As bancadas parlamentares da Renamo e Frelimo monopolizaram a discussão do informe anual da Procuradora-Geral da República (PGR), Beatriz Buchili, à Assembleia da República (AR), debatendo a crise política que, pese embora os recorrentes apelos para a restauração da paz, deteriora-se a cada dia. Os apelos da guardiã da legalidade para a contenção de ânimos e “cometimento no diálogo político” não foram suficientes para apaziguar as partes. Ela viu-se, perante a guerra de palavras que pairava em forma de “súplicas” do partido no poder e que goza de ditadura de voto na chamada “Casa do Povo”, forçada a prometer pensar na ilegalização do maior partido da oposição. Ivone Soares sentiu-se molestada e, em tom de desafio, disse esperar “ver quem vai ilegalizar” a sua formação política.
Se para a Frelimo, a Renamo desestabiliza no país, para o partido liderado por Afonso Dhlakama, a formação política que se vangloria de ter libertado os moçambicanos é causa desse problema quando supostamente tenta acabar com a democracia.
A “Perdiz” defendeu que não tinha como falar do informe da procuradora – que segundo a Frelimo é “elucidativo” e abarca os aspectos preocupantes – sem mencionar a tensão político-militar. Os esquadrões da morte criados para raptar e torturar os seus membros” como forma de arrancar informações sobre o seu partido e seu presidente.
Este sábado (25), Moçambique perfaz 41 de independência, mas que serão celebrados num momento atípico para quem sonha com o propalado “futuro melhor”. O povo parece ter motivos bastantes para não festejar, pois os problemas a que está vão desde a seca, a fome em parte resultante da ausência de políticas eficazes com vista o aumento da produção agrícola e garantia da segurança alimentar, passar pela derrapagem do metical face as principais moedas estrangeiras, até desembocar na carestia da vida, na criminalidade e na dívida pública contraída sigilosamente.
Visivelmente distraídos desta realidade, os dois partidos, rivais desde o fim da década de 70, trocaram acusações e mimos, tendo gasto maior parte do tempo em torno da tensão político-militar, um mal que, de acordo com Beatriz Buchili, se não for ultrapassado ameaça desvirtuar a justiça no país.
Ninguém suporta mais guerra
Para Silvério Ronguane, da bancada parlamentar do Movimento Democrático de Moçambique (MDM), a procuradoria parece “incapaz de dirimir casos de natureza política”, por isso, a alternativa é insistir nos apelos de bom senso das partes “beligerantes para que parem com a guerra, com as mortes, com a destruição de bens” e prevaleça o “diálogo inclusivo, bem como a reconciliação”, porque “ninguém pode aguentar o fardo da guerra por muito mais tempo”.
Lucília Hama, deputada da bancada maioritária da Frelimo, pediu insistentemente para que a PGR puna a Renamo pela crise política e seja forçada a entregar as armas em seu poder.
Edmundo Galiza Matos e Agostinho Vuma, da mesma formação política que dirige os destinos da Nação há 41 anos, alinharam com a sua colega tentando convencer a Beatriz Buchili de que o maior partido da oposição e o seu líder são os responsáveis pelas dificuldades que o país enfrenta, mormente no campo político e económico. A procuradora conteve-se, mas já nas respostas a perguntas de insistência ponderou pensar na almejada ilegalização e desmilitarização da “Perdiz”.
O crime que tira sono
No tange ao crime, corrupção, entre outras matérias, o partido liderado por Daviz Simango considerou que o informe da procuradora-geral é uma “acta de ocorrência”, porque não mostra como serão resolvidos os grandes problemas que inquietam os moçambicanos.
Geraldo Carvalho, deputado desta bancada parlamentar, disse que o facto de Beatriz Buchili não ter, por exemplo, trazido no seu informe casos substanciais relacionados com a grande corrupção, julgados e condenados, revela que a PGR está sob as amarras políticas.
Relativamente a cada vez mais participação de jovens, com idades inferiores a 35 anos, em diferentes actos de perturbação da ordem e tranquilidade públicas, António Muchanga, deputado da bancada parlamentar da Renamo, entende que é sinal de que “o projecto de criação do Homem novo” que se pretende nas cadeias falhou. “É momento de nos interrogarmos sobre o caminho que o país está a percorrer e encontrarmos uma solução que resgate os valores morais”.
A guardiã da legalidade remeteu os representantes do povo à leitura do documento, indicando as páginas em que deviam prestar mais atenção. E disse que “como Estado, podemos ter feito uma pausa no envolvimento da sociedade na prevenção e combate à criminalidade, mas não estamos atrasados”. É preciso que se perceba que a repressão e este fenómeno não é apenas “tarefa do Estado, do Ministério Público e da Polícia”. As pessoas, cada uma na sua comunidade, devem empenhar-se nesse sentido.
Contudo, o Estado deve disponibilizar meios humanos, materiais e financeiros à altura dos actuais desafios impostos pelos malfeitos e encontrar as estratégias concretas para debelar o crime. Os cidadãos devem ainda adoptar práticas individuais para a sua segurança e das comunidades, sugeriu Beatriz Buchili.
É preciso paz para averiguar violação de direitos humanos em Tete
Sobre os moçambicanos refugiados no Malawi por conta do conflito militar em Tete, a PGR disse que não só tomou conhecimento de que as Forças de Defesa e Segurança cometeram alegadas torturas e violações sexuais, como também instaurou o processo número 355/2016, em instrução preparatória.
“Não há condições para a realização de diligências instrutórias com serenidade” devido à tensão político-militar, mas o abrandamento dos ataques e regresso das populações o processo conheça novos desenvolvimentos.
António Muchanga afirmou que o seu partido esperava que o informe deste ano trouxesse, com convicção, a posição da PGR sobre a integração da Polícia de Investigação Criminal (PIC), que enquanto continuar sob a alçada do Ministério do Interior não irá cumprir cabalmente o seu papel.
O deputado sugeriu que a AR devia tomar dianteira e legislar sobre a matéria, uma vez que a procuradoria não se mexe com celeridade. Por seu turno, Beatriz Buchili respondeu que a sua instituição não tem posicionamento sobre a que entidade a PIC deve estar subordinada.
“O que importa é que tenhamos uma Polícia de Investigação Criminal científica, tecnicamente preparada, com autonomia administrativa e financiamento próprio. Cabe à Assembleia da República determinar o que entende ser melhor para o nosso Estado (…)”, disse a guardiã da legalidade.
Num outro contexto, Muchanga deplorou igualmente a suposta não abrangência da punição dos agentes de segurança de alto escalão envolvidos na criminalidade. “Lamentamos que só são penalizados os de menor patente, apesar de se saber que há também envolvimento de generais”.
Num outro desenvolvimento, o deputado disse que, ao contrário do que Beatriz Buchili defende, não é porque faltam meios que à PGR para o esclarecimento de alguns casos, em particular os mediatizados pelo seu carácter repugnante, mas, sim, não há vontade. “Outro aspecto que descredibiliza” a instituição liderada pela procurada é a presença de “no seu seio de pessoas que passam maior parte do tempo em debates políticos nas redes sociais, rádios e televisões, demonstrando a sua parcialidade partidária”.
Ivone Soares rematou as intervenções dizendo que “o relatório não traz o que o povo moçambicano quer ouvir. Assim sendo, nós vamos apresentar uma moção de reprovação”.