No princípio, o jovem cineasta moçambicano, Diovargildio Chaúque, era apaixonado pela fotografia – área em que registava acontecimentos envolvendo pessoas mais próximas. Com o passar do tempo, descobre o cinema, uma forma de arte a partir da qual luta contra vários tipos de violência social no país.
Diovargildio Chaúque nasceu em 1986, no distrito de Chibuto, província de Gaza. Desde 1984 reside no bairro do Aeroporto, em Maputo. Como qualquer subúrbio de Maputo, possui vários problemas sociais que o realizador pretende “resolver” por meio do cinema.
A sua relação com a sétima arte – movida pela fotografia – inicia em 2006. Ele utiliza o cinema como um instrumento de resgate dos valores do humanismo, ao mesmo tempo que denuncia as acções de violência na sociedade.
Em 2009, com a veia cinematográfica a correr pelo sangue, começou a fazer do cinema um instrumento capaz de garantir a educação da sociedade moçambicana. Sem meios e apoios para o efeito, Diovargildio procura de todas as formas materializar o seu sonho. Foi difícil porque não teve nenhum financiamento.
Contra os obstáculos, o artista impôs-se até que, de forma paulatina, o seu desiderato no cinema começou a ganhar forma material. Em 2011, depois de transpor muitas barreiras, produziu o seu primeiro filme, Traços de Filhos, cujo processo terminou em Junho do ano seguinte. O filme é um protesto contra a violência que se verifica no seio de muitas famílias moçambicanas.
Aliás, na sua percepção, a violência doméstica é uma realidade que retarda o desenvolvimento da sociedade – no âmbito económico, político, financeiro – na medida em que fragiliza o seu núcleo, a família. O problema é que com o clima de instabilidade entre os membros, os valores do humanismo diluem-se.
Nesse contexto, Diovargildio Chaúque expõe – por meio da película – cenas de violência doméstica, cujas imagens foram captadas no bairro do Aeroporto, não para instigar o espectador àqueles actos mas para convencê- -lo de que são inviáveis. Na verdade, está-se perante uma campanha contra a violência.
Diovargildio Chaúque afirma, por essa razão, que o documentário é e continuará a ser um verdadeiro instrumento de educação que apela para a não-violência contra a mulher e a criança. Um mecanismo através do qual descreve de forma clara as convulsões e o ambiente conturbado da família de modo a despertar os visados para combater o mal.
O documentário retrata ainda as razões que fragilizam a educação moçambicana, apontando a conjuntura familiar em que os moçambicanos vivem – marcada por desigualdades de diversa índole – como a força motriz da violência. No filme há também sinais que mostram algumas práticas, como a prostituição, a mendicidade, a inoperância das políticas governamentais, a violência psicológica, sexual, física, entre outras, que de forma assustadora se apoderam da sociedade, afectando as populações.
Por fim, na opinião do realizador, estes factores impedem a existência da harmonia entre os membros da família, corrompendo a moralidade e o respeito mutual. Com as pessoas desmoralizadas a partir da família, a sua actuação na sociedade, invariavelmente, é negativa.
Acredita-se que o filme já moldou o comportamento de muitas pessoas, porque traz um conteúdo que se identifica com os moçambicanos. Há pessoas que percebem que são conotadas com o mal – no documentário – de modo que acabam por perceber que os seus procederes não são correctos.
Desengane-se, então, quem pensava que Diovargildio Chaúque levaria muito tempo a impor-se no cinema nacional. Um mês foi o tempo suficiente para conquistar os corações dos moçambicanos, incluindo alguns realizadores, não só do seu país. Em resultado disso, o seu filme-documentário foi projectado, no ano passado, no VII Festival Nacional de Cultura decorrido em Nampula.
Moçambicanos desconhecem o valor do cinema
De acordo com o realizador, o empresariado nacional e toda a população ainda desconhecem o valor do cinema, que pode gerar mudanças de comportamentos, impulsionar o desenvolvimento do país, incluindo a valorização do património cultural.
Na percepção do cineasta, o que falta é incutir nos órgãos da comunicação social o gosto pelo que é nosso, porque, por incrível que pareça, as artes estrangeiras dominam o mercado nacional, o que só contribui para o desconhecimento das nossas raízes e dos princípios morais, banalizando-se a nossa cultura.
O realizador refere ainda que o cinema moçambicano precisa de ser valorizado através da criação de um banco de financiamento cultural. Ele enfatizou que a sociedade moçambicana não quer e nem gosta da pirataria, mas o actual estágio do cinema é que obriga que se envolvam naquele acto ilícito que só ajuda a matar o criador das artes. Acredita que há cidadãos que querem comprar os filmes, mas a pretensão é impedida por falta de locais para o efeito.
Promover a mudança de postura
Inspirado pelas realidade e quotidiano dos moçambicanos, o realizador quer – por meio do seu trabalho – convencer a população a aceitar e identificar o valor do cinema. “São as histórias, as lendas, as narrativas do nosso povo e as multifacetadas vivências do dia-a-dia da sociedade e das diversas linhagens familiares que fazem de mim um cineasta preocupado com os problemas do povo”, refere.
Diovargildio Chaúque é licenciado em Pedagogia Educacional. Por isso, a sua produção cinematográfica é rica em termos pedagógicos. Afinal, “a educação é feita de diversas formas e o cinema é uma delas”.