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Efeito estufa: como está, não pode ficar

A actual crise financeira global vem tirando o sono a muita gente – a trabalhadores angustiados com o fantasma do desemprego a investidores que registam prejuízos com a queda da bolsa de valores, a empresários que estão a arrancar os cabelos por causa da diminuição dos seus lucros, e a governantes preocupados com a ameaça da recessão. Esse cenário sombrio, no entanto, é uma excelente oportunidade para as pessoas reflectirem sobre as armadilhas do actual modelo económico, baseado na busca obsessiva do crescimento. É o que diz o matemático e filósofo inglês Tim Jackson, professor de desenvolvimento sustentável da Universidade de Surrey, na região de Londres.

Para Jackson – um estudioso das relações entre o estilo de vida e o ambiente –, se a economia mundial continuar a crescer ao mesmo ritmo dos últimos anos, será impossível garantir a sustentabilidade das próximas gerações. Segundo ele, a atitude mais sensata que cada um de nós pode adoptar para um mundo mais sustentável é comprar menos – já que as medidas tomadas até agora têm sido insuficientes para neutralizar as emissões de gases que causam o efeito estufa. “Acreditar que as emissões vão diminuir enquanto a economia continuar a crescer sem limites é a receita do desastre”, afirma Jackson na entrevista a seguir.

Qual é o papel da economia para a sustentabilidade do mundo?

Em geral, a economia trata da gestão de recursos – humanos, naturais e financeiros. Uma sociedade justa e saudável, que viva dentro de limites ambientais definidos, precisa de ter sustentabilidade económica, na qual se concentram os recursos apropriados para várias gerações. Neste momento, a nossa teoria económica não funciona, deveras, dessa forma.

Como é que ela funciona?

A crise financeira é um exemplo e um grande alerta. Ela demonstra que ainda não sabemos como lidar com a economia. A única maneira com que fazemos a economia funcionar é estimular cada vez mais consumidores a gastar com coisas de que eles realmente não precisam, o que compromete os recursos naturais e polui o ambiente. O problema financeiro mundial que veio à tona agora mostra que estamos na armadilha de um modelo económico falido. E também trata-se de um desastre em termos ecológicos. A boa notícia é que temos uma oportunidade única de tirar lições da crise e construir algo melhor.

O capitalismo é negativo para a sustentabilidade?

Sim. Generalizando, a ideia do capitalismo irrestrito é uma das responsáveis por este caos que estamos a viver. Achar que isso pode ser uma saída é um pensamento extremamente optimista.

Qual é a saída então?

O crescimento é essencial para o desenvolvimento das economias. A ideia de que podemos tirar 2 biliões de pessoas no planeta da mais absoluta pobreza sem crescimento é claramente problemática. Isso significa que cada país pode continuar a crescer sem limites? Não acredito nisso. Neste momento, o crescimento é estruturalmente importante. Mas isso acontece porque uma economia em crescimento é estável, enquanto uma economia que pára de crescer corre o risco de entrar em colapso. É realmente importante construir novas macroeconomias, que encontrem uma forma de estabilidade que não esteja baseada no crescimento ilimitado.

Não parece tão simples. Na sua opinião, como deve ser a construção dessas macroeconomias?

Esse é possivelmente o problema mais importante do nosso tempo, mas ainda posso contar com os dedos de uma mão o número de pessoas que estão a trabalhar com esse objectivo! A ideia mais aceite é que devemos continuar a crescer, mas isso não faz sentido. A crise financeira mostra-nos que nem economicamente faz sentido. Imagine, então, ecologicamente. Para mobilizar uma mudança de facto na economia, o governo tem de liderar a iniciativa de diminuição de consumo e do crescimento. Não faz sentido pensar nisso se não houver uma contribuição das empresas e dos consumidores, pois cada um tem o seu papel. O papel do governo é a responsabilidade pela formulação da macroeconomia. Esta é uma das lições muito claras desta crise: quando as coisas vão mal, o Estado é o agente que está habilitado a resolver.

É possível fazer a economia crescer e, ao mesmo tempo, reduzir as emissões de gases nocivos?

Sim, acredito que seja possível. Em algumas nações desenvolvidas já podemos observar algumas dessas tendências. Globalmente, o melhor que se observa é algo que está ainda em processo, onde as emissões vêm sendo controladas e o seu aumento tem sido mais lento do que o ritmo do crescimento económico. Temos como exemplo alguns dos países signatários do Protocolo de Kyoto, como o Reino Unido, que vem seguindo as regras de diminuição mundial, mas ainda não está a atender às expectativas internas. Porém, em alguns segmentos produtivos, como nas indústrias de cimento, metais e bauxite, a tendência é pior que essa. Esses crescem acima da taxa de expansão da economia. Estamos a ir para a direcção errada! Acreditar que as emissões vão diminuir enquanto a economia continua a crescer é a receita do desastre.

Os recursos tecnológicos criados com o objectivo de diminuir a poluição e as emissões estão esgotados? Como podem eles contribuir para melhorar a sustentabilidade dos países?

Os avanços tecnológicos e de produtividade, em particular, são absolutamente vitais. Não podemos pensar em sustentabilidade sem eles. Mas eles são limitados em termos da eficiência que podem atingir. A má notícia é que, apesar dessas melhorias, não estamos a diminuir as nossas emissões ou o consumo de recursos que impactam o ambiente. Seria necessário concentrar mais esforços numa política de investimentos para aumentar essa eficiência, a fim de substituir produtos e processos mais poluentes por outros menos poluentes.

Em que medida deveria ser o crescimento mundial por ano para se ter um ambiente sustentável?

Muito difícil de responder. O crescimento é claramente necessário por várias décadas ainda na maioria dos países em desenvolvimento, mas o ambiente de negócios actual, que acredita que o crescimento económico deve ser 10 vezes maior até 2100, não tem credibilidade em termos ecológicos. Actualmente, já estamos acima do limite de emissões, já que, de acordo com o Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC), deveríamos reduzir as emissões de carbono em 80% em relação à quantidade do ano de 1990 para prevenirmos a interferência no clima mundial.

Há muitas diferenças entre os países desenvolvidos e os em desenvolvimento?

Sim, as diferenças são enormes. Os países desenvolvidos deveriam assumir a liderança na busca de soluções reais para os problemas de sustentabilidade. Afinal, eles ainda são os maiores consumidores per capita de recursos e em emissões de poluentes. Os países pobres lutam com os poucos recursos que têm para aumentar os padrões básicos de sobrevivência. Os países ricos precisam de dar o exemplo de crescimento às nações em desenvolvimento, se quisermos viver num mundo sustentável onde as pessoas possam ter um padrão de vida decente em qualquer lugar do planeta.

Concorda com a maneira como os políticos vêm lidando com a questão da sustentabilidade?

Não, eles não têm feito o suficiente pela sustentabilidade. Embora as mudanças climáticas, finalmente, estejam a receber a atenção merecida, ninguém está a tratar com seriedade as limitações de recursos, como a biodiversidade, a segurança da água, o uso da terra, a segurança alimentar, a gestão das florestas ou a conservação dos oceanos. E, certamente, estamos longe de dar atenção aos impactos sociais das economias não sustentáveis.

Qual seria sua proposta para promover a sustentabilidade e evitar a recessão global?

Ninguém sabe ao certo, mas alguns caminhos ajudariam, como redesenhar toda a economia, principalmente a macro. Não podemos acreditar num sistema de aceleração de consumo com o aumento de dívidas. Poderíamos também procurar mais equilíbrio entre consumo e investimento, e mais flexibilidade no mercado de trabalho para facilitar o pleno emprego sem a necessidade de um crescimento contínuo. Seria importante também desenvolver instituições internacionais fortes para regular o fluxo económico e dar amplo apoio às nações em desenvolvimento na transferência de tecnologias que ajudem na diminuição de emissões. Outra sugestão seria ajustar procedimentos contabilísticos, nacionais e internacionais, para que se tornem adequados e beneficiem tanto as finanças como o ambiente, e reestruturar a sociedade para dar suporte aos produtos e serviços importantes para as comunidades, que devem estar capacitadas para prosperar – dentro de limites ecológicos claros. Talvez a recessão não seja o pior que vá acontecer para nós.

O que poderia ser pior que a recessão?

Pergunte à Rússia e a África. Um colapso no sistema social traz realmente perdas para o bem-estar humano, diminuindo a expectativa de vida, aumentando a mortalidade infantil e originando perdas para a unidade social, entre outros problemas. A longo prazo, isso é o que teremos de enfrentar se não construirmos um sistema económico robusto e sustentável em termos ecológicos.

O que é que as pessoas podem fazer individualmente para que isso não aconteça?

Comprar menos, ser mais eficiente no uso da energia, viajar menos de carro e de avião, economizar, fazer investimentos éticos e protestar!

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