A vida da cidade enfarta, eu sei. Por isso, se tudo dependesse de mim, nas próximas férias eu gostaria de (em)matar-me. Sim! Meter-me no mato, de uma vez por todas. Só assim, no ano que vem, poderia viver com um pouco de vida. Eu estou farto de tudo, já o disse, mas ninguém me ouve.
Tenho 20 e poucos anos. Estudo desde que me conheço. Nunca termino. Nos últimos 10 anos, o ensino que frequento se tornou “tecnologizante”. É dependente de uma tecnologia importada. O meu trabalho também. A sociedade em que vivo, enfatizando o discurso da organização em que sou colaborador, diz-me que a melhor comunicação, mesmo a feita para o meu avô que se encontra na Maganja da Costa, só faz sentido quando for “blackeberryizada”.
Nesta fúria de tecnologias, ninguém quer ser excluído. É por essa razão que, o medo que ganhei em relação à exclusão social, entre os meus amigos – por ser a-tecnológico –, me moveu a aderir a uma outra tecnologia, mais avançada ainda, desta vez, “applelizante”. Por isso, mas só por isso, na escola, os meus colegas respeitam-me maningue.
Seja como for, ainda que para muitos seja agradável, para mim, isto proporciona uma sensação estranha. Que pena! Eu faço parte de uma geração a qual não pertenço. A “Geração Download”.
Em tudo isso, a maior diferença é que o “Facebookson”, o primeiro filho do meu irmão mais novo que eu, de dez e poucos anos, vive nisso, numa boa. Como se de um peixe no mar se tratasse – navega, levita e(m) nada a toa.
Faço esforço, mas – penso eu se calhar equivocado – sinto que as etapas que nesta vida “jumpei”, me complicam. É verdade, concordo, que parei nestas bandas vítima de um tal êxodo rural. Eu sou do mato (como, pejorativamente, por aqui dizem) e, como tal, preciso de (em)matar-me. Deixem-me regressar ao mato. Não posso suportar isto. Eu vou morrer antes de existir porque, mesmo na minha casa, ou seja, na casa onde vivo há muitas práticas que me abespinham bastante.
Agasta-me, por exemplo, ver o meu idoso pai, na hora de jantar, a percorrer a sala de estar de calcinhas. Ofende-me imenso ter de olhar, mesmo sem querer, para as mamas caídas da minha mãe, sempre que, querendo nos provar de que se encontra no seu canto – onde possui poderes absolutos – sai do seu quarto sem blusa para a sala de estar. Isso também é violência. Querem adjectivá-la?
Os meus problemas são vários. Por exemplo, o nascimento do meu sobrinho, o “Facebookson”, valeu a morte da minha avó. Putz! Isso não passa da mina cabeça. Recordar-me disso tem sido um martírio!
A verdade é que ainda na escola, o meu irmão – que é um expert na cena da internet – conheceu, por esse meio, a minha cunhada a quem enamorou. Em certa ocasião, numa manhã, ele e o seu amigo – que queriam explorar a sua ejaculação precoce de forma tradicional – fugiram da escola, com as garotas, para uma esquina, na verdade, um atalho, nas proximidades do bairro onde eu vivo.
No local, em jeito de aventura, à luz do dia, os miúdos fizeram amor. Praticaram sexo ao relento. “Beijos melados com melaço, como acontece nas novelas. Foi lindo!”, dizem eles, mas o mais importante ainda é que, ali, naquele dia, se fez o “Facebookson”.
O grande incidente é que a minha avó que, no mesmo dia, acordou atrasada para a sua machamba, assistiu ao espectáculo gratuito do amor profano. “É massinguita”, considerou e não resistiu ao choque que teve. Como eu, agora, por exemplo, quero, ela enfartou-se. (Em)matou-se! Regressou ao mato.
Semanas seguintes, depois das exéquias a minha família ficou a saber (de um vizinho que geralmente, com abundante dissabor, assistia os actos libidinosos do meu irmão) de que a anciã perdera a vida vítima do que viu. Os miúdos, quando viram aquele corpo hirto, tombado, despovoaram o espaço. Nem tiveram tempo de ver o rosto. A verdade é que o pai do “Facebookson” (em) matou a bisavó do próprio filho.
Eu, coitado, vivo no meu disto e já estou farto demais. Sei que sou importante para a minha família, mas quero abandonar a casa do meu pai. Já não dá para suportar. Fiquei a saber de que em Marracuene, se vendem terrenos a partir de 50 mil meticais. Ademais, há bairros que se estão a construir onde as casas custam quase um bilhão de meticais. Na sua totalidade, o valor deve ser pago por um período de 20 anos. É uma eterna dívida, também sei, mas quero contraí-la.
Mensalmente, apesar da alta tecnologia que possuo, no meu trabalho recebo menos de três mil meticais. Não tenho o direito de regressar ao mato. Enfim, já nem me preocupo com isso! Agora não tenho dúvida nenhuma. É esta a realidade que me irá (em) matar antes das férias que tanto anseio.