As comunidades do distrito de Nacarôa, na província de Nampula, dificilmente produzem comida suficiente para se alimentarem de uma época agrícola para outra porque as colheitas são baixas. Elas são ciclicamente assoladas pela fome, por isso recorrem a alguns tubérculos, dos quais um chamado inhame. Num passado recente, houve relatos de mortes por causa do consumo desse tipo de alimento silvestre que se desenvolve na raiz de algumas plantas.
A população das localidades de Nachere e 19 de Outubro, nos postos administrativos de Inteta e Saua-Saua, é a mais afectada pela fome em Nacarôa, o que faz com que seja considerada em estado deveras crítico. Trata-se de um problema que se repete anualmente mas ainda não existem soluções para invertê-lo.
A dieta alimentar das famílias não é das melhores, facto que coloca em risco o crescimento das crianças devido à subnutrição. O Inquérito Demográfico e de Saúde de Moçambique, realizado em 2012, indica que na província de Nampula há dezenas de petizes malnutridos em consequência da interrupção precoce do aleitamento materno. É que as mães não conseguem amamentar os seus filhos por muito tempo devido à fome.
Na tentativa de resolver o problema que apoquenta o distrito de Nacarôa e a falta da chuva, por um lado, os líderes comunitários têm realizado, sem sucesso, alguns cultos tradicionais suplicando misericórdias aos antepassados. Por outro, os religiosos fazem orações.
A Reportagem do @Verdade visitou a localidade de 19 de Outubro e apurou que, devido ao desespero causado pela falta de comida, a população considera-se abandonada à sua sorte pelas autoridades, uma vez que, para além de não prestarem assistência técnica à sua actividade agrícola com vista a estancar-se o problema da carência alimentar, não existe nenhum apoio aos esfomeados. Em todas as campanhas agrárias a produção de Nacarôa é fraca.
Américo Dias Kuehere, líder comunitário da localidade de 19 de Outubro, contou-nos que os rendimentos agrícolas da região não satisfazem as necessidades alimentícias dos residentes. São recorrentes as reclamações dando conta da situação de fome. Para além do clima que não é favorável para a prática da agricultura, a terra é pedregosa. Há igualmente falta de chuva, por isso as culturas não resistentes à seca morrem, algumas antes de germinarem. Entretanto, há períodos em que chove demasiado e certas culturas ficam prejudicadas.
Os camponeses daquela povoação trabalham bastante as suas terras mas o seu esforço não é compensado. A comida mais consumida localmente é feita com base em farinha de mandioca, vulgarmente conhecida por “caracata” e o menu não varia por falta de alternativas.
Os níveis de reprodução desse tubérculo a que a população recorre para se alimentar estão aquém das expectativas dos agricultores e tendem a baixar cada vez mais: na altura da colheita não se consegue mais de cinco sacos de 50 quilogramas. A farinha de milho é uma ilusão, o solo não oferece condições para a cultura de milho e é por causa disso que os camponeses não se atrevem a investir a sua força física nem máquinas para o efeito.
Outro problema que preocupa os camponeses e a população de 19 de Outubro é a podridão da mandioca. Aliás, esta é uma situação que ocorre, também, em quase todos os distritos da província de Nampula, incluindo algumas zonas da cidade onde se pratica agricultura. A população afectada pede que os responsáveis pela assistência agrária aos camponeses intervenham no sentido de aliviá-la desse sofrimento.
Trabalho por comida
Em Nacarôa, o período entre Novembro e Abril é considerado bastante crítico, pois todas as famílias passam fome. Para sobreviver, homens e mulheres, de todas as idades, incluindo crianças, deslocam-se de um lado para o outro à procura de trabalho remunerável. Algumas pessoas escalam a cidade de Nampula, onde desempenham a função de empregados domésticos em algumas residências. Os rendimentos mensais, diga-se, exíguos, só cobrem as despesas de compra de sacos de mandioca seca e milho.
Para os compatriotas sem parentes na urbe e que vivem nas mesmas casas onde trabalham, ganham uma autêntica miséria no fim do mês porque uma parte dos seus rendimentos serve para pagar o prato de comida. Quem não aceita sujeitar-se a essa situação recorre aos agricultores que lhe concedem uma porção de terra para capinar em troca de uma lata de mandioca seca, cuja quantidade serve apenas para um período de cinco a sete dias. Quando essas alternativas se esgotam, recorre-se ao consumo de tubérculos, dos quais o inhame, para além de outros considerados venenosos. Já houve mortes em resultado disso.
Segundo Kuehere, um número considerável de petizes da localidade 19 de Outubro desiste no meio do ano lectivo devido à fome, por isso há receio de que o seu futuro seja comprometido. Alguns menores de idades são coagidos pelos pais e encarregados de educação para também ajudarem na busca de alimentos.
Insegurança alimentar afecta Sul e Centro do país
Mais de 200 mil pessoas, em sete províncias das regiões Sul e Centro de Moçambique, estão a passar por uma situação de insegurança alimentar e nutricional, segundo o Secretariado Técnico de Segurança Alimentar e Nutricional (SETSAM).
A coordenadora daquele organismo, Marcela Libombo, disse, na quarta-feira passada, 07 de Agosto em curso, que as províncias afectadas são as centrais de Tete, Zambézia, Sofala, Manica e as da zona Sul, nomeadamente Inhambane, Gaza e Maputo.
Do número das pessoas assoladas pela insegurança alimentar e nutricional, apenas 90 mil estão a beneficiar de assistência na província de Gaza, por sinal a mais afectada. Esta situação é provocada pela combinação das cheias, que se abateram com gravidade sobre Maputo, Gaza e Zambézia, e da seca, que vem fustigando, desde o ano passado, as regiões das províncias de Inhambane, Manica e Maputo, de acordo com Marcela Libombo.
Ela disse ainda que, nos meses anteriores, a situação já foi mais sombria com os números a ultrapassarem 300 mil pessoas, devido a fortes chuvas, inundações e secas. “Logo que iniciou o processo de reassentamento e com a maior disponibilidade de sementes e outros bens, a situação melhorou”.
Refira-se que Moçambique possui a dieta alimentar mais pobre da África Austral, do ponto de vista de micronutrientes e proteínas, de acordo com os relatórios regionais sobre essa matéria, citados pelo SETSAN, que acrescenta ainda que a dieta alimentar da parte Norte do país é rica em mandioca, um produto com baixo conteúdo proteico, e no Sul do país destaca-se o milho. Enquanto isso, as famílias urbanas têm o milho e o pão como alimento base.
Dados do SETSAN indicam também que Moçambique tem níveis inaceitavelmente altos de desnutrição crónica, o que tem impacto no crescimento harmonioso do país. Dos índices de incidência da pobreza, cerca de 80 porcento estão relacionados com problemas de alimentação e nutrição.