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Dreads não merecem má reputação

Dreads não merecem má reputação

Quando chega a altura de obter um emprego no Aparelho do Estado ou em quaisquer empresas privadas, possuir dreads (rasta) pode ser a principal razão para não se ser contratado. Este é o drama de centenas de moçambicanos seguidores do movimento rastafari que são conotados com delinquentes e usuários de drogas.

No mundo os dreads ganharam visibilidade graças ao movimento rastafari. Os rastafaris não cortam o cabelo por motivos religiosos e outros não o fazem por questões de afirmação pessoal. A sociedade associa o estilo ao consumo da Cannabis sativa, ou simplesmente soruma.

Mas eles acham-se originais, e não diferentes. Confiam em si mesmos e levam a vida de forma descontraída, não obstante o preconceito por que passam todos os dias, sobretudo, para conseguir um emprego, principalmente quando o trabalho exige um contacto directo com outras pessoas ou clientes.

Um exemplo de preconceito e discriminação a um rasta deu-se em Nampula com o cidadão de nome João Sualehe Afito, ou simplesmente Mele como é conhecido no meio artístico, sobretudo na promoção de música tradicional e acrobacia ao nível daquela província. Por possuir cabelos longos, foi impedido pela Direcção Provincial de Educação e Cultura de assinar um contrato para leccionar nas escolas públicas.

Pertencente ao Grupo Cultural da Casa Velha, Afito fez o curso no Instituto de Formação de Professores Primários na ADPP de Nacala-Porto. Depois de formado, foi admitido para leccionar no ensino público, tendo sido chamado para assinar um contrato de trabalho, mas, por possuir dreads, vulgarmente conhecido por rasta, foi impedido de fazê-lo.

Em entrevista ao Jornal @Verdade, Mele conta que no ano passado (2011) foi chamado para receber a guia para leccionar, porém, no momento de assinatura do contrato teria sido obrigado a cortar os cabelos como um dos meios para obter o referido documento.

Ele acusa o director-adjunto da Educação e Cultura na Direcção Provincial de Nampula de o ter obrigado a abandonar o rastafarismo, movimento que segue religiosamente há bastante tempo.

Inconformado com a situação, procurou a directora provincial que, por sua vez, o encaminhou ao seu adjunto que também se recusou a passar a guia, tendo Afito perdido o contrato. O nosso entrevistado disse que foi informado de que o Ministério da Educação não contrata nenhum indivíduo que tenha aquele tipo de cabelo.

“Peço que me ajudem. Sou professor de formação e com qualificações adequadas, pois passei com 13 valores, o que muitos não conseguem obter e gostaria de dar aulas, mas desde que não me venham obrigar a cortar o cabelo”, diz Mele.

Mele comenta que não compreende porque é que lhe deixaram frequentar o curso de formação de professores e no momento de assinar o contrato é obrigado a cortar o cabelo. Porém, a sua maior indignação é o facto de o director-adjunto da Educação a nível provincial ter-lhe dito que não se contrata indivíduos com aquele tipo de cabelo.

João Afito sente-se injustiçado e apela ao Estado moçambicano a não discriminar nem pela cor da pele e tão-pouco pela religião, formação política, entre outras questões.

Viver o drama da discriminação

Na cidade de Nampula, estão inscritos pouco mais de 100 seguidores do rastafarismo na Associação Cultural Casa Velha. Nesse grupo, apenas cinco trabalham em organizações não- -governamentais e nenhum no Aparelho do Estado.

A maioria abraça a promoção de actividades culturais, como o canto e a dança, a olaria, as artes plásticas, o teatro, a música, a prevenção e erradicação do HIV/SIDA, e outras doenças, além da implementação de projectos sociais.

Quando o assunto é cultural, esta camada da população é convidada pelo Governo para abrilhantar o momento, e não dão atenção ao tipo de cabelo, mas quando se trata de emprego são reprovados sem, no entanto, serem analisadas as suas qualificações profissionais ou capacidades para desempenhar as funções a que se candidatam.

Em Nampula, não há relatos de que um seguidor daquele movimento tenha sido apurado depois de uma entrevista. Quase todos são reprovados na pré-selecção dos candidatos.

João Afito teve a oportunidade de frequentar o curso de formação do professor, mas não teve a mesma sorte no mercado de emprego. Alguns dos seguidores ouvidos pelo @Verdade em Nampula não escondem a sua indignação em relação ao preconceito e à discriminação por que passam todos os dias.

Eugénio Arnaldo Covane, de 28 anos de idade, natural de Lichinga, província do Niassa, tem dreads há anos. Começou por dizer que existe muita discriminação na sociedade. “As pessoas interpretam- nos de forma maliciosa. Não sabem que no meio de nós há profetas que querem continuar com todas as doutrinas e acabar com todos os males que afectam a humanidade”, diz.

Covane afirma ter tentado concorrer a uma vaga em diversas instituições do Estado, porém, o seu nome nunca passou da lista primária para a realização das provas, alegadamente porque não se admitiam rastafaris.

“A nossa ‘tribo’ é vista com desconfiança ou preconceito em Moçambique, particularmente na província de Nampula onde não existem pessoas com dreads a trabalhar na função pública”, queixa-se para depois acrescentar que as pessoas têm medo deles uma vez que os conotam com delinquentes e usuários de drogas.

“Este modo de vida não tem diferença com outras religiões. Há católicos, muçulmanos ou protestantes que fumam, bebem, cometem adultério e crimes, e outros não o fazem, mas todos têm Deus como referência. Com os rastas a história é a mesma” defende Covane.

Num outro ponto o nosso entrevistado avança que neste grupo existem pessoas exemplares e aqueles que pautam pela marginalidade, manchando toda a comunidade diante da sociedade.

O sonho do Eugénio Covane é ver o Governo moçambicano a decretar uma lei que permita que os seguidores do movimento rastafari tenham as mesmas oportunidades de emprego e não somente serem valorizados quando se trata de actividades culturais ou de recreação.

A história de Covane não difere da de outros rastas pois quase todos vivem o mesmo drama de discriminação e preconceito, chegando a serem confundidos com os marginais ou mesmo criminosos.

“Dreads não devem ser problematizados”

Relativamente ao facto de as autoridades de Educação em Nampula não terem admitido que um jovem candidato a professor assinasse o contrato para dar aulas numa escola pública por ter usar dreads, o director da Escola de Comunicação e Artes da Universidade Eduardo Mondlane, Nataniel Ngomane, disse que a medida é um claro atentado à unidade nacional entre os moçambicanos cujas culturas, hábitos e costumes são diferenciados.

“Esses tais representantes ou responsáveis de instituições públicas ou do Estado estão a promover a discriminação entre os moçambicanos. O que os dreads têm a ver com as qualidades desse professor? Se calhar esse candidato rejeitado pode ter boas qualidades para exercer a profissão a que se propõe relativamente aos outros”, comenta para depois acrescentar que esta atitude (tomadas em nome da Função Pública) viola a Constituição da República no que diz respeito à valorização da cultura das comunidades moçambicanas e ao atentarem contra a unidade nacional.

Ngomane afirma que Moçambique é um país com cerca de 22 milhões de habitantes procedentes de zonas ou etnias diferentes e com culturas, hábitos e costumes também diferentes.

“Nenhuma cultura é melhor que a outra, temos de respeitar as diferenças. Aliás, é pela diferença que nos unimos. Se alguns são apologistas da unidade nacional entre os moçambicanos, não faz sentido que as pessoas que representam o Estado tomem medidas preconceituosas, discriminatórias, ilegais, desprovidas de fundamento e tribalistas”, ajunta.

De referir que na escola pública (ECA), dirigida por Nataniel Ngomane, existem muitos estudantes que têm dreads, principalmente os do curso de licenciatura em Música. Tendo em conta o caso do jovem de Nacala-Porto, estes estudantes não poderão trabalhar em instituições públicas.

O jovem em causa tinha boas notas para ser apurado, mas os dreads tornaram-se um impedimento para assinar o contrato e passar a dar aulas numa das escolas públicas naquela parcela do país. Agora pairam no ar algumas questões. Será que as autoridades de Educação de Nampula tomaram a medida tendo em conta a lei? Que lei estipula que pessoas com dreads não podem ser admitidas nas instituições do ensino ou na Função Pública de um modo geral?

A opinião da Liga dos Direitos Humanos

Alguns advogados da Liga dos Direitos Humanos de Moçambique ouvidos pelo @Verdade sobre a não contratação de cidadãos moçambicanos para a Função Pública por, alegadamente, terem dreads, condenam a acção do empregador, que para o caso vertente é o Estado e consideram que estamos perante um caso de discriminação perpetrada pelo próprio Estado.

Segundo estes, o Estatuto Geral dos Funcionários e Agentes do Estado não olha os dreads, como barreira para o indivíduo ingressar na Função Pública. De acordo com os mesmos, o artigo 35 da Constituição da República de Moçambique determina o princípio da igualdade:

“Todos os cidadãos são iguais perante a lei, gozam dos mesmos direitos e estão sujeitos aos mesmos deveres, independentemente da cor, raça, sexo, origem étnica, lugar de nascimento, religião, grau de instrução, posição social, estado civil dos pais, profissão ou opção política”.

O que diz o Estatuto Geral dos Funcionários e Agentes do Estado?

O número 5 do artigo 20 do Estatuto Geral dos Funcionários e Agentes do Estado determina que “no processo de recrutamento, selecção, classificação ou graduação dos candidatos, devem ser observados, dentre outros, os seguintes princípios: divulgação prévia dos métodos de selecção a utilizar e do programa de provas, objectividade no método e critério de avaliação, igualdade de tratamento e o direito de recurso”.

“As dreads não definem o carácter da pessoa”, considera Felicidade Zunguza

A jornalista Felicidade Zunguza, que tambe?m tem dreads afi rma que, infelizmente, em Moçambique este tipo de cabelo ainda continua a ser visto como um problema. “Uns fazem dreads por mero capricho e outros por uma questão cultural. Entretanto, esquecem-se (os que discriminam) de que existem outras marcas que representam o movimento rasta”.

Felicidade Zunguza tem dreads há sensivelmente nove anos e diz ter sofrido preconceitos e discriminação por parte da sociedade, inclusive no órgão de informação em que trabalha actualmente.

“Quando comecei a estagiar, em 2008, na companhia de outros cinco colegas, passei por uma situação constrangedora. Alguns colegas e chefes olhavam para mim como se de uma pessoa desorientada se tratasse.

Atribuíam-me nomes”, conta para depois acrescentar que o chefe de Redacção na altura “integrou-me na secção cultural forçosamente associando os meus cabelos à área. Não era o sector que queria integrar, mas em parte foi bom porque confesso que me encontrei. Os outros estagiários encaixaram-se nas áreas da sua preferência”.

Embora tivesse inclinação para a área da sociedade, “o chefe disse que como eu tinha dreads não podia trabalhar nessa área (da sociedade), só podia fazer cultura.

Esta foi uma batalha que esta jovem teve de enfrentar. Com o decorrer do tempo, ela foi mostrando a sua irreversibilidade, o que fez com que um dos seus superiores hierárquicos lhe propusesse o desafio de apresentar o telejornal e posteriormente a condição de tirar as dreads.

Os argumentos apresentados para que fosse feita esta imposição eram desprovidos de quaisquer fundamentos. Aliás, só reflectia o preconceito que os moçambicanos têm sobre as dreads.

“Eu disse que faria tudo, menos tirar o meu cabelo, que tratei com todo o gosto. Sinto-me bem assim. As dreads não definem sequer o carácter das pessoas”, conta. Devido à sua perseverança e dedicação, foi encarregue de apresentar o telejornal, o que faz ate? hoje.

“Tudo isto acontece numa instituição privada, imagine se fosse numa instituição pu?blica. Certamente que nem metia os pe?s dentro da Redacção como quem pretende estagiar ou trabalhar. Estas situações só se verificam aqui em Moçambique. Sem falar da Europa, há em África muitos países que aceitam ou admitem pessoas com estas características na Função Pública ou no sector privado”, afirma.

Os homens são os mais descriminados

Na sua opinião, os homens com dreads são os que mais sofrem preconceitos e discriminação. Dificilmente podemos encontrar um homem a trabalhar na Função Pu?blica ou numa instituição do Estado apresentando aquele cabelo.

“Mesmo nas empresas privadas são poucos os funcionários que têm dreads. Alguns ate? podem ter tido, mas tiraram-nos porque foram colocados entre a espada e a parede. O ideal e? que nem o homem nem a mulher sejam discriminados por ter dreads”, considera.

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