Pelo menos uma vez por ano – no dia 1 de Dezembro – o mundo pára para, não somente, reflectir sobre as incontáveis perdas de vida com que o Vírus do HVI/SIDA açoita a família humana, como também para aperfeiçoar e engendrar novas estratégias para combater o mal. No ano 2012, o “País da Marrabenta” considerou a SIDA um mal a abater.
Nos últimos dez anos (desde que o vírus da SIDA surgiu) caso uma forte campanha contra a doença não tivesse sido realizada, provavelmente o final do século passado tivesse sido uma das épocas mais mortíferas na história humana, sobretudo em África.
Nalguns países africanos – sobretudo os assolados pela insegurança alimentar, crises sociais e políticas, além de calamidades naturais – a prostituição afigurou-se como sendo uma solução para o combate à pobreza. Em situações como estas, o vírus do HIV que origina a SIDA, uma doença cujo tratamento além de oneroso é exigente, teria sido muito mais fatal do que foi e está a ser.
Provavelmente seja por isso que a menos de um ano para se completar o 10º aniversário do “Plano de Emergência do Presidente para o Alívio da SIDA (PEPFAR)” – criado pelo Governo Americano – a análise daquele país sobre o impacto das iniciativas de luta contra a doença não seja muito satisfatória.
“É preciso continuar-se a sensibilizar as pessoas para que tenham em mente que a SIDA ainda é um problema grave”, recomenda Yula Montoya que coordena o concurso “Dança Contra o HIV/SIDA”, uma (nova) iniciativa americana para rechaçar a epidemia no país.
No parecer dos americanos, “embora uma década de campanhas de consciencialização tenha informado melhor o público, elas também correram um risco criando uma fadiga, especialmente como resultado de abordagens instrutivas que tinham como objectivo mudar comportamentos”.
Concurso de Dança Pós-AMATODOS
Em 1989 a Companhia Nacional de Canto e Dança (CNDC) produziu e apresentou no país a obra AMATODOS. A preocupação era a mesma combater a doença.
A obra revelou-se “um extraordinário trabalho coreográfico” que evidenciou a capacidade de imaginação criativa de artistas moçambicanos como Augusto Cuvilas – já falecido – Maria Helena Pinto e Pérola Jaime. Ilações positivas foram extraídas por quem assistiu à coreografia.
Há quem acredita inclusive que ela “provou ser excepcional pela sua habilidade de comunicar por todo o Moçambique os perigos da epidemia”, revelando “para as audiências os tipos de comportamentos e hábitos que deviam ser observados (ou evitados) de modo a impedir o contágio”.
Vinte anos depois, numa altura em que a SIDA continua a fustigar os moçambicanos com tanto sofrimento e morte, a criação de Cuvilas pode inspirar os artistas a ganhar novo fôlego e a continuar a luta contra a epidemia. Está-se convencido de que o povo já tem conhecimento suficiente sobre como prevenir e combater a SIDA. Mas nem por isso deve relaxar.
“Mais do que nunca nós precisamos da força criativa dos artistas para expressar sentidos e sensibilidades que não são normais ou facilmente articulados ou imaginados mas que estão sempre presentes visto que nós vivemos nesta era do HIV/SIDA”, consideram os organizadores do certame cultural de dimensão nacional.
O “Concurso de Dança Contra SIDA Pós – AMATODOS” foi lançado em Dezembro do ano passado, altura em que mais uma vez se celebrou o Dia Internacional de Luta Contra a SIDA. E irá vigorar em 2012 com a realização de concertos de dança nas regiões sul e centro de Moçambique, com excepção das províncias de Manica e Tete.
Numa fase inicial, o evento restringe- se à dança (Tradicional, Moderna, Contemporânea, Hip Hop, Ballet…) desde que expresse uma mensagem combativa relativamente àquela epidemia. A sua continuidade nos próximos anos depende do êxito da primeira edição. Ao mesmo tempo que novas modalidades artísticas, quer seja a música, quer seja o teatro podem ser introduzidas.
Enquanto isso não acontece, os mentores da iniciativa ocupam-se em instigar a aplicação da “dança de forma inovadora e criativa para abordar o HIV/SIDA e o seu impacto no país, reforçando as parcerias e os laços de amizade existentes entre Moçambique e os Estados Unidos da América”.
Porquê usar a dança contra a SIDA?
A história das manifestações culturais e artísticas em Moçambique mostra que a arte serviu sempre de instrumento para contornar as barreiras sociais com os quais nos temos debatido.
No concurso promovido pelos americanos, a sublimação na capacidade de “entreter, exaltar, comunicar, educar e sobretudo animar o movimento corporal ou de outro modo” concorreram para que a dança fosse eleita para contribuir na luta com a SIDA, uma luta que deve ser de todos nós. “O que se pretende explorar é a componente artística e criativa da dança, uma vez que ela tem a capacidade de transmitir informações e mensagens inimagináveis, as quais a palavra – por si só – não emite”, realça Yula Montoya.
Por outras palavras, ”não devemos relaxar na luta contra a SIDA só porque existem os anti-retrovirais”. Sobretudo porque se compreende que passada a primeira década de combate ao HIV/SIDA as pessoas (os artistas em particular) relaxaram. É como se estivessem satisfeitas apenas com o facto de a medicina ter já criado condições para que os portadores do vírus tenham uma vida razoável.
Talvez as pessoas pensem que já não estão diante de uma ameaça de vida. Este concurso pretende que se saia desta fadiga mental, instigando os artistas a utilizar a dança como um instrumento de transmissão de uma mensagem combativa em relação à doença na sociedade.
Será uma forma de mostrar “os bailarinos” que devem assumir uma postura salutar diante do HIV que é um problema (ainda) presente. Sobretudo porque há muitas pessoas – crianças e adultas – que continuam a contraí-lo diariamente.
Acredita-se que o certame cultural assume um duplo sentido, o de súplica e de desafio. Súplica, na medida em que os coreógrafos e bailarinos são convocados a usar as suas criações em prol da saúde. Desafio, porque deve-se diversificar as abordagens sobre o vírus do HIV/ SIDA capazes de aliviar a fadiga.
Como participar no certame?
O concurso foi exclusivamente desenhado para Moçambique. Pretende-se criar um (novo) fórum mais abrangente que utilize todos os tipos e estilos de dança para combater a doença. Se o projecto ser bem sucedido nos próximos anos realizar-se-á com uma periodicidade – anual ou bienal – estabelecida.
“O concurso está desenhado para todos os grupos moçambicanos de dança”. Procuramos chegar às regiões mais distantes de Maputo, bem como as províncias através da imprensa, da nossa base de dados e dos grupos que tomaram parte de sessões de esclarecimento de dúvidas realizadas nos serviços culturais da Embaixada do Estados Unidos, em Maputo”, comenta a professora Yula Montoya.
Das referidas sessões produziu-se um vídeo que pode ser disponibilizado aos potenciais concorrentes, sobretudo os das províncias que não se puderam fazer presentes em Maputo. Basta que, para o efeito, os mesmos mandem o seu endereço físico para o correio electrónico dancacontrahiv@ yahoo.com a solicitar o DVD que lhes será enviado. Aliás, a partir do mesmo endereço pode-se ter melhor explicação sobre as condições de participação.
“Em cada sessão tivemos a participação de 25 pessoas, muitas das quais vinham em representação de grupos e/ou de pessoas singulares que se não se puderam apresentar no local. Por isso, penso que cerca de 70 potenciais concorrentes já devem ter conhecimento do certame. Isso faz-me pensar que haverá uma grande aderência de concorrentes”, diz a interlocutora que acrescenta: “O concurso irá incentivar os participantes a criar peças originais e criativas”.
Prémios aliciantes
A iniciativa irá observar inúmeras etapas. Na penúltima, a que antecede a selecção dos três finalistas, será realizada uma actuação pública, o que acontecerá em Abril. No mesmo mês serão anunciados os finalistas que em Maio serão financiados pela Missão dos EUA para realizarem concertos em Maputo, Gaza, Inhambane e Sofala durante o ano.
Um conjunto de prémios composto por computadores portáteis, câmaras digitais e iPod/MP3 além certificados de mérito serão, respectivamente, entregues ao primeiro, segundo e terceiro classificados.
No entanto, ainda que em África – Moçambique em particular – as pessoas sejam infectadas continuamente pelo vírus do HIV/SIDA, ao mesmo tempo que a epidemia continua a ceifar vidas humanas, o “Plano de Emergência do Presidente para o Alívio da SIDA” (PEPFAR) – que em 2003 completará dez anos – congratula-se pelo facto de, actualmente, as clínicas, os hospitais e o pessoal que lidam com a doença estarem mais e melhor preparados para detectar os sintomas da doença o mais cedo possível e, por via disso, administrar o tratamento rapidamente”, comenta Yula.
“Penso que, de certa forma, o plano tem contribuído bastante para reduzir o contágio pela doença”, bem como para “dar um tratamento medicamentoso às pessoas que (infelizmente) já estão infectadas”.
O mais importante (se é que as demais estratégias de combate à enfermidade estão a falhar) é que a arte mostra-se “um melhor veículo para abranger um maior número possível de pessoas na luta contra a doença, sensibilizando- -as para que tenham em mente que o ´mal` ainda é um problema grave”, conclui.