Depois de “Espelho”, uma obra na qual Emmy Xyx enveredou pela prosa, na sua segunda “missiva”, a escritora pauta pelo discurso poético em “Contar Ser Gregos”, um livro no mínimo de romper com as fronteiras numa verdadeira viagem ao interior de si e dos seus.
Se em “Espelho”, obra publicada em Setembro de 2011, sob a chancela do Fundo para o Desenvolvimento Artístico e Cultural (FUNDAC), a escritora que formalmente responde pelo nome de Manuela Xavier descreveu a imagem (real), sobre a propalada igualdade de género, numa posição mais feminista, o que se pode dizer a priori sobre “Contar ser Gregos” é que a autora dispensa os outros para olhar para o seu espaço no Mundo.
A não achar outro título, mais futurista é Emmy Xyx, ao nomear esse conjunto lírico de “Contar Ser Gregos”, deixando evidente a sua preocupação, como escritora dos novos tempos que se serviu da experiência dos velhos, para se inserir no tema da viagem ou da invasão, (a nova teoria avançada pelo crítico Francisco Noa) já iniciada por poetas como Eduardo White, em “Janelas para o Oriente”, Sangare Okapi em “Pelos Mesmos Barcos” e Adelino Timóteo em “Viagem até Grécia a partir da Ilha de Moçambique”.
Sendo assim, Emmy Xyx mostra-se como uma mulher sob olhar aliado às condições anormais da temperatura poética, nessa sua obra de poesia publicada na semana passada na cidade de Maputo.
Mas como o surgimento de um poeta não vem à toa, o leitor brasileiro da Universidade de Cabo Verde, Dejair Dionísio, diz severamente que “Contar Ser Gregos” “começa assim, como quem não quer nada, lembrando Bandeira, chutando as pedras no caminho, saindo, entrando e revolteando na tentação de contar histórias de amor, de dor, de negação; saudando as mães das letras moçambicanas que rondam a sua poesia e marcam a sua influência estética. Seria um pouco mais mas fiquemos nos comentários acerca da obra que ora se apresenta.”
Mais adiante, o crítico ainda caracteriza a obra como “pulsante. Versos entremeados por construções próprias da poesia. Versos livres que ora se apresentam, ora representam e não represam o que vai no desejo de singularidade, de subjectividade da poetisa, mas que dialoga também com a sua comunidade. Faz-me lembrar o que pensam autores africanos ao falarem sobre a produção literária africana. Ela é algo que compartilha do pensamento comum, daquele que fala, que grita, que espera espelhar o olhar da sua comunidade, do seu povo, da sua etnicidade, inscrita nas letras, nas palavras, na sonoridade dos versos.”
Mais uma razão que dialoga com a percepção do @verdade sobre a nova forma de ser de Emmy Xyx, que para a não surpresa de todos, marca o seu trilho na poesia moçambicana e com uma nova (e diferente) razão poética, o interior e o externo, representado pelo olhar das coisas que acontecem à sua volta.
A alma feminina no “Espelho”
Na sua primeira obra, “Espelho”, o homem é que se encontra no centro, embora o que esteja em conflito com a sociedade seja a mulher, que se vê injustiçada por uma raça chamada homem que quando está fora de casa é pessoa mas dentro da família pode-se parecer com um Leão.
Aliás, é a isso que a autora nos remete, logo na ilustração da capa, onde no referido “Espelho” o que sai no lugar da face é esse animal conhecido tradicionalmente como “O Rei da Selva”. Mas quem é afinal o rei da selva? A multidão que grita “Desigualdade! Desigualdade! Queremos desigualdade?”
Isabel Casimiro, que assina as notas introdutórias do “Espelho” de Emmy Xyx, faz a sua posição sobre a obra onde alerta para o que se deve esperar ao recorrermos a essa narrativa. “Sonhar é o que as mulheres têm feito como única fuga à prisão em que vivem, bem como à privação da liberdade, de sentidos e sensações, da cor e alegria experimentados no quotidiano.”
É como se nos quisesse lembrar que o mundo não é um lugar perfeito, ou, neste caso, que para as mulheres o mundo podia ser realmente diferente. “As mulheres sonham” – continua Casimiro – “permitem-se imaginar um outro mundo possível, no ilimitado mundo da sua imaginação.”
E ela vai buscar uma passagem de Rosa Monteiro em “Histórias de Mulheres” para tornar mais clara a sua posição: “Porque há uma história que não está na história e que só se pode resguardar apurando o ouvido e escutando os sussurros das mulheres.”
A história de “Espelho” é protagonizada por Evelina, que vai assistindo em sonho esse movimento pela desigualdade. Os homens e diferentes animais marcham ao encontro da “mãe natureza”, que lamenta o destino que os seus filhos tomaram.
“Ela (a “Mãe Natureza”) mal se recordava dos tempos tranquilos da sua existência, em que se reunia com os filhos e, em conversa amena, transmitia as suas experiências de vida, aconselhava-os, e era ouvida. Amavam-se e respeitavam-se todos e a família vivia em harmonia. Eram tempos outros.”
Entretanto, esse jugo entrecruzado de posições do género, Dejair Dionísio avalia doutra forma em “Contar Ser Gregos”. “Não há muito mais para se dizer. É uma nova escrita, com o olhar do género, sem resvalar somente no género. Se não usa as línguas nacionais para dar o seu recado, não é porque não as quer no texto, mas elas, o âmago de todas elas está lá, contida nas estrofes, nos versos, nas palavras, em cada letra.
E em última análise, o crítico determina que ao ler o livro de poemas Contar Ser Gregos, encontramos “imediatamente o apelo ao uso da língua, dessas coisas que lambem a alma, o seu colorido, o jogo de palavras, seu pluralismo, faz com que a poesia inscrita no contexto desta obra apareça, cresça e amadureça”.
Uma relação (o)usada com o leitor ou um “tu” de poetisa!
Na leitura que se pode fazer da poesia de Emmy Xyx, dentre vários aspectos que chamam a atenção no discurso poético, encontramos uma relação de amigável à ousada com o leitor, levando-nos à intimidade com o sujeito que discursa. Tome-se como exemplo o poema “Aquele que foi”: Aquele que foi/o teu retrato/de ti resta um pouco./Um pouco que se abre na frescura do teu sentimento aboles-te com secura (…).
E nessa viagem, lembranças, emoções e devaneios entre “eu e tu, tu e eu. Nós” como diz a autora em “Concursos” Rosário Fernandes em jeito de prefácio considera que “a odisseia literária de Emmy Xyx, ao longo dos seus 53 poemas e 91 estrofes, configura vocábulos de um lirismo inusitado, onde predomina o sentido de escuridão e marasmo da vida, para onde se imporia a ressurreição vitalícia do direito natural de viver, sem obstáculos, nem temores, nem discriminação, e nem desamor.”