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Como (sobre)vivem os moçambicanos? À rasca!

O preço dos produtos atingiu níveis insustentáveis para os consumidores de distintos estratos sociais. Alguns já começaram a refazer as contas. Faz lembrar aquela canção de Bob Marley “Them Belly Full” (Eles estão com a barriga cheia): “O custo de vida está a ficar tão alto. Ricos e pobres estão a começar a chorar, eles dizem – ó que aflição!”.

O que é que significa a expressão popular “apertar o cinto”? Imaginem um cidadão pacato, que de três em três meses recorria ao profissional da esquina para perfurar o seu cinto, de modo a ajustá-lo à largura e comprimento da sua cintura. Imaginemos esse mesmo cidadão a ter de fazer isso, agora, de um em um mês, mas por faltar de dinheiro é obrigado a criar buracos no seu cinto à sua maneira, tipo desenrascanço. Esse é o retrato fiel de alguém obrigado a “apertar o cinto”!

 

Cesta básica ou cesta magra?

O “fantasma” da subida de preços dos produtos de primeira necessidade e da gasolina, do gás doméstico, da energia eléctrica e da água está a atormentar o bolso dos moçambicanos a cada dia que passa. Aliás, que o poder de compra do consumidor é débil já é de senso comum, mas o que os consumidores não sabem é que o mesmo tem vindo a decrescer ao longo dos anos e sobretudo para os cidadãos que auferem entre um a um pouco mais de cinco salários básicos nacionais… e não só.

De diferente apenas têm o rendimento mensal e o estilo de vida que cada família leva, mas todas elas passam pelo mesmo sufoco: rever as despesas para o próximo mês, uma vez que os preços de produtos estão sistematicamente a subir. Dada a relativa e imperiosa necessidade de adquirir bens de consumo e pagar contas de água e luz, os consumidores fazem “malabarismos” de modo a ajustar o orçamento doméstico ao novo cenário.

A cesta básica desenhada para fixação do salário mínimo nacional é composta por arroz, farinha de milho, óleo vegetal, açucar, amendoim, feijão manteiga, peixe, sabão, hortofrutículas e pão. O cabaz, para o sustento de um agregado familiar-tipo em Moçambique (com cinco pessoas) durante um mês, custa 5229 meticais, pondo de lado despesas de higiene, carne vermelha e entretenimento. O salário mínimo actual, ajustado na última Concertação Social em Abril passado, é de 1680 meticais, longe dos 6000 meticais que propunha a OTM-Central Sindical.

25% da Nação é que vivem

Um estudo desenvolvido em 2009, sobre a Relatividade da Pobreza Absoluta e Segurança Social em Moçambique, revela que 90% dos moçambicanos (cerca de 19 milhões da actual população de Moçambique) vivem com menos de 50 meticais por dia e 75% (15 milhões) vivem com menos de 31 meticais por dia, segundo as linhas de pobreza internacionais. As linhas 2 e 1,25 dólares americanos por dia são actualmente os limiares de referência do padrão de consumo global, o que significa que pobres são aqueles cujos rendimentos ficam aquém do estipulado na linha da pobreza.

Na taxa de câmbio média dólar/metical, do Banco de Moçambique, em 2009, situava um dólar comprando 25 meticais. Isso equivale a dizer que, nesse ano, pelo menos 75 por cento dos moçambicanos vivia abaixo da linha de 1,25 dólares (ou 31 meticais), numa altura em que o desígnio da Nação é a Luta Contra a Pobreza (Absoluta). Chama-se a isso desenrascar a vida, mera existência ou resistência?

Dito de outro modo: apenas 25 por cento da Nação Moçambicana é que têm uma vida condigna, contanto que tenham exercido a sua cidadania (votando) nas últimas eleições gerais apenas 21 por cento (4,4 milhões) de moçambicanos.

Dividimos os nossos intelocutores em três grupos distintos de acordo com o seu rendimento mensal, nomeadamente o primeiro grupo composto por indivíduos que sobrevivem com um salário mínimo ou menos; segundo, os que obtêm um rendimento familiar no valor que varia entre 15 mil a 27 mil meticais; e, o último, os que ganham entre 30 mil a 45 meticais. Refira-se que não incluímos os que dispõem de uma renda superior a 45 mil meticais.

No país, as classes sociais não aparecem, nas estatísticas oficiais, distinguidas ou classificadas segundo o seu poder aquisitivo, o que torna difícil saber-se que indivíduo pertence à classe baixa, média ou alta. O inquérito realizado pelo Instituto Nacional de Estatística sobre orçamento familiar mede apenas o nível e a estrutura das receitas e despesas e características sócio-económicas e demográficas dos agregados familiares. Ou seja, coloca todos cidadãos no mesmo saco, restando-nos apenas adivinhar a que grupo cada um pertence. Ou seja, a divisão ocidentalmente universalizada de uma sociedade em classes está para Moçambique como o unicórnio está para a selva: é um mito…ainda!

No limiar da pobreza

Este grupo compreende pessoas que vivem com um rendimento inferior a um salário mínimo, vendedores na via pública, os que ganham um a cinco salários básicos nacionais e todos os indivíduos cuja renda familiar não ultrapassa 5 mil meticais. É impossível sobreviver realmente com dignidade com esse dinheiro, mas, de alguma maneira, arranjam-se.

Alimentação: Para os indíviduos que vivem com um rendimento abaixo de um salário mínimo, entre 1680 a 3500 meticais, é impossível obter o cabaz para satisfação do agregado familiar. A mesma situação também se verifica com os que auferem salários mínimos, sobretudo no valor de 1680 e 2550 meticais. Estes não cobrem, sequer, 50% da cesta básica. E com este dinheiro e a subida de preços é difícil ter comida todos os dias.

Geralmente, os membros da família dedicam-se a outras actividades como forma de contribuir na renda doméstica: venda na via pública e xitique são algumas práticas. As compras são feitas geralmente no mercado de Xipamanine, Xiquelene e Zimpeto. Lenha e, quando se pode, carvão vegetal são os combustíveis usados para confeccionar os alimentos.

Despesas fixas: Neste grupo, as despesas fixas geralmente têm a ver com a aquisição de água em pequenos operadores privados; a luz – serviço pré-pago – ou petróleo de iluminação; e a renda de casa ou do pequeno cómodo sem condições de habitabilidade para os que não têm habitação própria.

Transporte: Além da alimentação e despesas fixas, os indivíduos devem deslocar-se para o local de trabalho e, muitas vezes, retiram do pouco que têm, e que mal chega, para sustentar a fam¬ília. Apenas para a deslocação de um indivíduo (embora se saiba que as famílias são compostas geralmente por cinco elementos) de casa para o trabalho e vice-versa, durante um mês, são necessário, pelo menos, 300 meticais. Esse valor somado, suponha-se por o dinheiro de transporte de duas pessoas (por exemplo, dos filhos de casa para escola e vice-versa) não resta quase nada para a alimentação e despesas fixas.

Educação: Se para alimentação o dinheiro não é suficiente, para a educação as coisas tornam-se complicadas. O material escolar, o uniforme e a matrícula são as principais despesas. Os dois últimos ítens são garantidos nos primeiros dias de aula e o desafio tem sido prover material escolar todos os meses.

Saúde: Neste grupo, quando um membro da família adoece, normalmente busca-se ajuda médica num posto de saúde. São apenas cinco meticais para os medicamentos e um metical de consulta. Mas quando deparam com a falta de um determinado medicamento, isso obriga-os a recorrer às farmácias privadas. Quando não têm dinheiro, revelam, tomam remédios caseiros.

Outras despesas: Neste grupo, o agregado familiar não se dá ao luxo de despender algum dinheiro para despesas relacionadas com o lazer porque, por um lado, a renda não permite e, por outro, mal chega para uma cesta básica e, muito menos, para despesas fixas e educação dos filhos.

Classe média-baixa

Este grupo é composto por pessoas que recebem um salário mensal líquido de 15 mil meticais a 27 mil. Apesar de a remuneração ser razoavelmente melhor em relação ao primeio, este também se queixa do custo de vida.

Alimentação: Aos indivíduos deste grupo, os salários permitem obter, num mínimo, duas cestas básicas e ainda podem acrescentar produtos como batata reno, massa esparguete, carne vermelha, frango, leite, café e produtos de hiegiene, mas deixando de fora as outras despesas tais como fixas, transporte, saúde, educação e lazer. Geralmente, para a aquisição dos produtos optam por lojas, mercearias e, quando se trata de grandes quantidades, recorrem a mercados como Fajardo, Malanga ou ao mercado grossista de Zimpeto. E para preparar os alimentos utilizam gás doméstico e, às vezes, corrente eléctrica.

Despesas fixas: Água, luz, combustível para os que têm viatura e alguns têm de pagar a renda de casa. Os que auferem 15 mil meticais a 20 mil conseguem arrendar uma casa (dependências sem mínimas condições de saneamento).

Transporte: Algumas famílias dispõem de viaturas e outras separam algum dinheiro para o transporte de casa para o trabalho ou escola, vice-versa. Apesar de possuirem uma renda razoável, torna-se difícil cobrir esta despesa.

Educação: Mensalidade (para algumas famílias), material escolar para os filhos assim como para os próprios progenitores que se encontram a fazer um curso. As despesas com a educação e alimentação abocanham quase 90% do rendimento doméstico.

Saúde: Em caso de doença, recorrem ao Centro de Saúde ou Hospital Central. Não separam dinheiro especificamente para esta área. Mas em caso de necessidade de obter medicamentos, as farmácias privadas são os locais procurados, onde também se despende uma quantia considerável.

Outras despesas: Amortização de uma eventual dívida, manutenção da viatura (para os que possuem), projecto de autoconstrução, vestuário e calçados quando necessário, e lazer.

Classe média

Neste grupo identificámos pessoas que dispõem de um rendimento mensal no valor de 30 mil a 45 mil meticais. Alguns possuem aquele montante fruto do somatório do seu salário e o do seu cônjuge. Apesar de terem uma renda considerável, a maioria afirma que “a vida está mais difícil e não há outra saída senão adaptarmo-nos a esta realidade”.

Alimentação: Os indivíduos deste grupo podem adquirir mais de duas cestas básicas ou fazer um rancho composto por diversos produtos alimentares para o sustento das suas famílias durante um mês. Bens como batata-reno, cebola e tomate são adquiridos no mercado da Malanga e, às vezes, no mercado grossista de Zimpeto. Enquanto que outros produtos são comprados nos supermercados e pequenas mercearias. Para cozinhar, as famílias utilizam o gás doméstico e alternam com a energia eléctrica. Porém, com o dinheiro que se gasta com a alimentação não sobra muito para o pagamento de outras despesas.

Despesas fixas: Conta de luz, água, internet, telefone e o salário do empregado doméstico. Para pagar estas contas, as famílias reduzem a quantidade de alguns produtos alimentares, além de que os membros de cada agregado familiar já têm o conhecimento da necessidade de contenção de gastos.

Transporte: Duas das três famílias que serviram para analisar este grupo, possuem duas viaturas particulares. Nesta secção destacam-se despesas relacionadas com combustíveis para os dois veículos, o pagamento da portagem e o transporte escolar para os filhos.

Educação: Mensalidade dos filhos, material e transporte escolar. A alimentação, despesas fixas e educação abocanham todo o orçamento doméstico. Saúde: No tocante a uma das três famílias ouvidas, a empresa na qual um dos membros trabalha garante assistência médica e medicamentosa a todo o agregado familiar, sendo que os restantes recorrem aos Centros de Saúde, Hospital Central ou clínicas privadas.

Outras despesas: Manutenção de viaturas e gastos relacionados com o entretenimento da família.

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