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Devemos indignar-nos com a forma como os nossos recursos naturais têm sido explorados

Devemos indignar-nos com a forma como os nossos recursos naturais têm sido explorados

A Plataforma da Sociedade Civil para os Recursos Naturais e Indústria Extractiva retomou na terça-feira (30), depois de haver interrompido, no ano passado, para dar lugar a eleições gerais, a discussão sobre até que ponto Moçambique está preparado para quando chegarem as esperadas receitas significativas dos megaprojectos e as mesmas sejam geridas de forma transparente e responsável pelo Governo. “Iniciamos esta discussão com uma nota positiva que vem sendo sublinhada pelo nosso Presidente da República, Filipe Nyusi, quando afirmou que neste novo ciclo podemos discordar que está tudo bem e continuarmos a dialogar, isto é muito bom porque alivia um pouco a pressão que sentimos na última década e abre a possibilidade de irmos a fundo com as questões de governação sobre os Recursos Naturais”, deu o mote para a primeira Conferência Nacional, que decorre em Maputo até esta quarta-feira (01), Adriano Nuvunga, do Centro e Integridade Pública.

A Conferência – que adoptou o cognome Nkutano, que significa reunião na língua macua –, abriu debruçando-se sobre os Direitos Humanos na Indústria Extractiva, tendo em conta que até ao presente momento a questão era analisada numa perspectiva bilateral, Governo e população, e actualmente existe um outro interveniente que são as empresas multinacionais.

Carlos Serra Jr, do Centro Terra Viva, analisou o novo Código Penal, que entra em vigor nesta quarta-feira em Moçambique, e considerou que “em termos ambientais o Código está bom”, tendo destacado alguns artigos que vem colmatar lacunas da anterior legislação ambiental existente que, de uma forma geral aplicava penas administrativas para crimes graves que tem sido cometidos ao Meio Ambiente e agora responsabiliza também não só pessoas singulares como também as empresas e outras instituições colectivas que cometam crimes ambientais.

Nsama Chinkwanka, de uma Organização da Sociedade Civil (OSC) da Zâmbia, falou sobre os Direitos Humanos e os negócios.

Uma advogada especializada em questões ambientais, Verónica Zano, vinda do Zimbabwe, destacou os caminhos que as comunidades podem seguir no litígio com as empresas extractivas de forma a remediar as suas perdas.

Segundo Laurino Chiconela, do Sindicato dos Trabalhadores da Indústria Química e Afins (SINTIQUIAF), grande parte das empresas que operam na indústria extractiva em Moçambique tem muita mão-de-obra estrangeira, em muitos casos realizando tarefas que os moçambicanos poderiam efectuar, “mas porque os capitais são estrangeiros eles trazem pessoas da sua confiança para vir fazer o trabalho, temos um grande desafio aqui que é a redução da mão-de-obra estrangeira”.

O sindicalista alertou também, aos moçambicanos que trabalham nos megaprojectos, que como auferem salários altos esquecem a questão dos Direitos Humanos que em muitos casos é violada.

Maior transparência precisa-se

No segundo painel da Nkutano, Custódio Nguetana, coordenador da Iniciativa da Transparência na Indústria Extractiva em Moçambique, apresentou o trabalho que tem sido realizado com vista a maior transparência naquilo que são os valores pagos pelas empresas e que efectivamente dão entrada nos cofres do Estado.

Olhando para os cinco relatórios salta à vista que, apesar do crescimento das receitas provenientes da indústria extractiva na produção global da economia moçambicana, o seu peso é relativamente baixo, cerca de 2% do Produto Interno Bruto.

O deputado do Parlamento moçambicano, Jaime Neto, explanou sobre o papel de fiscalização ao Governo que a Comissão de Agricultura, Economia e Ambiente, da qual é vice-presidente, tem indo a realizar destacando a aprovação da Lei de Minas e da Lei do Petróleo e Gás. Porém, e apesar de representar o povo, o deputado reconheceu que durante os debates dessas leis os parlamentares foram vencidos pelo Governo particularmente na questão sobre o que é uma indemnização justa para os moçambicanos que são obrigados a saírem das suas terras para que os recursos naturais sejam explorados.

Fátima Mimbire, do Centro de Integridade Pública, abordou a questão da monitoria destacando que a Alta Autoridade da Indústria Extractiva, criada pelo Parlamento para fiscalizar as empresas e o Governo, tem a sua independência colocada em xeque devido a sua tutela ao Conselho de Ministros, “o trabalho desta entidade vai afectar o Executivo, que é o mesmo que vai tutela-lo, então como é que eu vou regular o meu tutor?”

Mimbire explanou sobre como seria o funcionamento ideal desta Alta Autoridade apontando alguns quesitos que necessitam monitoria mais transparente e detalhada. “Até hoje não sabemos efectivamente se o que as empresas declaram que exportaram é efectivamente o que foi exportado, se a qualidade que elas declaram do produto é aquela qualidade ou não, e tudo influencia no imposto que a empresa tem de pagar.”

Atribuição de Palma é ilegal

“Eu vou apresentar uma nova Lei que faz a súmula de todos esses instrumentos, em termos de participação pública e direito à informação”, afirmou Tomás Vieira Mário, em representação da OSC Sekelekani, partilhando com a audiência a Lei do Direito à Informação aprovada no último dia da última legislatura e promulgada no último dia do ano de 2014.

Segundo ele, para os cidadãos, importante entender que a Lei não é apenas válida para os jornalistas, eles não podem ser impedidos de se informar, caso queiram podem ter acesso a documentos arquivados numa instituição pública e até para pedir cópia dos mesmos não precisam de fundamentar para que fins querem a informação.

Tomás Vieira Mário deu alguns exemplos sobre como esta Lei pode revolucionar as instituições públicas pois se o cidadão quiser saber o salário dos governantes pode fazê-lo e se o questionarem, “quer saber o salário do ministro, porquê?” a resposta, segundo o painelista, pode ser simplesmente “porque sou moçambicano”. Sobre a exigência de credenciais para acesso a informação Vieira Mário esclarece que, segundo a Lei, apenas é necessário o Bilhete de Identidade.

O primeiro dia desta Nkutano terminou com abordagem dos reassentamentos das populações que tem acontecido para permitir as multinacionais explorem os nossos recursos naturais. Na sequência de uma auditoria jurídica ao Processo de Licenciamento do Projecto de Liquefacção de Gás Natural no Distrito de Palma, solicitada pelo Centro Terra Viva, os juristas João Carlos Trindade, Lucinda Cruz e André Cristiano José, concluíram que “a atribuição do Direito de Uso e Aproveitamento da Terra à ENH, E.P. ou à Rovuma Basin LNG Land, Limitada É ILEGAL, porque é contrária à Lei e ao Regulamento da Lei de Terras, e é passível de ser impugnada judicialmente a qualquer momento.”

Hélder Paulo apresentou um estudo sobre reassentamentos na zona de actuação da Rio Tinto que concluiu constatou que as comunidades enfrentam, entre vários problemas, fome e escassez de água potável e que as três empresas envolvidas na mina de Benga faltaram com os seus compromissos, primeiro a Rivesdale, depois a Rio Tinto e hoje o consórcio estatal indiano International Coal Ventures Ltd.

Problemas de reassentamento verificados em Massingir, na província de Gaza, em Cateme, na província de Tete, e em Moma, na província de Nampula foram destacados por Camilo Nhancale da KUWUKA JDA que enfatizou o caso da Vale que dividiu uma comunidade baseada em critérios subjectivos, os cidadãos que tinha um emprego foram reassentados numa área mais urbana e os desempregados foram considerados camponeses e por isso acomodados numa área mais rural. “Todos reassentamentos tinham promessa de emprego quando chegaram, mas não se efectivaram” acrescentou o activista.

O primeiro dia da Nkutano terminou com intervenção de Pinto Savula, um dos muitos cidadãos esquecidos pela multinacional Vale Moçambique. “A Vale quando começou com a exploração de carvão a água do riacho, de onde bebíamos, ficou contaminada (…) O Administrador veio com outras estruturas, e os da Saúde viram que a água estava contaminada, não dava para beber (…) Daí a Vale começou a trazer água em camiões, desde 2012 até hoje (…) mesmo assim, no ano passado, descobrimos que o camião foi usado para transportar combustível e depois trazia água para comunidade”.

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