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Filipe, de 15 anos de idade, chefe de família, desnutrido, não vai à escola, vive na extrema pobreza… tal como dezenas de milhares de crianças em Moçambique

Filipe

“Vamos ficar aqui em casa com a avó. Ficaremos felizes se passarmos o dia 1 de Junho saudáveis. Não temos nada diferente para fazer mas vamos comemorar o dia felizes e comer o que tivermos. O 1 de Junho de 2014 foi bom, porque tínhamos conseguido 100 meticais e comprámos meio quilograma de carne de cabrito que nos serviu de caril”, conta-nos Filipe Costa, uma das dezenas de milhares de crianças que em Moçambique, pelos mais variados motivos, são obrigados a assumir responsabilidades reservadas aos adultos.

Encontrámos o pequeno Filipe no bairro de Natikiri, na cidade de Nampula, onde reside numa pequena casa de construção precária com os seus três irmãos, mais novos, e a débil avó, a preparar-se para uma jornada laboral, eram 5 horas da manhã. A pé caminha até a um armazém no centro da cidade onde vai comprar uma garrafa de óleo alimentar. Depois regressa ao bairro e, defronte da sua casa, arma a sua pequena banca onde vende o óleo em pequenas embalagens de plástico.

Segundo o petiz, a vida agora melhorou porque quando começou a assumir a chefia da família, pouco depois de os seus pais parecerem num acidente de viação em 2012, andava pelas ruas da chamada capital norte de Moçambique a apanhar garrafas plásticas no lixo que revendia para o sustento da família. Muitos dos seus clientes na altura eram vendedores de óleo alimentar e daí surgiu a ideia de investir nesse negócio que lhe gera actualmente pelo menos 30 meticais de lucro todos os dias.

Para melhorar os parcos rendimentos, Filipe e os irmãos trabalham na construção civil como “burros de carga”. Deu para comprar um par de chinelos para cada um, duas camisas e igual número de calças.

Aquela que é considerada a mais importante refeição do dia, o pequeno-almoço, não existe na casa de Filipe salvo quando da terra conseguem colher mandioca. Habitualmente as refeições diárias resumem-se ao almoço e ao jantar em que o único prato tem como base a farinha de milho com caril de peixe, papahe ou nicusse, ou então matapa.

A farinha que esta família consome é “normal”, nunca ouviram falar da fortificada que foi alegadamente colocado no mercado moçambicano desde 2013 no âmbito do programa de fortificação de alimentos lançado pelo Governo com o objectivo de reduzir os níveis de desnutrição crónica que afecta 6,9 milhões de moçambicanos, (de acordo com o mais recente relatório da Organização das Nações Unidades para a Alimentação e Agricultura).

A desnutrição, segundo o Fundo das Nações Unidas para a Infância (UNICEF), “não é simplesmente o resultado de a comida ser insuficiente, mas é o resultado de uma combinação de factores: insuficiência de proteínas, energia e micronutrientes, infecções ou doenças frequentes, práticas de cuidados e alimentação inadequadas, serviços de saúde deficientes e água e saneamento não seguros.

A desnutrição compromete o sistema imunológico da criança, tornando-a mais susceptível a doenças como a pneumonia, malária e VIH”. Um relatório do UNICEF de 2014 assinala que em Moçambique têm sido registados poucos progressos na redução da desnutrição crónica. “Uma criança que vive nas províncias do norte é duas vezes mais susceptível a sofrer de desnutrição crónica do que uma que vive nas províncias de sul”, refere o relatório que estamos a citar.

Se Filipe e os seus irmãos frequentassem a escola seria provável que as suas notas não fossem muito boas pois, segundo a UNICEF, a desnutrição crónica na infância reduz as capacidades individuais para o resto da vida, com impactos negativos sobre o rendimento escolar, a aprendizagem e, mais tarde, a produtividade na idade adulta.

Porém, mesmo sendo gratuito o acesso à escola pública em Moçambique, nem Filipe nem os seus três irmãos conseguem frequentá-la. “Eu gostaria de continuar a estudar e matricular os meus irmãos, mas sei que vou complicar a nossa vida, porque não irei conseguir reunir condições suficientes para tal.”

Um estudo efectuado pela UNICEF em 2012 indicava que 1,2 milhão de crianças em idade de frequentar o ensino primário e o primeiro ciclo do ensino secundário não estudam. “Precisarei de comprar uniforme, cadernos, canetas e outro material necessário, para mim e os meus irmãos”, lamenta o pequeno Filipe Costa que sonha em ser enfermeiro para curar as pessoas, e diz-nos que curaria até os progenitores falecidos, mas hoje não tem ilusões sobre os estudos porque “para comermos em casa é difícil”.

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