Para continuarmos  a fazer jornalismo independente dos políticos e da vontade dos anunciantes o @Verdade passou a ter um preço.

ISTO É: Desta vez, (en)fartei-me de vez!

Cogito, decido falar mas sempre me calo! Mantenho o meu silêncio porque, ao que tudo indica, num lugar como este, o mutismo vale ouro. Não posso, não quero, não devo falar. Assim estou instruído.

Num lugar como este, mesmo que eu queira rebelar-me, para revelar pensamentos oportunos – isso é debalde, afinal, “palavras vozeadas/ não passam de mera/ confirmação de clamores mudos”.

Agora, criticar? A quem? A estes?

– Ficar sem udo nem miúdo.

Recordem-se, irmãos, de que em certa ocasião – em reacção à sua ejaculação oral, por que muitos de nós se apaixonaram – eu disse-vos que unicamente se tratava de uma oração oca, não obstante o seu aparente carácter revolucionário: “combater o deixa-andar”.

Nenhum filho, pelo menos neste lugar, pode combater o seu pai e, ainda assim, continuar vivo. Portanto, a ideia de que “Vamos combater o deixa-andar” só faz sentido mesmo “Quando/o nervosismo é virtude”. Nervoso! Foi assim que ele, o meu irmão, mais uma vez, furioso, apareceu com promessas hilariantes para nos encavilhar.

Na verdade, no seu discurso, o que o meu irmão vos ensinou foram pequenos rudimentos colegiais para satisfazer uma necessidade inconfessa: tornar-vos “activistas/ do combate/ ao clandestino, e não homens”. Em resultado disso, tornaram-se “activistas/ ensandecidos/ pelo clandestino, e não activistas”.

Tornaram-se “técnicos/ empobrecidos/ de ética e deontologia, e não técnicos”. Facto, porém, é que a “pobreza e/ o trabalho opressantes/ vos tornaram coisas/ homens- -como-não-homens/ uns inumanos”. Agora, eu pergunto-me: “Que são vocês?/ Que querem ser? Redefinam- se!”

Admito que cogito, decido falar, mas como todos os cobardes – que povoam este lugar –, vou-me calar! Nem vale a pena reclamarem: vós sabeis que é em tempos críticos, como estes, em que na embriaguez da minha lucidez as vossas “mentes animalescas/ só alimentam ressacas/ e impotências intelectuais”. E isso irrita-me, afinal, como é do vosso conhecimento, “(…) na embriaguez/ da minha lucidez”, as vossas “mentes ficam dementes”.

E como se não bastasse, depois de cristalizar a vossa condição de “nenhumanos”, reivindicam o estatuto de cidadãos. Aqui não há cidadãos. Nenhum de vós pode ser cidadão – a não ser que, a par disso, me queiram instigar a incorporar um valor pejorativo no dito termo.

É que, percebamos, num lugar como este, “ser cidadão/ é pagar erário público/ e coabitar com o lixo em montão/ Madrugar asseado,/ Sujar- -se no espaço público/ Antes de chegar ao trabalho/ Adoecer,/ Faltar ao trabalho,/ E não ter atestado médico, por não ser trabalhador”.

Só num lugar como este é que se admite que ser cidadão, “é reconhecer/ os seus direitos, como puros favores/ Ser masoquista, conformado com o habitual”. Enfim, só num lugar como este – que a todo o custo a nação se procura ilhar do mundo – para edificar um “cidadão inconsciente” que, inspirado e empenhado em tal proceder de coisas, procura tornar-se num “ser hediondo”.

Não! Hoje não me posso calar. Este silêncio – de que há bastante tempo me tornei cúmplice – corrói o meu ser. A minha condição é uma precariedade pública, todos sabem. Se me silenciarem carregarão, por toda a eternidade, a culpa de terem morto um morto. Os meus irmãos, morto-vivos, agindo como ondas do mar, irão reivindicar-me.

Estou farto de ser compadre do rumo das coisas num lugar em que, como este, o custo das precariedades sociais – meios de transporte, sistema de saúde, educação, habitação – no seio das quais todos vivemos é agravado sem dó nem piedade.

Estou farto da acção dos homens que se julgando responsáveis dos nossos destinos, ainda que nos conduzam da forma mais penosa possível, não param de nos torturar. Eles têm um plano perverso – eliminar os pobres. Estamos todos mortos. É uma questão de tempo.

Reparem, irmãos! Amputaram-nos os pés, para, por essa via, colocar a escola, o hospital, o posto de trabalho – que em princípio não existem – cada vez mais distantes, a fim de acelerar o nosso falecimento. Eles fazem da (nossa) vida a negação do próprio viver.

Estou farto de habitar num lugar que, como este, jovem que sou, a minha competência profissional é certificada, no entanto, o mais fatal cartão do árbitro – numa partida de futebol, ainda que eu não seja atleta – se encarrega de colocar-me fora da partida, eternizando assim a minha condição de miserável.

Estou farto de viver num lugar em que ainda que tenha a consciência da minha riqueza, sou obrigado a sucumbir no conforto da pobreza absoluta. Eu preciso de libertar-me desta frente que me liberta para me condenar. Estou farto de tudo, ou seja, desta vez, (en)fartei-me de vez!

Facebook
Twitter
LinkedIn
Pinterest

Deixe um comentário

O seu endereço de email não será publicado. Campos obrigatórios marcados com *

Related Posts