A inexistência de políticas e estratégias favoráveis, claramente definidas para o sector da sétima arte, no país, continua a embaraçar a produção e a distribuição de produtos cinematográficos. Desta realidade resulta, imediatamente, o atrofiamento da indústria do cinema e do audiovisual.
Esta constatação emana do encontro mantido entre os fazedores da sétima arte e o ministro da cultura, Armando Artur, a fim de se discutir os problemas que refreiam o desenvolvimento do cinema, bem como a vida dos operadores do ramo, e definir-se estratégias que incrementem o desenvolvimento do audiovisual.
Há bastante tempo os cineastas precisavam de discutir a realidade do cinema moçambicano. Como tal, falaram de tudo, ou pelo menos um pouco de tudo.
Desde as dificuldades impostas aos realizadores no acesso à matéria-prima (captação de imagem no país); a inexistência de salas de cinema para a exibição de documentários nacionais; a realidade que se prende à não publicação dos mesmos produtos em canais televisivos nacionais; a produção cinematográfica nacional desligada da realidade actual e global – num mundo globalizado e globalizante, etc.
É por essa razão que – a respeito deste último ponto – o director do Festival Internacional do Filme Documentário (Dockanema), Pedro Pimenta, recorda:
“Vivemos num mundo globalizado – não podemos negá-lo. Senão, na altura em que as produtoras internacionais do audiovisual e cinema encontrarem interesse por Moçambique, vão estabelecer- -se no país, tirando emprego aos moçambicanos ou utilizando-os como mão-de-obra barata”. Como tal, “temos que desenvolver a nossa capacidade de reflexão para competir neste mundo real. Porque se ficarmos agarrados a modelos antigos – estamos perdidos”.
“Outro problema é que em Moçambique para se fazer um trabalho cinematográfico no Aeroporto Internacional de Maputo, por exemplo, cobra-se 1500 USD. Isso é uma expressa proibição. Eu nunca vi isso, em nenhuma parte do mundo”, afirmou um dos participantes – cuja identidade não apurámos – em jeito de denúncia.
Na mesma senda, Pimenta pensa que “o principal desafio para nós é ir mais longe – trespassar as dificuldades de produção – porque pagar 20 mil meticais para filmar em Maputo por uma hora é simplesmente absurdo. Em Nova York não se paga isso. Porque é que vai se pagar em Maputo?”.
Para Sol de Carvalho, “o problema dos preços para a realização de filmagens é terrível. Eu tenho uma carta do Conselho Municipal que afirma que por três horas de filmagens deve-se pagar três mil dólares”.
O Governo deve ser paternalista
No campo do cinema (e das artes e culturas em geral) um Governo paternalista é do que mais se precisa. Um Governo que não busque, essencialmente, nas suas acções, explorar os artistas. Antes, e muito pelo contrário, apoiá-los.
Paralelamente a isso, Lionel Moulinho – o realizador do “Ecos do Silêncio”, obra que eterniza no tempo e no espaço o blues man moçambicano, João Paulo – coloca a sua inquietação em relação à acção do Instituto Nacional de Cinema e Audiovisual (INAC).
“Estou constrangido, porque fiz – com todas as dificuldades – um filme sobre a história do blues em Moçambique. Uma obra de suma importância. No entanto, ao invés de o INAC apoiar-me, como realizador, obriga-me a pagar taxas pelo registo da obra”.
Diga-se que se trata de uma dívida de 100 meticais – conforme se revelou na ocasião. Tirando o absurdo – aparente da questão – a realizadora moçambicana, Isabel Noronha esclarece:
“Pode parecer algo insignificante, mas levanta uma questão de princípio. Muito em particular porque nós, os realizadores, não conhecemos a figura jurídica do INAC, dentro do Ministério da Cultura. O que parece estar a acontecer é que o INAC está a olhar para a produção cinematográfica como a forma de financiar as suas actividades. E é nisto que devemos pensar. Se é ou não correcto. Se o INAC, na qualidade de instituição do Estado, não devia ter a sua autonomia financeira”.
De qualquer modo, Sol de Carvalho congratula-se com o reaparecimento da INAC e do Ministério da Cultura, por extensão. “Mas estas instituições não podem reaparecer a impor-nos uma série de regulamentos que pressuponham o pagamento de muitas taxas”, diz ao mesmo tempo que adverte sobre a possibilidade da fomentação de “trabalhos ilegais”.
Empowerment para o INAC
De acordo com alguns realizadores – bastas vezes – o INAC tem-se revelado uma instituição desprovida de poder na esfera da sua jurisdição. É por isso que clamam pela necessidade de se lhes conceder mais poder.
O poder do INAC, em termos de coordenação junto dos cineastas, é um problema muito sério. Não tem coordenação com as autoridades locais. Disto decorre que quando os cineastas pretendem realizar filmagens em determinados regiões, as autoridades locais têm-nos obstruído.
Então, “isto faz com que eu prefira o que acontecia há alguns anos atrás em que, não obstante a inexistência do INAC, não havia esta atitude completamente sorvedoura. Nós estamos a sentir que a produção do cinema está a tornar-se extremamente onerosa. Por isso eu digo que estou a favor da estratégia, mas eu gostaria que neste momento, possuindo uma carta de autorização do INAC, me sinta efectivamente protegido”, salienta Sol de Carvalho.
Trabalho de encomenda
O ponto fundamental na estratégia para o cinema – que se pretende criar – é que além de gerar renda, esta área (da actividade artística e cultural) beneficie de um fundo de fomento.
Por isso “temos que criar uma estratégia nacional para o cinema que, obviamente, deve envolver todos os canais de televisão – o que passa pelo envolvimento de altas entidades governamentais, senão continuaremos a ter problemas de cultura”, diz Sol de Carvalho.
Esta posição fundamenta-se no contexto em que, apesar de se ter uma série de linhas de financiamento para o cinema, “a maior parte de cineastas moçambicanos, sempre sobreviveu realizando documentários institucionais”. A grande fonte de financiamento para o cinema moçambicano provém da comunidade doadora. “É por isso que passamos a vida a fazer filmes sobre SIDA”.
“Há dez anos só fazíamos filmes sobre o ambiente. E daqui há pouco passaremos a fazer documentários somente sobre violência doméstica. E depois passaremos a fazer filmes sobre qualquer coisa que há-de surgir que seja moderna e tenha financiamento”.
Ora, “eu não tenho nenhum problema em produzir documentários sobre o SIDA. Mas temos de estudar formas de produzir filmes com valor artístico sem muitas implicações do financiador”, reconhece.
Cinema sem mercado
A falta de mercado para a produção cinematográfica – ainda em voga – prende-se com a falta de mercado. Não obstante, há mais de 400 salas de cinema no país – “clandestinas”. Nestas, exibe- -se todo o tipo de filmes durante o dia. Parece a Sol de Carvalho que – se calhar – “seja necessário olhar para essa rede, começar a regulamentar e apoiá-la”.
Acontece que, neste momento, há necessidade de o país se desenvolver economicamente – o que propicia a procura do lucro em todos os sectores da sociedade. Isto acaba por fazer com que o cinema seja produzido à base “de um impressionante movimento de cineastas nacionais de busca de fundos”.
Por isso, as obras (que daí derivam) “são híbridas entre o seu intelectual e a necessidade da empresa que financia”. Ou seja, “sofrem muitas mutações e alterações daquilo que está na alma do cineasta, o criador”, realça Luís Simão que é professor universitário de Audiovisual e Cinema.
Mas a verdadeira preocupação deste docente é a inexistência do mercado – em solo pátrio – para o cinema nacional.
Porém, “há necessidade de redesenhar estratégias porque – não basta ter uma instituição a ordenar aspectos administrativos, logísticos e a cobrar taxas – o mais importante é que se há produção deve haver igualmente espaço para a distribuição e o consumo do cinema”. Afinal, “do que vale fazer cinema se depois não se tem onde exibi-lo?”, questiona.
Enquanto não houver salas convencionalmente equipadas para exibir cinema nacional; enquanto não houver aceitação por parte dos canais de televisão nacional – que por uma exibição de documentários “cobram preços altos do que a própria produção” – o cinema moçambicano sobrevive extremamente constrangido.
É, por fim, pela necessidade de mudar este cenário crítico que enferma a vida dos realizadores da “Terra do Mondlane” que o ministro da Cultura, Armando Artur e o seu elenco do INAC, promoveram uma discussão para colher subsídios e tentar solver alguns imbróglios.