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Com uma mulher nyungwe num dia de chuva

Nunca a tinha visto em lado algum. Parecia não se importar com nada, nem com a chuva que caía lentamente, molhando o asfalto cansado da canícula e do fl agelo dos raios ultravioleta, que fustigam a cidade de Tete sem parar.

Vem a descer da Avenida 24 de Julho, em direcção aos tanques da FIPAG e eu estou recolhido na varanda da Pensão Alves, à espera que a chuva abrande para prosseguir a minha caminhada em direcção à casa onde moro actualmente. Olho para ela tentando descobrir detalhes num corpo que eu nunca tinha visto antes e, aquela silhueta, que entrava em consonância com a chuva que vinha do céu para arrefecer os corpos, era espectacular por demais.

Trazia um enorme guarda-chuva, de cor preta, que me despertou a atenção para outros pormenores: trajava um vestido simples, amarelo, e sapatos castanhos de sola rasa. Andava despreocupada sem olhar em particular para ninguém, provavelmente com a consciência de que era devorada pelos olhares dos homens e mulheres que se abrigavam da chuva na varanda da Pensão Alves.

Passou perto de mim e, eu, em voz baixa, titubeante, disse:- Boleia! Virou-se para mim e disse: – Vamos! Ajeitou o enorme guarda-chuva para me cobrir, ao mesmo tempo que me dizia: eu vou assim! E eu disse: – Também vou assim! Entrámos pela Av. Kenet Kaunda, em direcção ao Mercado OUA, e eu gozava o som das leves bátegas por sobre o guarda-chuva que nos protegia.

Sentia-me pequeno demais perante uma mulher que eu nem conhecia, mas que me acolhia também sem me conhecer. De vez em quando sentia estremecimentos na minha espinha quando o peito dela, deliberada ou acidentalmente, me tocava.

– Mbvula yili ku bvumba! (A chuva está a chover!)

– O senhor é de Tete?

– Não, não sou.

– Vi logo!

– Como é que a senhora viu logo?

– Geralmente o verdadeiro nyungwe nunca usa esse pleonasmo.

– Mas é bonito!

– É bonito, sim! Tem uma grande carga poética.

– A senhora gosta de poesia?

– Quem é que não gosta de poesia?

Virámos à esquerda e, mais adiante, uma enorme torre se ergue, indicando-nos que está ali uma antena da mcel. A chuva está a cair agora com mais força, em simbiose com a trovoada que ribomba ao longe, nas montanhas que cercam Tete, formando uma barricada de Deus, porque Deus é daqui. Está aqui na cidade de Tete. Protegendo também esta mulher que agora põe a mão dela, levemente, por sobre o meu ombro, sustendo-me.

– A minha casa é aqui, vamos entrar!

– Não posso, minha senhora.

– Porquê? Entre por favor, está a chover e o senhor vai molhar!

– Tenho medo!

Ela sorriu, olhando-me nos olhos e depois para a chuva que cai em torrentes.

– Então leve o guarda-chuva e fi que com o meu número de celular.

A chuva não quer parar. Cai cada vez com maior intensidade e troveja nas montanhas de Tete, como nunca o tinha feito antes. A mulher passou-me o guarda-chuva, abriu o portão do quintal deixando- o semi-aberto. Correu, com o tronco dobrado para a frente, para a varanda onde se foi abrigar. Olhei para ela e estava molhada, e eu, protegido pelo guarda-chuva dela.

Fechei o gurda-chuva. Entreguei-me à chuva e corri também para a varanda.

E ela – molhada – disse assim:- Mbvula yili ku bvumba!

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