Finalmente, depois de em 365 dias Alexandre Chaúque, célebre artista moçambicano, impelir (semanalmente) os apreciadores das suas crónicas – ricas de palavrões fascinantes – a perseguir “@Verdade” a fim de degustar as suas “paranóias” eis que publica a obra “Bitonga Blues”. A cerimónia da apresentação da obra teve lugar na sua terra natal: Inhambane.
Unico, diferente e com alguns atributos muito peculiares, Alexandre Chaúque decidiu congregar 24 crónicas em mais de 100 páginas para publicar o livro “Bitonga Blues”.
A obra mescla, entre outros sentimentos, a nostalgia, os amores e desamores, a solidão, um protesto – contra a degradação social e disfunção das nossas instituições sociais – sem descurar um contributo para o conserto do que o artista pensa que seja possível, trazendo, acima de tudo, uma mensagem de esperança.
Perante as suas “crises”, este autor, quando não consegue resolvê-las, recorre às opiniões que ele mesmo cria e coloca no pensamento de outrem. Quando se farta, Chaúque ataca tudo e todos, de forma desmedida, através da sua escrita disciplinada. E fá-lo segura e propositadamente e sem nenhum receio.
Afinal, “tenho um guarda-costas, que é Deus, e um guarda frente, que é Jesus Cristo”, escreve acrescentando: “Quando quero atiro-me ao poço cheio de ferros em brasa e sei que Deus não me vai deixar ser tocado pela dor”.
Chaúque é um artista – compositor e intérprete de blues na língua Bitonga, escritor e jornalista – que conhece perfeitamente os temperamentos da sinistralidade.
É por essa razão que, retratando o tema que se prende à criminalidade, ao custo de vida, mas sobretudo à inoperância do sistema de transportes que assola a capital moçambicana, e o país, por extensão, conta- -nos a solução que muitos cidadãos têm adoptado:
“ (…) estou sentado na esplanada do lendário Djambu, à espera que o drama de apanhar o “chapa”, de regresso à casa onde moro, reduza, porque nunca vai acabar completamente”. Enquanto isso, o país vai atrasando.
Em “Bitonga Blues” – este livro de uma leitura fácil e, por conseguinte, apetecível – engendrando um discurso moderno, actual e intemporal, o artista advoga, em última análise, a observância e defesa dos direitos humanos dos mais indefesos: as crianças.
Protesta – sabiamente – contra uma autoridade deformada e deformadora a que os nossos agentes de Lei e Ordem se tornam, em cada instante, que, manifestando o seu músculo, perpetram actos de violência e injustiça.
Diz ele que crianças, supostamente em conflito com a lei, são “fornicadas nas cadeias e transformadas em lixo” perante o olhar impávido e cúmplice de alguns “representantes da autoridade, que ignoram a fragilidade das crianças que não sabem que vão ser brutalmente violadas” na cela.
É que, segundo Chaúque, perante cenas desta natureza, “os polícias divertem-se com as crianças encurraladas, esquecendo-se que elas têm a idade dos seus filhos, ou os seus filhos terão aquela idade, amanhã”.
Ainda na esteira da defesa dos direitos humanos, este criador – cuja veia jornalística lhe conferiu, ao longo de anos e anos de ofício, uma ampla visão sobre a realidade – alerta à juventude para que se desvie de todos os caminhos ínvios: criminalidade, drogas e prostituição.
Por exemplo, referindo-se a quem pensou que – por ser a mais antiga actividade da humanidade – a prostituição podia solver as suas carências sociais, Chaúque reporta a grotesca experiência ancorada na alma de uma trabalhadora do sexo: “Aquilo que me fizeram feriu profundamente a minha carne e o meu espírito também”.
No entanto, se afirmassem que, depois de Cristo, o maior homem que já viveu entre pecadores e não se desviou é Chaúque, isso não estaria muito longe da verdade.
Afinal, ainda que num tom irónico, revelou a sua sabedoria ao confessar que “na verdade nunca fui nada”. É que Bitonga Blues – como prefere que o tratem – já transcendeu a dimensão do material. Perdeu-se! Como tal, “procuro-me incessantemente”. É como se estivesse, onde ninguém chegará. Afinal, por lá só se encontram “aqueles que têm um ouvido e tu tens dois”, diz na sua metáfora de bom ouvinte.
Que pena! Por essa razão continua homem perfectível. Como tal, engana-se. Ainda que a sua obra – como explica – resulte num sonho, num gozo maravilhoso, o artista estaria sobejamente enganado ao escrever:
“Todas as semanas, durante o período em que eu publicava no @Verdade tinha o demónio que me dava estas crónicas e recebia-as com júbilo, para depois as passar para outros”. Nenhum demónio pode inspirar alguém a escrever textos sábios – como os apresentados em “Bitonga Blues”.