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Fim do dogma russo: Putin será o próximo Presidente

Foi um daqueles momentos que se vivem na revelação do nome de primeira dama de honor nos concursos de beleza: ao aceitar no passado sábado, no congresso do Rússia Unida, a sugestão de Vladimir Putin para liderar o partido nas legislativas, o Presidente russo, Dmitri Medvedev, estava também a receber a simbólica faixa de segundo lugar no palco do poder russo.

E o silêncio de surpresa que baixou então no Estádio de Luzhniki, em Moscovo, deixava adivinhar o fim do mistério mantido pela “dupla”. Medvedev – um advogado sem nada de assinalável antes ser catapultado para o Kremlin em 2008 – instou o partido a apoiar o seu mentor, agora na chefia do Governo, “para o papel de Presidente do país”. Os aplausos dos 11 mil delegados jorraram ainda antes de Putin aceitar a coroação.

“Esta é uma grande honra para mim. Quero agradecer-vos pela reacção positiva à proposta de que me candidate a Presidente”, afirmou Putin, em aberto regozijo, no que se pode ter já como o seu certo regresso ao Kremlin, de onde comandou o país entre 2000 e 2008. Pouco depois, durante o seu discurso de 40 minutos, brincava com a falha dos microfones: “Ainda não perdi a minha voz de comando!”

Na hora de formalizar a proposta, apenas um dos 583 delegados com direito de voto se pronunciou contra a escolha de Medvedev para encabeçar a lista do Rússia Unida nas legislativas de 4 de Dezembro próximo. “Onde está esse dissidente?”, brincou Putin.

Recuo político e económico

As barreiras constitucionais impediram Putin, há quatro anos, de concorrer a um terceiro mandato consecutivo – tendo então escolhido o delfim Medvedev para lhe suceder -, mas agora pode voltar e, com as reformas constitucionais entretanto feitas, para mais dois mandatos de seis anos, até 2024. A perspectiva deste regresso não é uma grande surpresa, mas não deixará de inspirar preocupação no Ocidente, onde a liderança de Putin foi vista como um retrocesso nas poucas conquistas democráticas do país na década de 1990.

Numa reacção pronta, a Casa Branca disse ter a expectativa de que continue a haver progressos no “reset” das relações entre Rússia e Estados Unidos – azedas nos anteriores mandatos presidenciais de Putin – “independentemente” de quem esteja no Kremlin. Com a oposição esmagada, a par de um “poder vertical” cada vez mais consolidado, a paisagem política russa actual assemelha-se cada vez mais ao sistema do Partido Comunista soviético, acusam as vozes de dissensão internas. “Assistimos à destruição total das eleições democráticas, com a participação directa e aprovação de todos os níveis da autoridade do Estado”, acusa um grupo de activistas em carta enviada na sexta-feira ao Conselho Europeu de Direitos Cívicos.

Muitos analistas temem também que esta troca de papéis entre Putin e Medvedev, para um Presidente visto como mais conservador, conduza à reversão das reformas de modernização económica encetadas por Medvedev nos últimos quatro anos. Outros politólogos, porém, sublinham que apesar de os dois terem “estilos diferentes” – Medvedev mais conciliatório, Putin mais arrogante -, partilham a mesma visão política.

Já em tom de pré-campanha (com as presidenciais três meses depois das legislativas), Putin discursou sobre o desemprego e a corrupção e fez promessas de melhoria da vida no país. “Temos enormes tarefas pela frente”, frisou, avisando que é provável a adopção de medidas impopulares para resolver a crise financeira. “A tarefa de quem governa é não apenas deitar mel na chávena, mas também, às vezes, dar remédios amargos.”

Decisão tomada “há anos”

Ao longo do último ano, Medvedev e Putin jogaram ao gato e ao rato com os analistas, fazendo declarações que podiam ser interpretadas como pré-posicionamento tanto de um como do outro para as presidenciais de Março de 2012, mas dizendo que a “escolha” seria ponderada pelos dois e anunciada “a seu tempo”. Medvedev, a quem diplomatas americanos se referiram como “o Robin do Batman Putin”, explicou a demora.

“Vladimir Vladimirovich [Putin] e eu estivemos sempre a ser questionados sobre quando nos decidiríamos. Algumas vezes até nos perguntaram se lutámos. Quero deixar claro que o que agora aqui fizemos foi propor ao congresso uma decisão que ponderámos muito bem. Espero que compreendam porque demorámos tanto a revelá-la.”

Putin foi menos palavroso e mais claro: “Concluímos este acordo há alguns anos.” E pôs já sobre a mesa o convite para Medvedev ser o próximo primeiro-ministro.

Até agora, os analistas estiveram convencidos de que o dogma só seria desvendado depois de se perceber se o Rússia Unida seria capaz de manter, nas legislativas, o controlo que detém actualmente no Parlamento. E teorizava-se que Putin seria cabeça-de-lista apenas no caso de o partido estar em risco de perder o domínio da Duma e do Conselho da Federação (câmaras baixa e alta, respectivamente). Nomear Medvedev para este papel significa, segundo os analistas, que Putin crê nada ter a temer no próximo ciclo eleitoral.

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