Numa das suas publicações, na sua página da rede social Facebook, o poeta Eduardo White escreveu que não queria ‘obituários’ e afins após o seu passamento físico. É difícil, melhor quase impossível, deixar passar em branco algumas linhas sobre um dos poetas cimeiros da literatura moçambicana do período pós-independência. Por detrás do poeta, estava o homem, o protótipo quase inigualável daquele que celebrou a vida, na sua plenitude, ao lado de todos os extractos sociais, as suas eternas fontes de inspiração para a poesia que ‘cantou’ nos seus versos. White era um entusiasta da vida plena, total, que a morte – sempre ela cobarde – decidiu pôr termo na madrugada de domingo, dia 24. Foi-se o homem, mas fica a obra! Viva Eduardo White!
Simplesmente Eduardo White
Nascido em Quelimane, a 21 de Novembro de 1963, Eduardo Luís Menezes de Costley-White, de nome completo, é um dos poetas mais laureados de Moçambique, fruto da sua (cria)ctividade literária iniciada no movimento Charrua, em 1984. Poeta da “Geração Charrua”, na flor da sua juventude, White incorporou-se à nascença neste movimento que fez rotura com a chamada “poesia de combate”, trazendo linhas estéticas diferenciadas ao mesmo tempo que exprimiam a necessidade duma profunda liberdade estética e temática.
A Charrua teve um efeito aglutinador em volta da geração da distopia, ou seja, a geração do desencanto. A atitude deste poeta não foi passiva mas, pelo contrário, propulsiva. Com ele, o sonho tornou-se então o antídoto para a distopia, resultante da situação sociopolítica do país. Numa entrevista Eduardo White caracterizou a Charrua como “um ninho de escorpiões”, cujo objectivo “era sobretudo provocar toda uma literatura vigente naquele momento, instituída, aplaudida e apoiada”.
Aliás, o nome da revista, Charrua, remete para a ideia de algo que se regenera e se renova, algo que começa a distanciar-se da ideia da literatura, como porta-voz da ideologia política vigente, e que quer traçar novos caminhos para a literatura moçambicana; enfim, a geração Charrua conseguiu abrir novos percursos, apontando para a liberdade da criação artística, em oposição à escrita politicamente engajada. E Eduardo White fez parte dessa geração.
Atirando “o Pau ao Pato”
O poeta Eduardo foi, em vida, protagonista de um sarau de poesia intitulado “Atirei o Pau ao Pato”, por volta de 2007. O seu texto, um misto de sátira temperada de sarcasmo, teve como alvo as elites políticas e económicas do país. Mas, o referido texto, espelha(va) o desencanto que o poeta tinha pelo destino que a pátria moçambicana – que ele amou – seguiu nos últimos tempos. O amor foi sempre um tema com lugar cativo na poesia de Eduardo White.
Quem ajudou o poeta a “ Atirar o Pau ao Pato” foi o humorista Wantsongo e o músico envolvido na época, Chico António. Este “casamento” entre os artistas de outras disciplinas fazia do White um artista multidisciplinar. Como legado à literatura, Eduardo White deixa uma vasta obra, tendo a sua poesia merecido destaque internacional, encontrando-se um poema seu exposto no museu Val-du-Marne em Paris desde 1989.
Honrar Moçambique, o grande projecto de White
Na verdade, existem inúmeras maneiras de se falar acerca de um poética carismático como Eduardo White. A recordação – aqui escolhida por nós – inviabiliza as outras pela sua simplicidade.
Em resultado disso, recordámo-nos, a seguir, a partir de um texto publicado neste jornal, em Abril de 2011, fruto de uma conversa mantida com o escriba cuja morte, esta prostituta incansável, o afasta de nós. A poesia é a arte que se lhe colava à pele, aliás, era a sua paixão e o seu modo de vida. Mas, diga-se, também era o seu maior arrependimento, pois, confessou, ser poeta é escolher “uma vida miserável e de indigência”.
Com mais de uma dezena de obras publicadas e uma colecção de prémios, Eduardo White resumiu as suas opções: “escolhi esta parte pobre da vida, a de escrever”. Há personalidades que reprimem vocações, e outras assumem-nas e entram na vida do público com a mesma naturalidade dos parentes mais próximos. O escritor Eduardo White pertenceu a este segundo grupo de figuras, cujas vidas, expostas ao escrutínio público, correm o risco de nos distrair das suas raras qualidades inatas.
Perto de completar 48, na altura, porque o perdemos a caminho de 51 anos de idade, o que aconteceria em Novembro próximo -, White era um dos mais conceituados poetas moçambicanos e dos poucos cujas obras deram (e continuam a dar) muito lustre à literatura nacional. Nasceu em Quelimane, cidade onde passou a sua infância e aprendeu a ser adolescente.
Veio a Maputo para dar continuidade aos estudos, e embriagou-se pelas luzes da capital. “E fiquei cá! No fundo, eu voltei a nascer nesta cidade”. Tornar-se um escritor foi sempre o seu sonho, embora o contexto da época pós-independência o tenha levado às engenharias. Mas, mais tarde, interrompeu os estudos porque “nunca gostei de levantar paredes nem pôr vidros nas janelas”.
O amor tem sido a temática das obras de White, até porque a sua grande inspiração é a paixão pela mulher. Os seus versos de amor não são apenas uma soma de palavras e tão-pouco uma mera declaração de amor à mulher. Pelo contrário, corporizam uma viagem sem precedentes pelo mundo imaginário do autor, mas o poeta preferiu dizer que se trata do “sentimento mais profundo que há em mim”.
Depois de ter publicado em Lisboa, Portugal, o poeta relançou a antologia poética denominada “NUDOS”, em Maputo, na qual se pode ler o seguinte no prefácio: “É neste horizonte de uma liberdade total e de uma vivência cósmica do sentimento que Eduardo White dá início ao seu percurso. Fá-lo, porém, interrogando- se e interrogando o leitor: Porquê o amor em meus poemas sempre?”.
Para o escritor, “NUDOS” representa o encerramento de uma etapa e o princípio de uma nova fase, porém, desta vez apresenta-se “mais maduro”. Na época, 2011, Eduardo White tem no prelo quatro livros mas o que iria defini-lo em termos de maturidade seria “Mecânica Lunar”. Dizia White que ser poeta em Moçambique é ser miserável, ao mesmo tempo em que defendia amar “muito o meu país, o meu grande projecto é honrar o meu país. Gosto de me sentir amado e no meu país sinto isso, pois, sem dinheiro no bolso há sempre alguém para me oferecer um pedaço de pão, um copo de cerveja ou mesmo um cigarro”.
Conheça o poeta
Para quem, e devem ser muitos, não teve a oportunidade de conhecer o poeta, a pergunta que inaugura a cavaqueira que segue é fundadora, na medida em que é a partir dela que o Eduardo nos falou de si, das suas crenças, da forma como produzia e percebia a literatura, como movimento social, económico, mas, acima de tudo como uma prática que alimenta a espiritualidades de homens de nobre estirpe, como a sua.
@Verdade: Quem é o poeta Eduardo White?
Eduardo White: Eu também gostava de conhecer esse senhor. De vez em quando ele está em mim e outras vezes não. Mas deve ser especialmente um homem com sonhos, projectos e que acreditou em alguns sonhos e não os materializou. Na verdade, os sonhos são sempre imaterializáveis. Aliás, numa frase posso dizer que eu sou um pescador de sonhos.
@Verdade: Como é que se descobre como poeta?
Eduardo White: O meu avô, padrasto do meu pai, era um homem muito culto e tinha uma biblioteca e, principalmente discos, em sua casa. Eu ia muito à casa dele, aliás, passava muito tempo lá. Um belo dia, apaixonei-me por um livro e disse para mim mesmo: “Quero ser escritor”. Porque eu acreditava que ser escritor ou publicar um livro era uma coisa grande, pois poderia aparecer nos jornais, naquele tempo não havia televisão mas havia rádio. E não sabia que ser tão pobre era escolher entre a pobreza e a riqueza. O meu pai dizia que “tu tens de estudar”. E eu apaixonei- -me pelos livros e escolhi essa parte pobre da vida, a de escrever. Foi aí que me descobri e me apaixonei. Lia jornais e queria escrever, queria ser como eles.
@Verdade: Como foi a sua primeira viagem ao universo da poesia?
Eduardo White: A minha primeira viagem foi num jornal. No Instituto Industrial nós tínhamos actividades extra-curriculares, então eu escolhi fazer o jornal do instituto, onde publiquei o meu primeiro poema. Foi uma carta de amor dedicada a uma senhora de nome Marianita. Eu gostava de uma música intitulada “Marianita”, por coincidência a minha vizinha chamava- se Marianita. Eu estava apaixonado por ela, pois era uma moça linda, a qual eu nunca teria acesso.
@Verdade: Quando criança já demonstrava a sua paixão pela poesia?
Eduardo White: Umas das recordações que eu tenho da minha infância são as minhas brincadeiras. Não me lembro de ter sido poeta. Fui um menino, gostei de ser menino e não quero matar esse menino que eu fui e que ainda tenho coragem de ser.
@Verdade: Hoje orgulha-se da escolha que fez?
Eduardo White: Arrependo-me! Na época de pós-independência, o Ministério da Educação decidiu que eu tinha de seguir a área das engenharias, mas interrompi o curso porque nunca gostei de levantar paredes nem pôr vidros nas janelas. Hoje, arrependo- me por não ter terminado o curso, pois estaria a andar de um 4×4, estava casado confortavelmente e os meus filhos frequentariam as melhores escolas. Arrependi-me, mas foi só por isso. Eu sempre quis fazer letras.
@Verdade: Como surge a ideia de fazer uma antologia?
Eduardo White: Na verdade, eu não gostaria de ter feito este livro, pois uma antologia faz-se com maturidade. Mas as pessoas que lidam com as minhas obras questionaram-me sobre a razão de eu não reunir todos os meus trabalhos. Aliás, a ideia foi de Nelson Saúte e fiquei a pensar naquilo. Primeiramente, estava para publicar na editora de Nelson Saúte, mas, quando tinha a antologia pronta, zangámo-nos, como sempre nos temos zangado na vida. Então, peguei na obra e fui entregar a outra editora. Reuni tudo o que já tinha escrito há 21 anos e denominei “NUDOS”. “NUDOS” quer dizer isso mesmo, em cada livro eu sempre escrevi nós e sempre entendi que a escrita é um acto de exercício de cada vez.
@Verdade: Em que estado de espírito escreve os seus versos?
Eduardo White: Eu escrevo quando amo e quando estou apaixonado. Raramente escrevo quando estou triste. Normalmente, quando estou triste, escrevo bilhetes para os meus amigos, eles guardam e depois devolvem-me. E provavelmente essa será a parte mais bonita que um dia eu quero publicar, que são textos que eu escrevo em guardanapos, papéis higiénicos e já escrevi nos braços. E os meus amigos guardam isso.
@Verdade: O que é que o inspira?
Eduardo White: Eu adoro a minha mulher, aliás, eu não queria nascer mulher para não encontrar um Eduardo White que me amasse como eu amo as mulheres. Eu acho que tenho uma parte lésbica. Cada livro é sempre uma mulher, como é o meu próprio país uma mulher. Uma mulher é vida. Essencialmente eu escrevo as mulheres e para as mulheres.
@Verdade: O que significa poesia para si?
Eduardo White: Poesia é a vida. Eu acho que toda a gente faz poesia, mesmo quando lê um verso. Acho que não há ninguém que não tenha escrito um verso, o que não há é a oportunidade de publicá- lo. Graças a Deus tenho a possibilidade de publicar o que escrevo, mas conheço grandes poetas, meus amigos, que nunca publicaram. Perdemos aquele hábito bonito de mandarmos cartas, passarmos o selo pela boca e colocar num envelope. Agora manda-se um e-mail, pois chega longo. Eu acho que poesia é isto: “mandei-lhe uma carta em papel perfumado e em letras bonitas”.
@Verdade: Como é a sua vida?
Eduardo White: Miserável, como a de todos os poetas. É uma vida miserável porque ou há cada vez menos gente a ler ou os livros estão demasiado caros. Se tenho apenas 500 meticais, ao invés de comprar um livro, compro pão, peixe e tomate para casa. Na verdade, escrever é um acto idílico, não quer dizer que no nosso país não se escreva.
É importante fazer uma chamada de atenção ao Ministério da Cultura, pois o analfabetismo pode voltar porque está cada vez mais caro ler. E este é um dos grandes problemas que vamos ter se o Governo não subsidiar o preço do livro. Os nossos próprios doutores devem comprar um livro, mas, entre um livro e um carro, preferem comprar um carro.