Quando o professor Jeffrey Sachs concebeu as Vilas do Milénio, delimitou um horizonte de aproximadamente cinco mil beneficiários, mas a Vila de Chibuto desafiou este conceito universal e rebentou com este tecto. Na altura assessor do Secretário- Geral das Nações Unidas para Objectivos de Desenvolvimento do Milénio (ODM), Sachs definiu como ideia central das Vilas do Milénio a possibilidade de “vilas com aproximadamente cinco mil pessoas poderem escapar da pobreza extrema, se forem empoderadas com tecnologias apropriadas para o melhoramento da sua produção agrícola, saúde, educação e acesso ao mercados”.
Com o apoio do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento, e outros parceiros, o Governo de Moçambique adoptou o conceito e em 2006 lançou o primeiro palco ideal de “eliminação da pobreza”, a Vila de Chibuto, localizada na Aldeia Samora Machel, arredores da cidade de Chibuto, província sulista de Gaza. Agora existem cinco em quatro províncias do país. Volvidos mais de três anos depois da implantação da primeira “vila” moçambicana, os gestores da mesma afirmam-se satisfeitos com o seu impacto, segundo disseram Sexta-feira passada em Chibuto, durante o seminário “Jornalistas reportando Vilas do Milénio”.
As principais actividades desta vila cobrem, essencialmente, as áreas da Agricultura, Educação, Pecuária, Saúde e Saneamento. “Todas as 13,5 mil pessoas da Aldeia Samora Machel, incluindo as cinco mil abrangidos pela vila, beneficiam-se dos serviços do nosso Centro de Transferência de Tecnologias e Desenvolvimento Humano (nome atribuído a Vila do Chibuto”, disse Narciso Uthui, activista de saúde e saneamento na Vila de Chibuto.
Segundo ele, os serviços de saúde e saneamento abrangeram os cinco mil habitantes da vila, mas depois também cobriram todos os residentes da aldeia e agora está a se monitorar o impacto dos resultados.
Moringa faz milagres
Os serviços de Saúde e Saneamento incluem o aconselhamento das comunidades para adoptarem medidas de higiene, construção e protecção de latrinas melhoradas, teste e aconselhamento sobre HIV/SIDA bem como o tratamento e purificação de água usando a moringa, uma planta medicinal cujo nome cientifico é “moringa pterygosperma”.
“Usamos a moringa para a purificação natural da água e isso é muito importante porque a maioria das nossas fontes de água só têm água turva. Quando se põe o pó do caroço da planta, toda a sujidade vai para baixo e fica água limpa por cima”, explicou Uthui. Antes da Vila de Chibuto, ninguém conhecia a importância da moringa naquela zona, mas em 2008 a planta foi trazida pelo Ministério da Ciência e Tecnologia (MCT) e depois reproduzida nos campos da vila, onde até agora existe um pomar daquela espécie.
A revolução começou: cada uma das famílias recebeu um mínimo de duas plantas de moringa e aprendeu como se faz a purificação da água. As plantas foram reproduzidas nos quintais, com a facilidade de não precisar de muitos cuidados. Os benefícios são vários, além de tratar a sua própria água, as pessoas já usam a moringa como temperos de alimentos, tratamento de doenças, estimulante da circulação sanguínea e até para a venda no mercado local ou noutras cidades. Apesar da falta de dados ilustrativos, Uthui afirma que os casos de doenças diarreicas e malária baixaram.
Apropriamo-nos do conceito “vilas do milénio”
Falando durante o encerramento do seminário, em que também participaram os beneficiários directos da Vila do Chibuto, o director do Centro Regional da Ciência e Tecnologia (CRCT)- Sul, Alberto Matusse, disse que Chibuto estava a apropriar-se do conceito “Vila do Milénio”. “Estamos a puxar a comunidade a apropriar-se do conceito Vilas do Milénio, não como finalidade, mas como processo”, disse Matusse, que considera o conceito de Vilas de Milénio como não sendo acabado.
“Procurar trazer toda a gente para a mesma forma de pensar… trabalharmos e não dependermos da ajuda externa”, disse ele, reconhecendo a existência de pessoas que ainda não comunga esses mesmos ideias. “Ainda há pessoas fora desse processo, mas isso é uma etapa e aos poucos vão chegar”, disse ele, sublinhando que, apesar disso, “parece que as necessidades básicas das pessoas já foram supridas”.
Mas ainda há desafios
Integrantes de todos os sectores de intervenção da Vila de Milénio clamam por uma maior participação dos membros da comunidade de Chibuto, que, na sua maioria, ainda se mantém distantes daquele centro de referência. Uma das coisas que a comunidade pode ganhar ao aproximar-se da Vila de Chibuto são as aulas sobre melhores práticas agrícolas leccionadas na “Machamba Escola” existente naquele local.
Nem todos sabem da existência dessa machamba, do mesmo modo que ignoram as outras facilidades que poderão ganhar quando se aproximarem a vila. Igualmente, ainda existem famílias que continuam a não usar redes mosquiteiras nem latrinas, mesmo sabendo dos riscos associados a essas práticas. Por isso, os actuais beneficiários da Vila do Milénio apelam a outros residentes de Chibuto para se aproximarem daquele local.
Por exemplo, a formação em corte e costura está agora a beneficiar a um grupo de 20 pessoas, mas depois desse grupo haverá dores-de-cabeça para reunir uma outra turma. Maior desafio é estender a mão Mas o maior desafio para os próprios actuais beneficiários da Vila do Milénio é a persistência da prática de mão estendida, como costuma descrever o Presidente da República, Armando Guebuza, a prática de pedir esmola. Apesar de reconhecer que tem estado a melhorar os seus rendimentos, os residentes da Aldeia Samora Machel ainda pensa que a solução dos seus actuais problemas passa pela intervenção do Governo, ainda que seja para fornecer patos para a criação.
Outro exemplo, as mulheres envolvidas na produção avícola reconhecem que, apesar da morte precoce dos pintos (por razões ainda desconhecidas), os seus rendimentos são positivos e é suficiente para guardar parte do dinheiro no banco. Entretanto, elas pedem ao Governo para introduzir a criação de outras espécies como o pato!
Outra situação preocupante é o facto de as populações ainda não estarem a explorar em pleno o equipamento de agroprocessamento existente naquela vila por falta de frascos, por exemplo, para armazenar o tomate transformado em “tomate sauce”. No mercado local não existe “frascos decentes” para esta utilidade. Inicialmente, os produtores tentaram utilizar frascos usados de Mayonnaise, mas depois abandonaram este recipiente por o considerar indecente. Então, pedem apoio do Governo!
Eventualmente, uma das razões por detrás desta prática preguiçosa é o facto destes produtores não terem sido devidamente treinados em práticas de acesso ao mercado, uma das áreas essenciais para o seu empoderamento, segundo o professor Jeffrey Sachs.