Uma tragédia no Camboja provocada por pânico e corre-corre em uma multidão, e que resultou em 456 mortos, foi desencadeada pela oscilação de uma ponte, disseram investigadores esta quarta-feira, em relatório que não tratou das questões mais amplas apresentadas ao governo diante da tragédia. O relatório governamental preliminar, divulgado pela mídia, repercutiu declarações feitas um dia antes pelo porta-voz governamental, Phay Siphan, segundo o qual a ponte foi projetada para oscilar, mas o movimento teria apanhado os pedestres de surpresa, levando alguns a gritar que ela estava a partir-se.
Na terça-feira o número de mortos subiu de 375 para 456, além de centenas de feridos no êxodo caótico de milhares de pessoas na noite de segunda pela estreita ponte Portão de Diamante, na capital cambojana, Phnom Penh.
O desastre levantou muitas dúvidas, como o motivo de tantas pessoas terem sido autorizadas a entrar em um espaço tão confinado, em uma pequena ilha artificial, e até o modo como as autoridades controlam multidões. Críticas estão sendo feitas à construtora responsável pela ponte, à prefeitura, por ter organizado o festival, e às forças de segurança.
Mas a responsabilidade final, segundo os críticos, cabe ao governo do primeiro-ministro Hun Sen, no poder há anos. Apesar disso, é pouco provável que o desastre resulte em prejuízos políticos a Hun Sen, líder que se mantém no poder há um quarto de século graças a um misto de populismo e clientelismo. “Não haverá consequências para Hun Sen e o seu governo. O que aconteceu não será esquecido em pouco tempo, mas será explicado simplesmente como tragédia”, disse Pavin Chachavalpongpun, professor de estudos estratégicos e políticos regionais, do Instituto de Estudos do Sudeste Asiático, em Cingapura.
“Hun Sen vai achar que sairá ileso disso, e provavelmente terá razão. É por isso que ele sobrevive há tanto tempo em seu cargo.” A longevidade política de Hun Sen se deve à popularidade na zona rural de seu Partido do Povo Cambojano (KPK), que goza de grande maioria no Parlamento, e às conexões poderosas que o premiê tem com membros da elite empresarial, do Judiciário e das forças de segurança.
MONOPÓLIO DO PODER
Grupos de defesa dos direitos humanos acusam o KPK de usar o Judiciário para silenciar seus adversários políticos, especialmente o maior agrupamento da oposição, o Partido Sam Rainsy (SRP), cujo nome é o de seu líder (que vive auto-exilado na França, evitando cumprir 12 anos de prisão por falsificação, desinformação e danos criminais, acusações que ele afirma terem sido politicamente motivadas para intimidar seu partido).
Especialistas dizem que o virtual monopólio do governo sobre o poder vai significar que, embora algumas cabeças possam rolar, é pouco provável que altos funcionários da prefeitura ou da polícia, ou ainda os responsáveis pela construção da ponte sejam processados. Horas após o pânico catastrófico, Hun Sen pediu desculpas à nação pelo que afirmou ser a maior tragédia do Camboja desde a época do regime do Khmer Vermelho, três décadas atrás. Depois disso, contudo, ele vem se mantendo discreto — atitude que em outros países teria atraído uma enxurrada de críticas.