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Código Penal já prevê medidas alternativas à pena de prisão; porém ainda faltam as normas instrumentais necessárias para a sua implementação em Moçambique

Código Penal já prevê medidas alternativas à pena de prisão; porém ainda faltam as normas instrumentais necessárias para a sua implementação em Moçambique

O novo Código Penal em vigor no nosso país tem muitas virtudes e várias inovações em que o legislador procurou corrigir os vários desequilíbrios do seu antecessor, afinal o anterior datava de 1886, procurando adequa-lo à realidade da sociedade moçambicana. Uma das inovações é a introdução do sistema de medidas de penas alternativas à pena de prisão, considerado um instrumento eficaz para aliviar a superlotação carcerária que em Moçambique, segundo dados de 2013, era de 15663 reclusos para uma capacidade de apenas 7.804 presos nos 184 estabelecimentos prisionais existentes.

“A pena de prisão persiste até hoje como a sanção predominante nos sistemas repressivos criminais e em resultado disso a sobrelotação das cadeias tornou-se um dos maiores problemas da justiça penal e da administração prisional em todo o mundo”, destacou semana passada o Dr. João Carlos Trindade, advogado e juiz Conselheiro do Tribunal Supremo Jubilado, num seminário de divulgação e reflexão sobre o novo Código Penal, organizado pela Ordem dos Advogados de Moçambique.

Pese o facto de não existiram, ainda, as normas instrumentais necessárias para a implementação das medidas e penas alternativas, falta aprovar o Código do Processo Penal, o Código Penitenciário, a Lei do Serviço Nacional Penitenciário, o estatuto orgânico e o regulamento de execução da pena de trabalho socialmente útil, o facto é que o Código Penal prevê as penas e, segundo o Dr. João Carlos Trindade, “o facto de elas não estarem ainda aprovadas não deve significar, da parte dos aplicadores da lei, que estas medidas não comecem a ser aplicadas de imediato.”

As medidas alternativas à pena de prisão

Segundo o juiz, o “Código Penal, no artigo 88 prevê como medidas alternativas a transacção penal e a suspensão provisória do processo, ambas a serem definidas no Código do Processo Penal como a faculdade do Ministério Público não prosseguir a acção penal contra o infractor, desde que este preencha os pressupostos fixados na lei, isto para o caso da transacção penal.”

Prosseguindo a sua explanação, o Dr. João Carlos Trindade clarificou que cabe “ao Ministério Público acordar com o infractor que não será dado início ao processo desde que ele cumpra as condições resultantes do acordo e aceite sujeitar-se às medidas que lhe forem impostas. Contrato de suspensão provisória de processo consiste na faculdade do Ministério Público, finda a instrução preparatória e verificados os pressupostos consagrados no Código Penal no artigo 102, requerer ao juiz não seguimento dos autos suspendendo-se provisoriamente o processo. Ambas as medidas são obrigatoriamente aplicadas às infracções puníveis com penas de prisão de um a dois anos, desde que se verifiquem os tais pressupostos gerais que o artigo 102 define.”

O advogado e juiz Conselheiro do Tribunal Supremo Jubilado frisou que a “experiência de direito comparado mostra que onde as medidas e penas alternativas são aplicadas com maior sucesso elas fazem parte de um sistema de prevenção criminal e são alicerçadas por políticas públicas nesse sentido.”

Artigo 5 pode ser inconstitucional

Para além das normas instrumentais que têm de ser criadas e aprovadas, o Dr. Trindade entende que para se aplicarem as medidas e as penas alternativas é necessário que o sistema de Justiça interaja entre si, colabore com o sistema social e ainda os operadores judiciais deverão cooperar com os peritos em comportamento, “porque a aplicação das medidas e penas alternativas tem uma forte componente, não apenas jurídico-administrativa, mas também uma componente comportamental para que o acompanhamento da execução das medidas possa ser assegurado.”

Estes são alguns dos grandes desafios na óptica do Dr. João Carlos Trindade que afirmou ter a sensação de que “pouco se fez para que estes princípios de aplicabilidade das medidas estejam assegurados”, e que “aparentemente parece que as instituições responsáveis assobiam para o lado e esperam que um dia esteja criadas as condições para que as medidas possam ser efectivamente aplicadas.”

Um outro grande desafio que a aplicação das medidas e das penas alternativas enfrenta é referente a quem deve autorizar. O legislador, numa disposição transitória, indica no artigo 5 que: “Enquanto não existirem os juízes de execução de penas, a competência de autorização para o trabalho do condenado fora do estabelecimento penitenciário é desempenhada pelo director-geral do Serviço Nacional Penitenciário.”

Sobre essa norma o jurista Ericino Salema entende que ela é “materialmente inconstitucional, não se pode atribuir funções jurisdicionais a um burocrata, a um funcionário do Ministério da Justiça. Há princípios que são sagrados, eles têm que ser respeitados, nomeadamente o princípio da reserva da jurisdição e também o princípio da separação de poderes. Na minha opinião foi uma falha do legislador”.

Um dos legisladores, o Professor Teodoro Andrade Waty, antigo deputado do partido Frelimo e ex-presidente da Comissão dos Assuntos Constitucionais, Direitos Humanos e de Legalidade do Parlamento, esteve presente no seminário e esclareceu que “o artigo 5 não existia, foi enxertado depois do reexame porque tínhamos a consciência de que a implantação de juízes de execução de penas levaria muito tempo, provavelmente em 2015 não haverá, e quem sabe em 2016 não haverá. Significa que as medidas alternativas não seriam implementadas. Entre manter a ideia de penas alternativas no Código e ensaiarmos esta solução do director-geral do Serviço Nacional Penitenciário, com alguns poderes, era preferível.”

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