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Ecos de um silêncio eterno

Ecos de um silêncio eterno

Exaltando a originalidade humana e artística de um dos maiores intérpretes moçambicanos de música soul, João Paulo, ou simplesmente JP, o realizador do “Ecos do Silêncio” – um documentário que retrata a vida e obra do músico e, em jeito de recados, deixa os pontos de vista do artista sobre a nossa existência –, revela-nos a experiência de 365 dias de trabalho com o finado astro.

No dia da publicação das 500 cópias que em 52 minutos de imagem se desfaz o silêncio em que a morte inevitavelmente se sobrepôs à vida do músico João Paulo, a agitação foi enorme, mas houve espaço para Lionel Moulinho, realizador do filme, dizer:

“Eu estava empolgado com a ideia de realizar o meu (primeiro) filme. Quando propus a ideia a JP, senti que ficou aliviado, como quem dizia: ‘vou deixar o meu recado’. Chega uma fase na vida em que os artistas da dimensão dele precisam de ser eternizados”.

Apesar de Lionel Moulinho ter tido a proeza de realizar o filme sobre JP, ainda existem muitos aspectos a descobrir sobre o artista, sobretudo para a juventude que perfaz a maior camada social do país.

A par da projecção do documentário, a cerimónia da publicação do “Ecos do Silêncio” contou com a actuação do conceituado guitarrista moçambicano, Amável Pinto, da banda Gil Vicente que ainda em vida, bastas vezes, acolheu o artista na casa de pasto com o mesmo nome, em Maputo.

Levando-se as festividades ao extremo, a galeria do Centro Cultural Franco-Moçambicano, abriga uma mostra fotográfica de JP, desde a infância até aos últimos dias da sua vida.

“É uma oportunidade para revelar o meu olhar sobre o João Paulo. Quero narrar a sua história por meio da fotografia. É um olhar sobre as noites de Maputo, a boémia e os palcos”, comenta Moulinho. Mas a maior proeza do evento foi a actuação dos “Monstros”, a orquestra mãe do artista.

A génese da ideia

Falar sobre este artista chega a ser emocionante para Moulinho, sobretudo quando recorda que “não tenho nenhuma ligação parental com João Paulo. Mas a admiração que eu nutria por ele acabou criando – entre nós – uma enorme cumplicidade”.

Na verdade, a ideia de documentar em audiovisual a história de JP começa a gravitar na mente de Leo em 2005. “Na altura, eu tinha o hábito de ver o artista no Restaurante Goa. Todavia, ele não sabia que eu tinha a ideia de fazer um trabalho artístico a seu respeito. Dois anos depois, Fernando Manuel escreve um artigo no jornal em que, de forma dramática, contava que João Paulo estava em convalescença no Hospital Central de Maputo”.

Ao que tudo indica, valeu-lhe a coragem. Afinal, revela que “parti imediatamente para o hospital, falei-lhe sobre a ideia, ao que aceitou. E comecei a gravar as primeiras imagens”, acrescenta: “Recordo-me de que o segundo shoot do filme foi realizado em Xai-Xai, onde o artista ia fazer um enxerto na ferida que tinha na perna. Portanto, foram 12 meses de trabalho intenso”.

Uma lenda viva

Não fosse pelo guru que Leo encontrava em JP, talvez o filme não tivesse sido realizado. “João Paulo era, para mim, uma lenda viva. Assim, foi uma grande oportunidade trabalhar com ele”.

Lionel afirma que JP foi uma escola, porque, através dele, “conheci pessoas mais experimentadas. Algumas revelaram-me que ele exerceu-lhes forte influência na aprendizagem da língua inglesa. Afinal, na altura, JP era uma das poucas pessoas que falava e cantava perfeitamente nesse idioma”.

Malangatana, Elvira Viegas, Gabriel Chiau, Stewart Sukuma, Amável Pinto, integrantes dos “Monstros” e familiares são algumas figuras célebres, nas artes e culturas moçambicanas, que intervêm no documentário.

E mais, noutro desenvolvimento, Lionel Moulinho disse: “Fiquei a saber, por exemplo, que depois da independência (1975) o Presidente Samora Machel disse que “estamos (independentes) com João Paulo em Moçambique pensando nos Estados Unidos da América”. Afinal, João Paulo cantava a música americana e contestatária.

Os “Monstros”

“Nunca tinha visto os “Monstros” a actuar ao vivo. É uma honra vê-los, embora, desta vez, sem o João Paulo”, revela certo espectador.

Refira-se, então, que esta banda foi fundada por Adolfo e João Paulo, com a designação de “Mártires”. Anos mais tarde, certo empresário, impressionado com a qualidade performativa dos artistas, sugeriu que mudassem o nome para “Os Monstros”. Somente alguns anos depois é que artistas como Marcelo, Máximo, João Paz, entre outros, integraram a banda.

O filme

Além do filme principal, constam no DVD imagens extras – um catálogo que conta os “retalhos da vida e obra” de JP. De qualquer modo, é preciso ficar claro que “não é possível documentar a vida e obra de João Paulo em uma hora de imagem”.

Então, o documentário “Ecos do Silêncio” é um espaço onde JP “deixa o seu ponto de vista sobre a vida”, comenta Moulinho que acrescenta: “é, igualmente, a minha visão sobre o artista. São ‘Ecos do Silêncio’ porque eu penso que este artista precisava de falar e de ser ouvido”.

Mas o mais importante ainda é que “o filme não é meu. Não faço para mim, mas para o povo. Então, é importante que dele as pessoas se apossem, como se de um legado se tratasse”, comenta reforçando a pertinência que há em apoiar o desenvolvimento da sétima arte no país.

“Se as pessoas não podem olhar para a sétima arte, como tal, que a olhem como o substrato da nossa história. Afinal, há pessoas que depois de verem o filme de JP revelaram que vivem em Maputo há alguns anos, mas não sabiam que essa história existia”.

Então, o cinema é igualmente uma forma de divulgar a história dos moçambicanos. Uma forma por meio da qual se difunde que em Maputo, “existiu um blues man”, neste caso. É preciso que se seja mais sensível ao trabalho artístico. Porque a cultura é um espelho para qualquer povo.

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