Nas cerimónias de lançamento de (novos) livros – ocasiões em que, geralmente, a procura de manuais é maior – as editoras não conseguem beirar as 100 publicações em termos de venda. Um semestre depois do evento, o frequente é que as principais dez bibliotecas da cidade de Maputo não tenham sequer um exemplar da obra. Pessoas que, para terem acesso ao conhecimento, dependem da biblioteca ficam privadas de um direito fundamental – a informação. Como pensar e implementar uma política para o sector da indústria do livro, no país, com impacto na vida das pessoas?
Por diversas razões – socioculturais, políticas e económicas – o cidadão moçambicano não tem acesso ao livro e, consequentemente, à leitura.
A partir daí, no nosso mundo em que a compreensão da lógica de uma sociedade de informação disso depende, uma série de questões que perpetuam a estagnação, ou a não transformação da sua condição social para o melhor podem ser compreendidas.
Afinal, como considera o célebre escritor moçambicano, Francisco Noa, a leitura, que implica processos mentais de associação, recordação e identificação, é um dos principais veículos para a obtenção, alargamento, aprofundamento e sistematização do conhecimento em praticamente todos os domínios do conhecimento.
Orientada para a edificação de uma sociedade equilibrada – nos vários sentidos e domínios – para Noa, a leitura é um meio fundamental para dotar as pessoas, sobretudo as crianças, de competências essenciais para exercerem, no futuro, o seu direito de cidadania com maior sentido de responsabilidade, liberdade, conhecimento e elevação. Em função disso, e de outras razões, é salutar que se promova o gosto e o acesso à leitura no espaço social.
Muito recentemente, o Conselho de Ministros, por meio da Resolução nº 57/2011 aprovou a Política do Livro e a Estratégia da sua Implementação. Em Agosto passado, personalidades diversas (interessadas e) envolvidas no tópico, incluindo a sociedade civil, ocuparam-se na discussão do segundo aspecto, o da sua implementação.
Em relação à política do livro, no país, a expectativa é grande. Basta que se tenha em mente que se trata de um instrumento de orientação global que irá, certamente, concorrer para que alguns dos grandes constrangimentos relativos à produção, divulgação, acesso, e recepção do livro, no país, sejam minorados, como considera o professor Noa.
Uma crítica necessária
Talvez, na intenção de fazer face às preocupações – económicas e financeiras – dos livreiros que se traduzem na fraca procura do livro como ferramenta e produto de transmissão de conhecimento, o que impacta na baixa venda dos livros aos estudantes de todos os níveis e sistemas de ensino, incluindo cidadãos comuns, na política nacional do livro – que caminha para a sua implementação – é muito sublimada uma compreensão do livro como um objecto que (mais) possui um valor- -mercadoria.
Aliás, o facto de o livro ser, igualmente um objecto-mercadoria não deve passar despercebido – para os olhos de nenhum cidadão – porque o que cria muitos entraves ao acesso, como o livreiro Paulo Guerreiro salienta, é que, por norma, o seu preço é muito alto aproximando-se do salário médio de um cidadão moçambicano comum.
De qualquer forma, o valor mercadológico que se enaltece – qualquer coisa típica da lógica mercantil das indústrias culturais – na política do livro nacional será vítima de uma dura crítica por parte de Francisco Noa para o qual, “esta deveria ser uma Política do Livro e da Leitura. Aliás, é notório o pouco relevo que é dado à questão da leitura”.
Ou seja, explica Noa, “há um certo pendor na formulação desta política que deixa transparecer a sobrevalorização mais como objecto-mercadoria do que como um dos maiores, senão como o maior património cultural da humanidade”.
Em razão disso, “julgo que enquanto política esta deveria cingir-se a linhas gerais de actuação”. É por essa razão que reconhecendo que “os grandes apoios, senão muitas vezes os principais responsáveis por assegurar que as pessoas, no geral, as crianças, em particular, adquirem hábitos e gosto pela leitura sãos as famílias e os professores”, no entanto, “apesar da menção que é feita no documento ao papel da sociedade civil e das comunidades, em nenhum momento é feita menção à família e ao professor o que cria uma lacuna preocupante na formulação desta política”.
Incentivos à leitura
O nosso repórter sociocultural sabe que, invariavelmente, muitas bibliotecas nacionais não têm tido fundos financeiros para a compra do livro – ou se tiverem então o mesmo não tem sido aplicado para esse fim – e, em consequência disso, se as editoras, na sua política de responsabilidade social (na verdade, de caridade) não ofertarem livros às bibliotecas compromete-se igualmente o acesso ao livro por parte do cidadão.
Não é obra do acaso que alguns livreiros argumentam – mas numa perspectiva económica – que se o Governo edificasse novas bibliotecas, melhorasse as já existentes e introduzisse, no ensino, leituras obrigatórias, o acesso ao livro por parte do cidadão melhoraria e a indústria livresca desenvolver-se-ia.
Para melhor compreensão, nem vale a pena referir que o apetrechamento das bibliotecas impactaria na vida das livrarias e das editoras, se as primeiras comprarem livros. Em resultado da existência de leituras obrigatória, os pais sentiriam-se movidos a adquirirem manuais para os filhos.
Só com o acesso ao livro e à leitura é que, finalmente, em Moçambique se estará a trabalhar no sentido de dotar as pessoas, sobretudo as crianças, de competências essenciais para exercerem a sua cidadania.