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Castanha de caju: Desenterrar a indústria

Castanha de caju: Desenterrar a indústria

Para aquele que já foi um dos maiores produtores mundiais de castanha bruta e um dos maiores exportadores de amêndoa processada nos anos ‘70, actualmente Moçambique é apenas um pequeno competidor num mercado dominado por Índia, Brasil e Vietname. Cerca de 95% da presente produção cabem aos pequenos agricultores que, embora arrastados numa espiral de obstáculos sem fim, dão o seu contributo para o renascimento de uma indústria cuja recuperação, a curto ou médio prazo, é considerada utópica.

Com 15 anos de idade, Mateus Abílio já trabalhava para o seu pai que, além da família, também empregava mais dois camponeses na sua pequena plantação de caju no distrito de Mogincual, província de Nampula. Em 1972, herdou 200 cajueiros e começou a plantar mais árvores à medida que o tempo ia passando.

Actualmente, com 57 anos, conta com um pouco mais de 1500 cajueiros e emprega dois agregados familiares constituídos por cinco e seis pessoas. Em média, chega a produzir 500 sacos (50 quilogramas) de castanha de caju e vende à porta da fábrica. “Hoje a venda de caju rende menos do que no passado”, lembra com nostalgia.

Ernesto Fabião Sitoiana, de 61 anos de idade, começou a produzir, em tempo parcial, castanha de caju por volta de 1985, em Gaza, e dispunha apenas de uma dezena de cajueiros. Em 1990, quando já contava com um pouco mais de 20 árvores, começou a ganhar o gosto pelo negócio.

Hoje, reformado, Sitoiana dedica-se, a tempo inteiro, à produção da castanha de caju para fazer sumo, bebidas alcoólicas, mel, xarope e compota de caju. Não tem trabalhadores, conta somente com a ajuda da sua esposa. Actualmente, possui mais de 50 cajueiros e tem vindo a plantar outras árvores. Produz, em média, 30 sacos de caju, dos quais metade é processada em casa e vendida. “Consigo algum dinheiro para sobreviver”, diz.

João Alfainho, de 58 anos, diz que começou a produzir castanha de caju por curiosidade, depois de ter perdido o seu emprego na sala de corte de uma fábrica de processamento de castanha. Mas, antes de obter um emprego na fábrica, João já havia plantado cerca de 15 cajueiros, os quais eram cultivados pela sua esposa.

Após a fábrica na qual trabalhava ter sido encerrada, viu-se forçado a apostar na produção daquela cultura para comercialização local. De 1997 até hoje, João Alfainho e a sua esposa possuem um total de 2 mil cajueiros e empregam quatro camponeses, além dos seus três filhos. O produto é todo vendido exclusivamente para a fábrica que subsidia a produção.

Abílio, Sitoiana e Alfainho são exemplos de pequenos agricultores que dão o seu contributo para o renascimento de uma indústria que tem estado mergulhada em dificuldades desde os anos ‘70, quando Moçambique era líder mundial do sector.

A actual produção de castanha de caju em Moçambique é garantida, maioritariamente, pelos pequenos produtores que vendem o seu produto à porta da fábrica ou nos mercados informais. Mas os agricultores enfrentam diversos constrangimentos, dentre eles a dificuldade de acesso ao mercado, carência de insumos e baixa de preços, factores que desanimam os agricultores, pois as colheitas têm estado em queda livre e estes necessitam de fazer melhoramentos na produtividade, rentabilidade e sustentabilidade da produção.

A nível nacional, o caju é uma das fontes de rendimento e emprego de muitas famílias nas zonas rurais. Aliás, os pequenos produtores fazem da castanha de caju uma cultura valiosa para a segurança alimentar e a melhoria do nível de vida.

Os produtores familiares continuam a participar na economia informal. Dados existentes dão conta de que, em Moçambique, perto de um milhão de agregados familiares tem acesso a cajueiros.

De líder a simples competidor

Moçambique tem uma história tanto no processamento como na exportação de castanha processada e em bruto. Os dados mostram que, antes da independência, quando a produção de castanha de caju apresentava níveis mais altos que os actuais, o país exportou tanto amêndoa de caju, como castanha em bruto, em quantidades significativas, numa altura em que contava com fábricas de grande capacidade de processamento.

Ao longo do século XX, numa época em que as plantações eram geridas pelos portugueses, Moçambique era o principal produtor mundial de castanha de caju. Até à década de ‘60, o país produzia metade da castanha de caju a nível mundial com a produção atingindo o cume nas vésperas da independência com cifras de 200 mil toneladas por ano.

Em 1972, a produção alcançou o seu ponto mais alto com a comercialização de 216 mil toneladas, sendo então Moçambique o maior exportador mundial. Mas, os problemas no sector da castanha de caju começaram a agudizar-se logo após a independência em 1975, assistindo-se a uma redução drástica na produção e, consequentemente, na exportação.

Os referidos níveis de produção não se mostraram sustentáveis devido às políticas estatais inconsistentes, à guerra civil, aos baixos preços ao produtor, às redes de comercialização debilitadas, à escassez de instrumentos, de bens de consumo e de alimentos, às secas, ao envelhecimento das árvores, às doenças e queimadas descontroladas.

Quando a indústria vivia os seus melhores dias, cerca de 17 mil trabalhadores estavam empregues nas 14 grandes fábricas mecanizadas. As grandes plantações do país e a próspera indústria de processamento nacional davam a Moçambique uma grande reputação em todo o mundo.

Mas, em 1994, as fábricas estatais foram vendidas a privados e, um ano depois, o Governo, sob pressão do Banco Mundial (BM), liberalizou o sector de caju, removendo a protecção da indústria e abrindo, assim, o sector ao comércio internacional de modo a elevar o preço da castanha ao produtor e criar incentivos para novos plantios e melhoramentos das árvores existentes.

A indústria nacional ressentiu- se das medidas desajustadas do BM e queixa-se dos preços exorbitantes ao produtor e de não conseguir competir com os seus mais directos concorrentes sobretudo a Índia, por sinal país que importa a maior parte da produção comercializada em Moçambique. Até aos finais da década de ‘90, a maior parte das fábricas encontrava-se encerrada e Moçambique passava, assim, de líder a um pequeno competidor.

Recuperar a liderança é utopia

Para recuperar os elevados índices de produção de castanha de caju, Moçambique terá de fazer investimentos massivos. Aliás, alguns produtores, empresários, assim como todos os intervenientes do sector de caju consideram ser utópico pensar que o país possa voltar, a curto ou médio prazo, a ocupar uma posição de destaque a nível mundial.

As actuais quantidades de produção são desanimadoras, pese embora se registe uma modesta melhoria nos últimos anos. Mas, apesar dos desafios, os produtores mostram-se optimistas quanto ao futuro da produção nacional a longo prazo, pois, embora não seja satisfatório, verifica-se um crescimento tímido.

Entre 1997 e 1998, a produção oscilou entre as 40 mil e as 60 mil toneladas. Já na campanha de 2001/2, alcançou 51 mil toneladas tendo sido obtidas 63 mil em 2002/3, cifra muito abaixo da meta de 79.400 toneladas estabelecida pelo Governo para essa campanha. Nessa altura, o país só logrou processar cerca de 3 mil toneladas.

Neste momento, a produção nacional não atinge as 100 mil toneladas por ano, quantidade necessária para a viabilização de qualquer indústria do sector. Ou seja, actualmente por ano o país produz, em média, 90 mil toneladas de castanha e na última campanha Moçambique produziu 95 mil toneladas.

Os factores climatéricos, aliados ao bom preço praticado junto do produtor, as pulverizações bem como a floração fora do período normal, sobretudo na região sul de Moçambique, foram alguns dos aspectos que contribuíram para uma boa campanha.

Importa referir que esta inicia-se em Outubro e termina em Março, mas, às vezes, devido à floração dos cajueiros fora do período normal, o fecho da campanha, comercialização incluída, ocorre em finais de Abril.

Os dados actuais mostram ainda que a indústria de processamento de castanha de caju em Moçambique tem estado a renascer, embora de forma lenta, uma vez que, de três unidades activas em 2002, o país já conta com 23 unidades industriais em pleno funcionamento, que processam anualmente cerca de 27 mil toneladas nas zonas rurais e empregam pouco mais de oito mil trabalhadores.

O objectivo fundamental estabelecido para o sector do caju é incentivar o sector familiar a aumentar a produção da castanha ao mesmo tempo que a indústria de processamento local acrescenta valor antes da exportação da castanha em bruto.

Mas os especialistas na área afirmam que o progresso do sector depende de uma melhoria do ambiente de negócios, da redução de custos de transportes e da melhoria da capacidade de gestão.

Fortalecer a indústria africana

A indústria africana do caju é responsável por mais de um terço da produção mundial e tem um potencial para produzir mais de 300 milhões de dólares em valor acrescentado, além de criar mais de 200 mil novos postos de trabalho nas áreas rurais. Mas o produto é exportado para os mercados internacionais, onde é processado e, consequentemente, ficam os ganhos. Calcula-se que haja 2 milhões de famílias envolvidas na produção e comercialização de caju e 10 milhões de pessoas sobrevivem dessa actividade.

Num evento que juntou mais de 250 parceiros de todo o mundo, a Aliança Africana do Caju (ACA), em parceria com o Instituto de Fomento do Caju (INCAJU) e a Associação dos Industriais do Caju (AICAJU), organizou nos passados dias 14 e 15 a Quinta Conferência Anual em Maputo com o tema “Fortalecer a Indústria!”, com objectivo de alargar o mercado, criar novos postos de trabalho e aumentar a renda dos agricultores.

Para a ACA, “fortalecer a indústria” significa proporcionar a todos os intervenientes informações e ligações para o melhoramento da produtividade, expansão do processamento e comercialização da cadeia de valor do caju.

Desde a criação da ACA em 2005, assistiu-se a um crescimento no processamento da castanha de caju, de 35 mil toneladas em 2006 para mais de 75 mil toneladas em 2009, para além de se ter criado mais 15 mil novos postos de trabalho.

Refira-se que a indústria moçambicana de processamento de caju, durante os últimos cinco anos, criou cerca de 4500 empregos, dos quais 39% para as mulheres, contribuindo para a renda de mais de 22.500 famílias nas zonas rurais, e gerou mais de 50 milhões de dólares americanos em receitas derivadas das empresas que adquirem o produto.

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