As rotas de navegação estão a abrir-se no derretido Oceano Árctico, primeiro passo para explorar os recursos da região boreal.
A possibilidade de explorar os outrora inacessíveis recursos naturais do Oceano Árctico fica mais tangível com o degelo do Pólo Norte, para escândalo dos cientistas europeus.
Observações recentes do Instituto Alfred Wegener de Pesquisa Polar e Marinha (AWI) e da Universidade de Bremen confirmam que o degelo do Árctico medido há cinco anos foi especialmente grave neste Verão boreal.
O aquecimento do Pólo Norte foi tão pronunciado que tanto a passagem do Noroeste, no território canadiano de Nunavut, como a rota do Mar do Norte, ao longo da Sibéria, estão livres de gelo.
“A particularidade do Verão de 2011 é que até mesmo o Canal de Parry (em Nunavut) está aberto e quase sem gelo”, disse o cientista Georg Heygster, do Instituto de Física Ambiental da Universidade de Bremen, na Alemanha, que gerou mapas das camadas de gelo utilizando dados obtidos pelo satélite Aqua, da agência espacial norte- -americana.
“A camada de gelo derrete a tal velocidade nas margens, que permite que os raios solares aqueçam a água que está por baixo, o que acelera o degelo”, explicou o físico e oceanógrafo Rüdiger Gerdes, do AWI, com sede na cidade costeira de Bremerhaven.
“Esta situação não nos surpreende, pois corresponde à tendência observada desde 2007”, acrescentou Gerdes. “Contudo – prosseguiu –, é grave, porque não só está a diminuir a extensão das camadas de gelo como também a sua espessura”.
“Estas circunstâncias criam novas oportunidades de uso económico do Árctico”, como a pesca, o transporte e a indústria extractiva, sobretudo de gás e petróleo, afirmou o cientista. E esses interesses económicos já se fazem sentir. Entre Julho e Setembro, passaram pelo Árctico três enormes cargueiros.
O Sanko Odyssey, o maior navio que fez essa rota, transportava 68 mil toneladas de minério de ferro. O navio-tanque Wladimir Tichonow precisou de apenas sete dias e meio para atravessar o Estreito de Bering desde a ilha Nova Zembla, e com essa velocidade superou o recorde de outro navio semelhante, o STI Heritage, que em Julho havia percorrido quase o mesmo trecho em oito dias.
Segundo dados das autoridades russas de transporte marítimo, cerca de 20 navios utilizaram a mesma rota este ano. Para avaliar as consequências ambientais dessas actividades, Gerdes, Heygster e cerca de 30 pesquisadores de nove países europeus criaram um grupo de trabalho.
No Access, sigla de Arctic Climate Change, Economy and Society (Mudança Climática, Economia e Sociedade do Árctico), Gerdes e os seus colegas procuram respostas para três perguntas: como se desenvolverão o transporte, o turismo, a pesca e a exploração mineral no Oceano Árctico no futuro imediato? Quais são os riscos para a natureza e a humanidade que esse desenvolvimento pode apresentar? Quais são as regras necessárias para reduzir esses riscos?
Além do AWI, estão associados ao Access o Instituto Kiel para a Economia Mundial (Alemanha), o Centro Aeroespacial Alemão e a Universidade Pierre e Marie Curie, da França. Também existem vínculos de trabalho com o intergovernamental Conselho Árctico e com o Centro do Árctico, da Universidade de Lapland, da Finlândia.
“A nossa principal preocupação é regulamentar as actividades económicas possíveis no Árctico e oferecer opções de política na região aos governos europeus”, disse ao Terramérica a porta-voz da Universidade Pierre e Marie Curie, Claire de Thoisy-Méchin. “A mudança climática no Árctico causará graves impactos nos ecossistemas marinhos e nas actividades humanas.
No nosso trabalho daremos especial atenção à sustentabilidade ambiental dessas actividades, em estreita cooperação com os povos indígenas locais”, acrescentou Claire.
Porém, armadores e outros actores do transporte marítimo indicam que, para a passagem do Noroeste e a rota do Mar do Norte serem efectivamente utilizáveis, será preciso um forte investimento em infra-estrutura, como portos e estações de combustível e de provisões, ao longo de quase seis mil quilómetros.
Além disso, apesar do contínuo degelo, as circunstâncias actuais ainda são imprevisíveis. Por exemplo, na sua recente passagem pelo Árctico, o Sanko Odissey esteve acompanhado por um quebra-gelo atómico russo.
“O problema principal para o transporte marítimo nessa região boreal são os pedaços de gelo à deriva, que podem provocar enorme concentração que mesmo um navio tão grande com o Sanko Odissey não consegue remover”, explicou Gerdes. No entanto, a tendência do derretimento é clara. É quase certo que não haverá gelo no Verão árctico em 2029, estimam os cientistas.
Para Gerdes, o actual degelo também é influenciado pela chamada “oscilação multidecadal atlântica”, fenómeno cuja existência é motivo de controvérsia científica e que, segundo os seus defensores, se caracteriza por uma mudança periódica das temperaturas das águas superficiais do Atlântico Norte. “Estamos a passar por uma fase quente dessa oscilação”, concluiu.