A situação económica que o nosso país está a viver, agravada no último mês pela depreciação da moeda nacional, o Metical, em relação ao dólar norte-americano, trouxe à tona vários problemas que têm passado despercebidos aos moçambicanos, afinal não é apenas a falta de poupança e de produtividade interna que tem contribuído para a crise que estamos a enfrentar. Poucos moçambicanos pagam impostos, muitas empresas não contribuem erário, os megaprojectos além das isenções todas que recebem ainda fogem ao fisco e não criam empregos a longo prazo, o contrabando ainda é muito, a corrupção não pára, e com menos dólares disponíveis as receitas aduaneiras estão cada vez a diminuir.
As constatações foram feitas pela nova presidente da Autoridade Tributária de Moçambique(ATM), Amélia Nakhare, numa palestra subordinada ao tema “Desafios do Sistema Tributário Moçambicano”.
Os esforços realizados ao longo dos últimos anos, em simultâneo com o investimento na educação fiscal, resultaram no registo de 4.050.163 contribuintes na carteira fiscal porém deste universo “apenas 1% paga impostos, estamos a dizer que cerca de 40 mil moçambicanos é que pagam impostos” constatou Amélia Nakhare referindo ainda que, “se observarmos a população economicamente activa, que até começa mais cedo (a trabalhar), que temos cerca de 30 milhões de moçambicanos não chega a 0,5% dos que pagam impostos”.
Existiam em Moçambique em 2014, de acordo com o Plano Quinquenal do Governo de Filipe Nyusi, 1.366.738 trabalhadores no sector público e privado. Segundo ATM a maioria dos trabalhadores moçambicanos tem rendimentos mensais abaixo de três salários mínimos, portanto abaixo do mínimo de imposto não tributável em termos do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (IRPS).
A expectativa, segundo Nakhare, fazendo uma projecção tendo em conta o crescimento da receita versus o crescimento da despesa total, o nosso país precisa de sete anos para atingir a capacidade de financiar a sua própria despesa com a colecta do IRPS.
Nakhare critica as multinacionais
Mais dramático é o cenário em termos de empresas, de acordo com a presidente da ATM somente “cerca de 24% das pessoas colectivas pagaram o IRPC” o que significa que 76% das empresas pequenas, médias e grandes não estão a pagar impostos.
E nem os megaprojectos ajudam a minimizar as poucas receitas fiscais. Amélia Nakhare criticou as multinacionais que vêm extrair os recursos naturais que existem em Moçambique mas estabelecem as suas sedes em paraísos fiscais onde conseguem pagar menos impostos e, salvo o volume de mão-de-obra empregue durante o curto período de instalação dos seus projectos, “nas fases subsequentes de maturidade do projecto a característica do investimento que ele faz é intensivo em capital, e por que também é intensivo em tecnologia de ponta ele vai reduzir a mão de obra a menos de metade. Ao reduzir a mão de obra o desemprego aumenta”.
“Se eu antes podia captar o IRPS porque ele(o trabalhador moçambicano) tinha emprego e podia criar condições sociais para ele, este indivíduo já não tem emprego, não paga IRPS, o Estado arrecada menos receita e significa que fica com menos condições para resolver o problema dele, e entramos num ciclo vicioso”, explicou a nova timoneira da Autoridade Tributária de Moçambique.
Amélia Nakhare não nomeou as multinacionais nem os valores actuais de arrecadação mas um estudo do Centro de Integridade Pública(CIP) indica que o Grupo Kenmare é um dos casos mais evidentes das poucas receitas geradas pelos megaprojectos para o Estado moçambicano.
A mineradora tem a sua sede na Irlanda e a actividade mineira em Moçambique é realizada por uma empresa do grupo, a Kenmare mining, cuja sede está localizada nas Ilhas Maurícias, um paraíso fiscal. Ademais esta empresa explora as areias pesadas em Moma, na província de Nampula, e depois vende os minerais a outra empresa do mesmo grupo, a Kenmare processing, a preços artificialmente baixos, que é quem realiza o seu processamento. É no processamento dos minerais onde são gerados os lucros e a empresa que realiza esta actividade também está baseada num paraíso fiscal, em Jersey.
A Sasol é outra multinacional não gera grandes receitas para o Estado moçambicano, pois a empresa Sasol Petroleum Pande, que extrai o gás natural na província de Inhambane, revende-o sem muita transparência nos preços à sua empresa “mãe” na África do Sul, a Sasol Petroleum International.
Outro exemplo paradoxal é o da MOZAL que fez em Moçambique investimento equivalentes a um quarto do Produto Interno Bruto mas emprega apenas cera de 1.500 pessoas.
Projecções da ATM indicam que, a nível do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas (IRPC), são necessários cerca de 13 anos para que Moçambique consiga geral receita suficiente para eliminar a dependência da ajuda exterior ao Orçamento de Estado.
Relativamente ao Impostos Sobre o Valor Acrescentado (IVA), que segundo a Autoridade Tributária de Moçambique tem cerca de 5 mil contribuintes, “considerando o crescimento da receita total, que é de 24%, e o crescimento da despesa total, é de 22%, a projecção indica que só em 19 anos é que Moçambique consegue o ponto de ruptura da dependência massiva em relação ao exterior”, afirmou Amélia Nakhare.
“Pagar imposto é resolver o seu próprio problema”
Para além deste desafios, que não são novos, a presidente da ATM destacou que a instituição enfrenta também a desvalorização do Metical, em relação ao dólar norte-americano, pois os importadores tem cada vez menos moeda nacional para adquirem divisas que precisam para adquirirem os bens que Moçambique consome no exterior. Se os empresários importam menos irão pagar menos taxas às Alfandegas. Por outro lado, se os empresários forem-se financiar no mercado informal, e depois sub facturarem as suas importações estarão a fugir ao fisco, e portanto “as nossas receitas aduaneiras estão cada vez a diminuir”.
Nakhare referiu também que a integração na SADC e consequente “desarme” das taxas estão a transformar a instituição que dirige “num posto fiscal”.
O contrabando de bebidas alcoólicas, tabaco, troféus de caça e até capulanas não tem reduzido apesar das apreensões que tem sido efectuadas pelos agentes aduaneiras posicionais nos portos, aeroportos e fronteiras terrestres.
Entretanto a Autoridade Tributária de Moçambique não revelou o que está a ser feito de concreto para combater a corrupção que se sabe estar relacionada com a fuga ao fisco, nas suas diversas variantes. “Foi instituída uma declaração de integridade que visa a adesão voluntária do funcionário ao cumprimento dos princípios éticos e deontológicos plasmados no código de conduta”, explicou uma directora da instituição.
As campanhas de educação fiscal e aduaneira são outra das grandes apostas da ATM que já formou 85 204 mil disseminadores que procuram popularizar a necessidade de pagamento de impostos até nas escolas.
“(…)Devemos começar nas escolas primárias a preparar o Homem para este facto de que pagar imposto é resolver o seu próprio problema”, concluiu Amélia Nakhare.