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Fundaram e fundamentaram a literatura moçambicana!

Fundaram e fundamentaram a literatura moçambicana!

Preocupados em perceber as influências da célebre poetisa moçambicana, Noémia de Sousa, na literatura do seu país, os jovens que no dia 20 de Setembro se congregaram em Maputo para – junto de Francisco Noa, Nelson Saúte e Eduardo White, renomados escritores moçambicanos – reflectirem sobre o assunto tendo e chegaram a conclusão de que, através da sua escrita, esta poetisa manipulou o rumo dos acontecimentos cujo impacto se verifica nos dias actuais…

Em resultado da sua preocupação com as memórias, com o passado, com a essência da sua existência, mas, acima de tudo, porque os Arrabenta Xithokozelo constituem uma colectividade que se dedica ao movimento literário, rebuscando as memórias, em certo sentido, compreenderíamos que eles são teimosos.

Eles possuem acutilância necessária para manter viva a chama do movimento literário no país. Não é por acaso que Francisco Nova os felicita “por esta persistência em relação à divulgação da vida e obra de Noémia de Sousa. Penso que se trata de um grande contributo à memória de Noémia, uma personagem que não somente faz parte da geração que fundou como também fundamentou a literatura moçambicana”.

De acordo com Noa, a questão da amnésia em relação às memórias do povo é um problema crescente no país. “Quando olho para este conjunto de jovens que está preocupado com a memória, encontro uma situação paradoxal porque neste país há uma certa inacção em relação à redescoberta da memória, como se ela fosse algo que inquietasse os mais velhos”.

De qualquer forma, ainda que seja fácil responder às razões que fundamentam as nossas lembranças a dados factos, no entender de Noa, o mesmo já não acontece com as razões que fundamentam o esquecimento.

Humanidade e humildade

Noa considera que é mais fácil a pessoa assumir que sofreu a influência de alguém, do que dizerse que determinada pessoa foi influenciada por outrem. Aliás, há muitos estudos – a nível da literatura sobretudo – que se debruçaram sobre a questão da influência. Certo estudioso americano desenvolveu uma obra integral sobre o tópico, em que revela a angústia da influência para demonstrar o quanto o assunto é problemático.

Seja como for, para Noa, “o que distinguia Noémia de Sousa na sua humanidade era uma grande humildade que possuía”. Em inúmeras ocasiões, Noémia, “perguntou-me (…) sobre se o que ela escrevia era mesmo poesia, ou se as pessoas liam e qual era a sua reacção? Se as suas obras eram impactantes, como as pessoas as referiam”.

Isso contrasta com o que acontece actualmente em que muitos de nós têm a tendência de nos colocarmos em lugares cimeiros, porque o que Noémia fazia era justamente o contrário. É por essa razão que Noa pensa que ela seria a primeira pessoa a ficar desconfortável, incomodada se – na sua presença – tivéssemos de falar da sua influência na literatura moçambicana.

Eles fundamentaram a literatura

De qualquer forma, para quem compreende a questão colocada por Arrabenta Xithokozelo – não envolve uma simples influência, como também a questão da herança da sua produção literária – qual seria então o legado de Noémia de Sousa na literatura moçambicana?

“O primeiro grande legado de Noémia de Sousa está relacionado com o facto de ela ter feito da poesia um espaço de descoberta e de conhecimento. É em virtude disso que a sua geração fundou e fundamentou a literatura moçambicana”, considera Noa ao mesmo tempo que explica que “algumas pessoas ficam preocupadas, rebuscando outros nomes que, antes da dita geração, escreveram alguns textos.

Mas o facto é que, quando nós pensamos na literatura moçambicana como um sistema temos de reconhecer que o mesmo se instaura com esta geração. Antes o que se tinha eram manifestações esporádicas de literatura e, em muitos casos, sem grande consciência do papel que a literatura possuía no processo de descoberta de conhecimento e de autoconhecimento”.

Portanto, “a geração de Noémia de Sousa preocupou-se em conhecer-se a si própria, em descobrir esta nação moderna que hoje chamamos Moçambique mas, acima de tudo, em adquirir um conhecimento que lhes possibilitava conheceremse sob o ponto de vista cultural”.

Para Noa, é curioso notar que “a década de 1940 parece ter tido uma espécie de espírito do tempo, porque foi na mesma época que em Angola surgiu o movimento literário Vamos Descobrir Angola dinamizado por personalidades como Agostinho Neto e Mário António. E, de certo modo, tais movimentos constituíam um desafio ao sistema colonial, porque numa situação em que os nossos países haviam sido descobertos há 500 anos, os movimentos literários procuravam descobrir que lugar era aquele em que os povos autóctones viviam”.

Uma geração de intervenção

O segundo aspecto – e se calhar o mais importante de que se pode sublimar o legado de Noémia de Sousa na literatura moçambicana, por ter um impacto que se nota nos dias actuais – tem a ver com a intervenção no espaço. “Esta foi uma geração – sobretudo no caso de Noémia, Rui Nogar, José Craveirinha – que foi verificada e, de certa forma, compartimentada como os poetas do compromisso político e social. Eles assumiram o seu papel na plenitude porque o processo da descoberta significava sobretudo discernir as injustiças da sociedade colonial e descobrir os mecanismos de sujeição que estavam impostos e que animalizavam os moçambicanos, os africanos, e particularmente o negro”.

É por essa razão que o que nos chama a atenção em relação ao título da obra de Noémia de Sousa, Sangue Negro, tem muito a ver com a sua preocupação no tocante à situação dos seus irmãos negros. Então, claramente, “esta poesia possuía um forte compromisso com a causa social e política da maioria populacional – os negros – que se encontrava num grau de sujeição e sobretudo porque (não era possível ficar indiferente às ingerências daquela sociedade) o processo de descoberta revelava isso”.

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