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Governo avança com implantação de fábrica de liquefação sem antes terminar negociações com o povo de Afungi, que pode impugnar o processo

Governo avança com implantação de fábrica de liquefação sem antes terminar negociações com o povo de Afungi

No passado dia 29 de Julho o Governo acordou com a empresa norte-americana Anadarko os termos para o reassentamento dos milhares de moçambicanos que vivem na península de Afungi, no distrito de Palma, na província de Cabo Delgado, sem ainda ter negociado, como manda a Lei de Terras, com essas comunidades, que há várias gerações residem na região, as compensações justas e indemnizações a que elas têm legítimo direito. O Executivo de Filipe Jacinto Nyusi dá assim seguimento as ilegalidades iniciadas pelo seu antecessor que, entre outras irregularidades, atribuiu o Direito de Uso e Aproveitamento da Terra (DUAT) à Empresa Nacional de Hidrocarbonetos, E.P.(ENH) sem antes extinguir os direitos dos ocupantes actuais.

O acordo, orçado em 180 milhões de dólares norte-americanos (cerca de 6,3 biliões de meticais), foi assinado pelo ministro da Terra, Ambiente e Desenvolvimento Rural, Celso Correia, e pelo presidente da Anadarko em Moçambique, John Peffer, e prevê a construção de casas e infra-estruturas sociais na zona de reassentamento das famílias que serão retiradas da área onde a Anadarko vai construir a fábrica de gás natural liquefeito(GNL), e também apoiar a reinserção profissional das famílias, através da criação de condições que permitam o acesso à sua fonte de sustento e programas de formação.

Porém, ao contrário do que afirmou o ministro Celso Correia no acto, que se procuraram evitar os erros passados cometidos no desenvolvimento de projetos na indústria extrativa, este acordo foi assinado numa altura em que ainda não existe o levantamento completo de quantas pessoas serão directa e indirectamente afectadas, que bens materiais é que esses cidadãos possuem, que actividades fazem entre outros dados sócio económicos que irão ditar os custos reais do reassentamento, que vai inevitavelmente acontecer.

“Não tendo sido concluído esse levantamento não se viu que direitos é que as pessoas têm, e que compensação têm de receber para cobrir a perda do direito constitucionalmente consagrado de ocupar uma terra neste país”, afirma Alda Salomão, do Centro Terra Viva, organização da sociedade civil que está a prestar assessoria jurídica as comunidades de Afungi, e que deixa claro que o objectivo não é impedir que o projecto vá adiante mas “assegurar que o projecto avance dentro daquilo que são os princípio e normas estabelecidos pela lei.”

Uma das irregularidades graves detectadas pelo Centro Terra Viva, e corroborada por uma avaliação jurídica independente realizada por juristas moçambicanos seniores, tem a ver com o processo através do qual foi atribuído o DUAT à ENH.

O @Verdade solicitou uma cópia do memorandum ora assinado mas até a data o Ministério da Terra, Ambiente e Desenvolvimento Rural(MITADER) não a forneceu.

Governo precisa de esclarecer o processo de atribuição do DUAT

O Director Nacional de Terras, Simão Joaquim, esclareceu ao @Verdade apenas que o “DUAT foi autorizado em nome da ENH, Empresa Nacional de Hidrocarbonetos, para uma área de 7 mil hectares”, contudo não clarificou que processo legal foi usado para essa concessão, uma vez que a península de Afungi está previamente ocupada por famílias e comunidades e “nunca poderia ter sido atribuído o direito de uso e aproveitamento da terra a favor de outra entidade e emitida a autorização provisória, sem antes se revogar, nos termos previstos na lei, os direitos de uso e aproveitamento da terra pertencentes às comunidades locais e pessoas singulares e se proceder à sua indemnização”, pode ler-se na avaliação jurídica independente aos processos de licenciamento dos projectos minerais e de hidrocarbonetos.

Para Simão Joaquim o processo em causa não é da atribuição do Direito de Uso e Aproveitamento da Terra mas sim a necessidade de viabilizar o projecto, “este processo visa beneficiar os moçambicanos, os investidores, o Estado em geral. Este processo leva-nos para vários momentos, um dos momento é a necessidade de implantação de uma fábrica de liquefacção de gás. Para se poder implantar a fábrica, seja desta ou doutra natureza, precisamos de espaço”.

A lei estabelece que para que a ENH (ou outras empresas) pudessem usar a terra pretendida, poderiam celebrar “contratos de cessão de exploração, não sobre a terra em si (o que seria ilegal), mas sobre as infra-estruturas, construções e benfeitorias existentes; ou a extinção do direito de uso e aproveitamento da terra – ou de grande parte dela – pertencente às comunidades locais e pessoas singulares e consequente atribuição do direito à ENH”.

A avaliação jurídica realizada pelo Juiz Conselheiro Jubilado, João Carlos Trindade, e pelos advogados, Lucinda Cruz e André Cristiano José concluiu que: “Sendo considerado que o projecto é de “interesse público” nos termos do Regulamento do Ordenamento do Território ou de “utilidade pública” nos termos da Lei nº 2030 de 1948, teria, então, que desencadear-se o processo de declaração de revogação do direito de uso e aproveitamento da terra, consequente extinção e executar-se o processo de expropriação regulado em detalhe pelo Diploma Ministerial nº 181/2010 de 3 de Novembro; ou, caso se entendesse que seria mais apropriado ao caso em apreço, regulado pelo Decreto nº 37758 de 1950”.

Ademais, “Se se entender que, no caso concreto, não estaremos perante uma situação de “necessidade pública” ou “utilidade pública” porque efectivamente não houve nenhuma declaração formal nesse sentido, caberia aos investidores negociar com todas as comunidades locais e pessoas singulares a aquisição de todas as benfeitorias, construções e infra-estruturas existentes na área necessária e onde se pretende instalar a fábrica de liquefacção de gás natural; ou tentar celebrar contratos de exploração das infra-estruturas, construções e benfeitorias de que as comunidades locais e as pessoas singulares fossem proprietárias, não obstante este ser um caminho difícil de concretizar”.

“Nós vamos impugnar as terceiras consultas”

Não foi possível apurar, em nenhum dispositivo legal, qual dos caminhos foi usado pelo Governo para atribuição do DUAT e o Director Nacional de Terras não respondeu directamente à questão colocada pelo @Verdade, afirmou que “o Governo optou, como aliás está previsto na legislação, por compensar de forma justa todas as pessoas que em virtude da implantação do projecto vão ser eventualmente movimentadas e/ou afectadas.”

Embora não esteja claro de que forma foram extintos os direitos das comunidades que vivem em Afungi o facto é que, segundo Alda Salomão, “o Estado ao ter atribuído o DUAT a ENH ou a Anadarko e ao ter permitido inclusivamente que a ocupação começasse, naquela área já estão implantados os acampamentos da empresa já foram abertos arruamentos, o Estado de facto extinguiu-os. Neste momento quem está em jogo é o Estado não são as empresas, é o Estado que cometeu um acto ilegal por não ter seguido os procedimentos que a lei lhe impõe. Se o Estado insiste que aquela terra tem que ser ocupada para o projecto primeiro tem que determinar qual é a área específica a ser ocupada e segundo tem que seguir os procedimentos para extinguir os direitos das pessoas que lá estão e todos outros passos que a lei impõe e só depois disso emitir um DUAT que possa ser considerado válido, à favor da entidade que de facto vai ocupar a terra”.

Um outro aspecto que não está claro é sobre as responsabilidades dos investidores uma vez que o DUAT foi concedido à ENH porém o acordo para o reassentamento foi assinado com a empresa Anadarko, portanto as consultas comunitárias não estão a ser efectuadas pelo novo dono da terra em Afungi.

Inclusive, e na sequência deste acordo com o Governo de Filipe Nyusi, a Anadarko já reagendou para este mês de Agosto as terceiras consultas comunitárias, que haviam sido canceladas em Março deste ano.

Moçambique tem as maiores reservas de gás natural no continente africano, de acordo com o Banco Mundial, e tem potencial para se tornar no terceiro maior produtor de gás natural liquefeito, após o Qatar e a Austrália.

“O que nós estamos a dizer ao Governo neste momento é que as terceiras consultas não podem acontecer sem que o assunto do DUAT seja esclarecido, o Governo tem que tomar uma posição formal e o público precisa de saber qual é a posição oficial”, afirmou a directora do Centro Terra Viva que acrescentou que, caso do Executivo continue a ignorar os apelos, “nós vamos impugnar as terceiras consultas e vamos usar todos os processos alternativas que tivermos para resolver este problema”.

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