Desde que o primeiro pedaço de asteróide foi trazido intacto para a Terra que mais missões espaciais estão a preparar-se para procurar lasquinhas do Sistema Solar em busca de respostas.
No meio do ano passado, um objecto não-identificado veio parar na Terra depois de uma jornada de mais de três biliões de quilómetros. Não era cometa, nem meteorito, mas uma nave espacial construída pelo homem, que ficou a vagar pelo Sistema Solar nos últimos sete anos. A nave custou 170 milhões de dólares, nada perto do valor do que ela trouxe consigo: lixo!
Esse lixo é tão valioso porque contém as primeiras amostras de um asteróide, que voltaram intactas para o nosso planeta. O veículo – chamado Hayabusa (falcão, em japonês) – foi lançado em Maio de 2003 pela Agência Japonesa de Exploração Aeroespacial. Ele entrou no curso do asteróide 25143 Itokawa, um pedaço de rocha espacial de 500 metros, em órbita entre a Terra e Marte.
O artefacto pousou com sucesso na Austrália e os cientistas estão a analisar a sua preciosa carga. Embora seja evidente que o processo de colecta previsto falhou, provavelmente a nave espacial “raspou” a superfície do asteróide, dando boleia a essa poeira.
Guardiões da história
A esperança é que o estudo das amostras trazidas revele de que o asteróide é feito. Isso pode não soar tão interessante, mas os asteróides nada mais são do que fósseis do Sistema Solar. Eles formaram-se na mesma época em que os planetas, da mistura de nuvens de gases, poeira e detritos que vagueavam em volta do jovem sol. Estudar um asteróide pode dizer muito sobre a origem do sol e dos planetas, assim como desenterrar o esqueleto de um tiranossauro rex pode gerar descobertas sobre a vida na Terra durante o período cretáceo.
Os planetas são pouco úteis na investigação da origem do Sistema Solar; afinal, eles evoluíram ao longo do tempo, devido ao calor gerado no seu interior – causado pela pressão esmagadora de biliões de toneladas sob a acção da gravidade.
Os asteróides, em contrapartida, são muito menores, o que toma a gravidade muito mais baixa, gerando menos calor interno, e tornando-os exemplos primitivos de material de origem dos planetas. Até meteoritos (pedaços de asteróides que caem na terra) sofrem aquecimento extremo quando entram na atmosfera, alterando a sua composição.
Mas porque lançar uma “coisa” no abismo do espaço para colectar esse material? Afinal de contas, a maioria dos veículos espaciais é equipada com instrumentos propícios para a realização de experimentos in loco. O problema é que estas experiências são limitadas. Elas precisam de se adequar à nave espacial, e cada quilo lançado ao espaço custa milhares de dólares. Os orçamentos enxutos ditam que as sondas espaciais devem ser compactas.
Em comparação, as maiores unidades experimentais na Terra podem ser do tamanho de prédios. Não apenas isso, mas as naves espaciais são projectadas anos antes do lançamento, portanto, os instrumentos transportados são limitados pela tecnologia disponível naquele momento. Por outro lado, o armazenamento de material extraterrestre aqui na Terra pode ser analisado novamente, com outras tecnologias, no momento em que estas aparecem.
“Numa tarde com uma amostra trazida de Marte, um estudante de pós-graduação poderia produzir dados muito mais significativos sobre a mineralogia dos materiais do que todos os instrumentos de robótica de um futuro previsível”, explica Donald Burnett, do Instituto de Tecnologia da Califórnia. Na verdade, a nossa lua é o objecto mais compreendido do Sistema Solar, graças às amostras de rochas que foram trazidas para a Terra durante as décadas de 1960 e 1970.
Banco de dados
A primeira missão que retornou à Terra com amostras foi a Apollo II, que pousou na lua em Julho de 1969. Durante a estada de duas horas e meia na superfície lunar, Neil Armstrong e Buzz Aldrin colectaram 22 quilos de rochas. As outras seis aterragens da Apollo conseguiram quase 400 quilos de material.
Esse acervo cresceu no início da década de 1970, quando três missões robóticas soviéticas (Lunas 16, 20 e 24) retornaram com mais rochas e amostras de solo. A análise de todo esse material gerou conhecimento científico abundante e de qualidade sobre o nosso único satélite natural.
Talvez a descoberta mais significativa seja que a composição química das rochas é compatível com a composição da crosta terrestre, mantendo a teoria de que a lua foi formada a partir de um pedaço da Terra atirado para o espaço, após uma colisão cataclísmica com outro corpo celeste. Nos últimos anos, a NASA enviou uma série de missões de retorno de amostras para bem longe.
A sonda Génesis foi lançada em Agosto de 2001 e voou para o Ponto de Lagrange L1, localizado entre a Terra e o sol, onde os dois praticamente anulam a gravidade um do outro. Essa foi a primeira missão além da órbita da lua, pois neste ponto reúnem-se partículas conhecidas como “vento solar”. O objectivo era determinar a abundância de diferentes isótopos no sol. Isótopos são átomos que ganharam ou perderam neutrões dos seus núcleos.
A Génesis voltou para a Terra em 2004, mas o seu pouso foi um fracasso devido à falha do pára-quedas. Embora muitas amostras tenham sido danificadas, os cientistas foram capazes de extrair dos destroços material suficiente para análise. Os resultados revelaram que o sol tem uma composição isotópica muito diferente dos planetas do Sistema Solar, o que é intrigante, uma vez que ambos devem a sua existência à mesma nuvem de material.
“Tais descobertas estão a gerar uma enxurrada de actividades teóricas”, diz Donald Burnett, chefe da missão Génesis. “Uma possibilidade é que a luz ultravioleta do sol tenha desempenhado um papel importante no crescimento dos planetas a partir da poeira da nebulosa solar.”
Os próximos passos
Depois do Génesis, o que regressou para a Terra em 2006 foi a nave Stardust, que trouxe as primeiras amostras de material de um cometa, bem como poeira interestelar – partículas que permeiam o espaço entre as estrelas.
Então, para onde vão as próximas missões? A NASA tem uma na fila chamada Moonrise, na qual, se o financiamento for concedido, enviará uma sonda robótica para trazer pelo menos um quilo de material de uma cratera próxima ao pólo sul da lua. O que há lá é o que há de mais antigo na superfície lunar e vai gerar insights sobre o início da história de todo o Sistema Solar onde vivemos.
Além da lua, Marte é o próximo alvo natural, tanto para saber mais sobre a sua história como para responder à eterna questão: há vida em Marte? A NASA e a Agência Espacial Europeia têm planos preliminares para uma missão conjunta, mas isso deve acontecer apenas a partir de 2020. A curto prazo, a NASA planeia uma missão para colectar amostras de gás em Marte. No próximo ano, a Agência Espacial Russa deve enviar uma missão de retorno para Phobos, a lua marciana.
A bordo da nave espacial russa irá um compartimento com microrganismos vivos, construído pela organização norte-americana The Planetary Society. O projecto, chamado The Living Interplanetary Flight Experiment (LIFE), em tradução livre, Voo da Vida Interplanetária, vai avaliar a sobrevivência do material durante a missão de 34 meses.
A experiência visa sondar uma das teorias para a origem da vida na Terra – uma ideia controversa conhecida como panspermia, que acredita que a vida surgiu em qualquer lugar do Sistema Solar e então migrou para a Terra dentro de meteoritos.
“O projecto ensinará algo sobre a sobrevivência dos micróbios em longos períodos de vácuo, radiação e exposição à gravidade zero nas viagens interplanetárias”, explica Louis Friedman, director executivo da The Planetary Society. Se as amostras sobreviverem, então as missões de retorno de amostras provarão algo surpreendente: que cada um de nós pode ser descendente de insectos alienígenas.
*Paul Parsons é autor do livro “50 teorias científicas: revolucionárias e imaginativas”.