No último sábado, num dia de calor abrasador – estava de ananases, como dizia a minha avó -, desloquei-me ao carismático bairro da Mafalala, ali bem junto ao Mercado do Estrela, em Maputo, para assistir in loco à II Edição do Festival da Mafalala.
O evento, organizado pela Associação IVERCA, Turismo, Cultura e Meio Ambiente e financiado – desconheço se na íntegra – pela cooperação espanhola, desta vez teve como cenário a Rua de Goa, a artéria central do bairro, que já estava cortada ao trânsito automóvel desde muito cedo. O fecho da rua terá sido talvez a única coisa que se fez como estava previsto no programa. Tudo o mais foi um desastre de desorganização. À hora em que as actividades deveriam decorrer nem sombra delas. E não estou a falar de atrasos de meia hora ou 45 minutos, mas sim de três, quatro e cinco horas.
Nem sei mesmo se o programa foi cumprido na íntegra porque às 18 horas – saí do local às 16 horas – deveria dar-se início à actuação de algumas bandas musicais. Se assim foi, o evento deve ter terminado perto da meia-noite. O Walking Tour – visita guiada – pelo bairro era um dos must do dia, tipo cartão-de-visita turístico. A desorganização do passeio não destoou do resto. Horas não existiam, funcionando tipo chapa: quando houvesse um número mínimo de inscrições – não cheguei a perceber quantas seriam necessárias – arrancar-se-ia com o tour. Confesso que as minhas expectativas eram tão altas como o preço cobrado pelo bilhete. Imaginem só, 500 meticais!
Quatro jovens estrangeiras preparavamse para me acompanhar mas quando tomaram conhecimento do preço recuaram, dizendo que não tinham esse montante. Assim, na companhia de mais dois colegas jornalistas – estes profissionais não pagam -, começámos o tour, auxiliados por três guias, um serviço, incompreensivelmente, personalizado. Excepção feita a coisas evidentes, dos três guias não ouvi qualquer esclarecimento útil.
A impreparação era gritante. Qualquer pergunta menos óbvia esbarrava invariavelmente na ignorância, disfarçada por vezes com alguma imaginação. Pensar que se paga 500 meticais por aquele serviço brada aos céus. Naqueles 50 minutos viu-se a casa onde nasceu José Craveirinha sem entrar em qualquer pormenor. Depois a merceeira Mufundisse – fui perguntar detalhes ao próprio dono e fiquei a saber que estava perante a 3ª geração de donos; a casa Rodrigues – disseram-me vagamente que foi um bar onde havia uns prostíbulos por trás; a casa-museu José Craveirinha – estava fechada mas consegui ficar a saber umas coisas pela placa; a casa onde viveu Samora Machel – chegámos lá depois das nossas insistências porque a primeira reacção dos guias foi dizer que uma porta de acesso àquele quarteirão do bairro se encontrava fechada; o mercado; e finalmente a garrafeira – gigantesco amontoado de garrafas de vidro dispostas tipo lixeira – em que cada um dos cicerones contava a sua versão da existência de tal raridade.
Nem uma palavra sobre a história do bairro, as suas origens, os seus habitantes, os seus filhos ilustres como Noémia de Sousa, Fany Mphumo, Eusébio, Matateu, Ricardo Chibanga. Neste caso, como infelizmente em muitos outros, pôs-se primeiro a carroça à frente dos bois: primeiro veio a cobrança, depois, ainda vamos ver se assim será, a formação. É natural. Cobrar é fácil. Formar é difícil.