Não se sabe ao certo as razões da doença, mas é do conhecimento da família e vizinhos que, em 2002, Bernardo Samuel Mioche, de 42 anos, contraiu uma doença, que viria a ser diagnosticada três anos depois. Tratava-se de epilepsia.
Depois de uma infância e juventude activas, quando Bernardo gostava de praticar uma diversidade de modalidades desportivas, dentre as quais o futebol, ninguém pensava que aos seus 32 anos de idade, ele pudesse ser acometido por uma doença que, durante três anos, o fez dar tantas voltas à procura de cura.
Só em 2005 e depois de uma vaga de sofrimento e de consultas nos médicos tradicionais, este jovem decidiu recorrer ao hospital para efeitos de tratamento.
Porque um mal não vem só, no mesmo ano, pouco antes de optar pela medicina convencional, perde a sua mãe, que em vida não resistia ao sofrimento por que passava o seu filho. Procurava mostrar o carinho que só uma mãe pode dar, principalmente em casos de doenças, em que o consolo humano pode ser uma atenuante da doença e o abandono um agravante.
Bernardo Mioche nasceu em Maputo e actualmente vive no bairro Unidade 7, algures na cidade de Maputo. Ele faz parte de um universo de 10 filhos (dos quais apenas seis estão vivos) do casal Samuel Bai-bai Mioche, de 72 anos de idade, e Rosita Tamele, falecida em 2005, vítima de doença.
Quando foi colhido por uma doença que o fazia cair constantemente devido à perda de sentidos, o seu pai achou melhor levá-lo aos curandeiros, na esperança de ver o filho curado de um mal que a família desconhecia.
A ideia foi consensual, ou seja, a mãe alinhou pelo mesmo diapasão, procurando, para o efeito, um curandeiro (entenda-se médico tradicional), algures na Machava-Socimol, município da Matola.
Medicamentos que pioram a doença
Segundo conta Bernardo, os primeiros dias do tratamento foram promissores, a ideia de que a cura estava à espreita era comum. Mas quis o destino que viesse à superfície outra faceta da realidade. “Depois de alguns meses de aparentes melhorias, comecei a ter recaídas.
Quando tomasse medicamentos, ficava com uma sensação de vómitos e o meu estado piorava”, conta para depois acrescentar que o seu pai, logo que constatou o fracasso, não se preocupou com a sua saúde (débil), ou seja, decidiu abandonar o jovem Bernardo.
No entanto, a falecida mãe, diferentemente do marido, procurava estar sempre próximo do seu filho, e quando ela conseguisse algum dinheiro comprava produtos alimentares. Em caso de necessidades (maiores e menores) que este fazia nas calças, ela é que o atendia.
A senhora Rosita, de seu nome, procurava mostrar às pessoas que não se pode ignorar um filho, independentemente do seu estado de saúde, condição social, económica ou mental. Ela demonstrava o verdadeiro afecto de uma mãe para com o filho.
Esse tratamento que Bernardo recebia da sua mãe deixou de existir quando em 2005 ela foi colhida pela morte, deixando o seu filho numa situação de orfandade materna e literalmente paterna, pois há muito que o pai se eximiu de tal função.
“Ele sempre profere palavras insultuosas para mim, diz abertamente que eu já não sou seu filho. O desinteresse aumenta quando a minha doença piora”.
Chorar não pelas feridas, mas pelo abandono
A conversa mantida com este jovem serviu para ver quão ele sofre, pois cada palavra que ele proferia era acompanhada de lágrimas que caíam dos seus olhos, não pelas dores causadas pelos ferimentos que contraiu aquando dos ataques esporádicos e sem aparente socorro, mas sim pelo suposto abandono a que está votado pelos seus familiares, mormente os seus três irmãos e pai com quem vive, que não prestam quase nenhuma assistência, facto que adensa as dores a tal ponto que só as lágrimas podem amenizá-las ou contê-las.
Quando em 2005 decidiu ir ao hospital para começar o tratamento, as coisas inicialmente pareciam estar a melhorar. “Diagnosticaram a epilepsia, depois receitaram alguns fármacos para eu tomar em regime ambulatório. Nas primeiras doses os comprimidos caíram-me bem, comecei a melhorar”.
Volvidos dois meses antes de começar o seu controlo médico, as coisas mudaram. “Sofri sucessivas recaídas, com à fúria dos ataques eu embatia nas paredes ou qualquer obstáculo que estivesse próximo de mim. O mesmo acontece até agora e consequentemente contraio graves ferimentos quase em todo o corpo”.
Na verdade, as cicatrizes que povoam a cara de Bernardo, os gessos que ciclicamente revestem os seus débeis membros superiores e inferiores são a face dos ferimentos que ele tem contraído durante os embates esporádicos quando sofre ataques.
“Felizmente não tenho aquela agressividade a ponto de bater nas pessoas que estejam próximo de mim. Se o tiver feito não foi deliberada ou conscientemente, são casos isolados”, ajunta.
Quando falta sensibilidade humana nas pessoas
No dia 30 de Outubro do ano passado, Bernardo Mioche foi colhido por uma brusca queda, na sequência dos ataques sistemáticos que tem sofrido. “Isso aconteceu no interior do mercado Vulcano quando eu ia fazer compras de alguns produtos para revender na minha pequena banca.
Mesmo antes de eu comprar alguma coisa, caí bruscamente, fiquei estatelado no chão por cerca de dez minutos, as pessoas que estavam perto ficaram todas preocupadas, pois não sabiam o que estava a acontecer comigo”.
Durante o triste episódio, algumas pessoas chegaram a insultá-lo alegadamente porque estava embriagado e só queria dar trabalho às pessoas. “Enquanto eu me encontrava estatelado, roubaram-me todo o dinheiro que eu tinha dentro da carteira para fazer compras, inclusive os documentos”, diz.
Não obstante essas conclusões precipitadas e infundadas, apareceram algumas vendedeiras que se prontifi caram a acompanhá-lo ao Centro de Saúde de Xipamanine, a unidade sanitária mais próxima.
Chegado lá, este foi transferido para o Hospital Geral José Macamo, onde permaneceu algumas horas a receber tratamento médico, aliás, é naquele hospital que Bernardo tem recebido assistência, prova disso é o facto de ser portador do Cartão de Identifi cação do Doente com o número 6821/05, emitido em 2005.
“Já tive gesso 12 vezes diferentes”
A sua queda em Outubro custou-lhe um gesso no braço esquerdo e na perna esquerda, um revestimento quase sempre presente no seu corpo e em partes diferentes.
Bernardo assevera que, desde que começou a sofrer de quedas espontâneas em 2005 – já teve gessos 12 vezes – sendo que a última foi no dia 16 de Janeiro deste ano. Uma parte do braço esquerdo e a coluna estão engessadas.
As circunstâncias em que este cidadão é engessado são as mesmas, ou seja, sempre que cai. “Os tais ataques não avisam, de repente tomam conta de mim, seja sentado, de pé ou andando”, conta reiterando que as cicatrizes em quase todo o rosto e resto do corpo são vestígios dessas quedas- relâmpago.
Com a perda da sua mãe em 2005 e o agravamento da sua doença, e porque vive quase abandonado pela família, Bernardo achou melhor abrir um negócio, mesmo debilitado. “Próximo à paragem do bairro do Jardim, em frente à padaria, tenho uma pequena banca, onde revendo produtos como bolachas, rebuçados, entre outros. Faço isto como meu ganha-pão. Com esta actividade, garanto o transporte para o hospital”.
Epilepsia
Epilepsia é um conjunto comum e diversifi cado de desordens crónicas neurológicas caracterizada por convulsão. Algumas defi nições de epilepsia dizem que as convulsões podem ser recorrentes, mas outras defendem que há apenas um ataque combinado com alterações cerebrais que aumentam a oportunidade de crises futuras, sobretudo tempestades repentinas a nível do cérebro.
Cerca de 50 milhões de pessoas no mundo sofrem de epilepsia, e quase 90% delas ocorrem em países em desenvolvimento.
A epilepsia é geralmente controlada, mas não curada com a medicação. Contudo, mais de 30% das pessoas com epilepsia não têm o controlo das crises mesmo com os melhores medicamentos disponíveis. Uma intervenção cirúrgica pode ser considerada, mas só em casos difíceis.
Sintomas
Os sintomas das crises convulsivas que identificam a epilepsia são:
Durante a convulsão
– Perda temporária da consciência
– Espasmos musculares intensos produzindo contracções por todo o corpo
– Rotação acentuada da cabeça para um lado
Após a convulão
– Dor de cabeça
– Confusão mental temporária
– Fadiga intensa.
Normalmente, o paciente não se lembra do que ocorreu durante a crise.