Pouco mais de um milhar de cidadãos moçambicanos, entre representantes de partidos políticos, associações da sociedade civil, académicos e o público reuniram-se na quarta-feira (03), na capital do país, para em conjunto reflectirem em torno do “Estado da Nação”. O encontro ocorreu numa altura em que o país vive momentos de tensão política caracterizados pela interdição da livre circulação de pessoas e bens na zona centro e por ataques armados que resultaram na morte de civis. No final do encontro, a ideia que prevaleceu sobre o estado da nação foi a de que o país, nas condições em que se encontra, não está bem, havendo, por isso, necessidade de se encontrar meios para uma mudança efectiva.
O debate foi, de resto, bastante aceso e o Parlamento Juvenil (PJ), promotor do evento, comprometeu-se a transcrever as ideias centrais que saíram do encontro numa carta a ser dirigida ao Presidente da República, Armando Guebuza.“Desde 2005 o país regista fraca produtividade”
Na abertura do encontro, o líder do PJ, Salomão Muchanga, referiu-se aos níveis de improdutividade, à corrupção e à pobreza como tendo aumentado de forma drástica desde 2005, um ano depois da ascendência de Armando Guebuza ao cargo de Presidente da República. Esse cenário, que resulta da má governação do país, veio contrariar a tendência que se vivia desde o ano da independência, 1975, que era de crescimento e com baixos níveis de descontentamento social.
Para solucionar estas e outras questões que preocupam os moçambicanos, particularmente a situação de iminente guerra, Muchanga diz que o diálogo não deve ser privatizado. É que, na sua óptica, a Renamo e a Frelimo, este último na qualidade de partido no poder, estão a privatizar o diálogo quando as questões em causa dizem respeito a toda a nação; por isso, deviam ser debatidos de uma forma mais abrangente.
“Guebuza pode não estar interessado no diálogo com Dhlakama”, Raul Domingos
Enquanto o país aguarda pelo anunciado encontro entre o Presidente da República, Armando Guebuza e o líder do maior partido da oposição, Afonso Dhlakama, o antigo negociador do Acordo Geral de Paz (AGP), Raul Domingos, mostra-se incrédulo em relação à vontade do chefe dos Estado em dialogar. Para este, o anúncio do encontro visava apenas dar protagonismo político a Guebuza. “Eu não estou a ver o presidente da Renamo a vir para Maputo”, disse o ex-número dois da Renamo, que defende a ida de Guebuza a Santundjira para dialogar com o líder da “Perdiz”.
Por sua vez, o cientista político, Jaime Macuane, julga que as conversações entre a Frelimo, através do Governo, e a Renamo contrariam a ideia de um país multipartidário e criam um cenário de bipartidarização, onde a tónica dominante é a exclusão de outras forças partidárias e da sociedade civil. “As negociações são feitas em nome do povo, mas com a ausência do povo”, apontou.
Sobre a pertinência ou não de se desarmar os homens da Renamo, uma intenção apresentada pela delegação governamental como questão prévia nas rondas negociais com a delegação do partido visado, as ideias divergiram.
Os que defendem o desarmamento da Renamo afirmam que nenhum partido deve ser político-militar. Aliás, enfatizam, as armas devem ser geridas pelas Forças Armadas de Defesa, independentes do poder político-partidário.
Entretanto, os que apoiam uma Renamo armada afirmarem que essa é uma forma de se ter uma oposição forte e que garanta um Estado democrático. Ao anunciar a vontade de retirar aqueles instrumentos das mãos da “Perdiz”, o Governo pretende fragilizar aquele partido da oposição.
Para Jaime Macuane, as armas de fogo constituem a única força de a Renamo pressionar o Governo e ao exigir que lhe seja retirada esta força o Executivo põe em causa a sua “genuína vontade de negociar”.
Por sua vez, o historiador e analista político, Egídio Vaz, refere que mais do que discutir o desarmamento ou não da Renamo, o que no seu entender neste momento é inexequível, a preocupação devia ser no sentido de se preparar as próximas eleições autárquica previstas para 20 de Novembro próximo.
Ainda na senda do encontro, o líder do Partido para a Democracia e Desenvolvimento, Raul Domingos, explicou que “a questão da partidarização de Estado foi sendo maltratada ao longo dos anos, e que por causa disso, passados 20 anos da assinatura do AGP, ainda falamos de homens armados da Renamo, mas também temos homens armados da Frelimo, apesar de que deste ninguém fala”.
No seu entender, a diferença entre os dois grupos é que uns são formais e outros são informais. “Temos uma questão de partidarização do Estado que não foi devidamente tratada, e com a qual não é possível avançarmos como nação”, asseverou.
Moçambique padece de “Guebuzite”
Manuel de Araújo, edil de Quelimane, é defensor de uma Renamo armada, pois, na sua óptica, este partido ainda é o garante de um Estado democrático e só consegue fazê-lo por via das armas. “Desarmar a Renamo agora não é a melhor estratégia para se alcançar a paz”, enfatizou.
De Araújo, no auge da sua intervenção, disse que “o país está doente” e que o mesmo padece de “Guebuzite”, uma doença cuja característica principal, segundo disse, é a “ambição pelo poder”.
Por sua vez, o presidente da Associação Médica de Moçambique (AMM), Jorge Arroz, considera que Moçambique deve caminhar para uma paz efectiva, sendo que para tal não pode depender de duas pessoas.
Perante os problemas concretos, o Governo deve procurar soluções. “Se é preciso amolecer o coração de Afonso Dhlakama é também necessário amolecer o coração do chefe do Estado para que este aceite as soluções que lhe são propostas”
Para Custódio Duma, presidente da Comissão Nacional dos Direitos Humanos, este encontro revela que “estamos a caminhar para a mudança e ninguém pode travar isso”. Este lamentou ainda o facto de o espaço de exercício da cidadania ser pequeno. “Quem critica ainda é visto como inimigo”.
Partidos políticos
O encontro contou também com os representantes dos três partidos políticos com assento no Parlamento, nomeadamente a Frelimo, que tem a maioria absoluta, a Renamo, o maior partido da oposição, e o Movimento Democrático de Moçambique (MDM).
Na ocasião, o representante do Movimento Democrático de Moçambique, Ismael Nhanacuacue referiu que o cenário que agora se vive no país resulta da intolerância política e que a solução do problema só poderia sair de duas formações políticas (Renamo e Frelimo), porque se trata de um problema político-militar.
“O maior influenciador deste cenário é o partido Frelimo, enquanto força que governa”, disse, justificando o silêncio do seu partido perante a cenário de guerra no país.
Por seu turno, a Renamo, representada por Domingos Gundana, sublinhou que depois do AGP nunca foi sua intenção alcançar o poder por via das armas. Este disse ainda não ver sentido na exigência do ponto prévio por parte do Governo, uma vez que quando a Renamo, no início das rondas negociais trouxe à mesa as questões prévias, o mesmo afirmou não serem necessárias.
Por seu turno, o membro da Frelimo, Armando Simbine, afirmou que o país está em paz, embora existam pessoas que pretendem desestabilizá-lo. Sobre a questão prévia no diálogo entre o Governo e a Renamo, respondeu categoricamente que o mesmo era necessário.