma mentira muitas vezes repetida acaba por se tornar verdade.

Não sei se será tanto assim, uma vez que o povo já começa a abrir os olhos. Não sei se é por este periódico ter no cabeçalho o nome de uma qualidade que se opõe à mentira mas, efectivamente, têm-nos querido atirar muita areia para os olhos. E nós, de tanto esfregá-los, qualquer dia já não acreditamos em nada.

Nos últimos dois anos, já com a crise internacional instalada em todo o mundo, os nossos responsáveis políticos afirmaram repetidas vezes, com um ar seráfico, que a crise era uma coisa de fora, que nos iria passar, como um navio de grande calado, ao largo e que o país, por estar à margem das especulações fi nanceiras, iria atravessar incólume essa crise ‘ocidental’. Agora parece que afi nal não é bem assim. Qualquer intervenção de qualquer responsável político encontra na crise internacional o escudo para todos os males internos. E hoje a crise internacional parece ter as costas tão largas como a distância que vai do Zumbo ao Chinde.

Por falar em Zumbo também nos disseram que, com a reversão de Cahora Bassa, não havia razão para aumentos de energia, uma vez que a barragem era nossa. E o que é que se verifi cou? Exactamente o contrário. Mas, nos últimos três meses, caíram várias máscaras da mentira ao governo.

Primeiro foi o tal gabinete criado com o pomposo nome ‘Aliança 2010’ que supostamente iria ser o sol na terra para os nossos operadores turísticos quando milhares de turistas demandassem Moçambique, aproveitando a febre do mundial de futebol no país vizinho. Diziam os responsáveis por esse gabinete que se estava a trabalhar arduamente em busca de turistas mas sinceramente ninguém os viu entrar.

Depois, as autoridades da migração atiraram cá para fora uns números que, de tão altos, chegaram a ser absurdos, fi cando-se com a nítida sensação que tinham recebido ordens superiores para infl acionar esses mesmos números. Como ninguém acreditou nada nestes números, o responsável pela pasta do Turismo veio dizer que a culpa da falta de visitantes era dos jornalistas que não fizeram bem propaganda do país, como se coubesse aos profissionais de comunicação social essa tarefa de excelso patriotismo.

Agora, em relação aos tumultos do dia 1 de Setembro, vários responsáveis governamentais mentiram com quantos dentes têm na boca. Primeiro foi o ministro do interior, José Pacheco, que, com a maior cara de pau, veio dizer a um canal de televisão que a polícia só estava a usar balas de borracha para reprimir as manifestações quando nessa altura já tinham pelo menos morrido cinco pessoas. Mais grave ainda: será que o ministro da tutela não sabe que uma arma tipo AK47 não é compatível com balas de borracha? Má-fé ou ignorância venha o diabo e escolha.

A última mentira saiu da boca do ministro dos Transportes e Comunicações, Paulo Zucula, que veio dizer que o governo não tinha dado qualquer ordem às operadoras de telefonia móvel para suspender o serviço de mensagens escritas, vulgo sms’s, – recorde-se que este serviço esteve bloqueado durante todo o dia 6 e parte do dia 7 – nos cartões pré-pagos.

Sabe-se que no dia 6 foi enviada uma carta do Instituto Nacional das Comunicações de Moçambique (INCM) – órgão regular do sector de telecomunicações no país – às duas operadoras, dando instruções claras no sentido destas suspenderem o serviço de sms para todos os clientes do pré-pago. As próprias operadoras acusaram publicamente a recepção da carta.

Como se pode constatar a mentira tem perna curta e acaba, mais tarde ou mais cedo, por ser descoberta. Também a areia não cola sempre aos olhos.

Qualquer dia estamos como o humorista brasileiro Jô Soares que no programa ‘Viva o Gordo’ tinha um sketch em que repetia à exaustação a expressão ‘Eu me odeio’. Depois, quando lhe perguntavam porquê, ele respondia: ‘Porque o governo disse que não ia aumentar o preço de…[qualquer coisa] e eu acreditei!

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