No Moçambique irreal, onde não existem empréstimos de biliões de dólares secretamente contraídos e escondidos por empresas estatais, combate-se a inflação aumentando as taxas de referência por isso o Comité de Política Monetária do Banco de Moçambique “deliberou aumentar em 300 pontos base a taxa de Facilidade Permanente de Cedência(FPC) e igualmente decidiu aumentar em 300 pontos base a taxa da Facilidade Permanente de Depósito(FPD)” disse Ernesto Gove, o Governador do Banco Central, ignorando que estas restrições monetárias não permitem que as empresas moçambicanas se financiem para aumentar a produção interna que é a solução do problema que causa a inflação. Gove anunciou “medidas muito fortes, de algum sacrifício, necessárias e inadiáveis” que vão durar até pelo menos o final do primeiro trimestre de 2017.
Reunido nesta quinta-feira(21) o Comité de Política Monetária do Banco de Moçambique(CPMO) deliberou:
– Intervir nos mercados interbancários de modo a garantir que a BaM evolua em linha com a meta indicativa de 82.051 milhões de Meticais estabelecida para Julho de 2016;
– Aumentar, com efeitos imediatos, a taxa de juro da Facilidade Permanente de Cedência de Liquidez em 300pb, para 17,25%;
– Aumentar, com efeitos imediatos, a taxa de juro da Facilidade Permanente de Depósitos em 300pb, para 10,25%;
– Incrementar o Coeficiente de Reservas Obrigatórias em moeda nacional em 250pb para 13,0%, com efeitos a partir do período de constituição que inicia a 22 de Agosto de 2016;
– e Manter o Coeficiente de Reservas Obrigatórias em moeda estrangeira em 15,0%.
Em conferência de imprensa o Governador do BM esclareceu que “a razão de ser destas decisões fundam-se essencialmente na constatação que a inflação no País tem vindo a crescer de modo significativo(…) o nível da inflação actual supera algumas taxas de juros, sobretudo as taxas de depósitos, retirando o incentivo aos aforradores de manterem os seus activos em depósitos a prazo”.
“Com o nível de inflação pode surgir a tendência das pessoas usarem outros activos para as suas aplicações ao invés de utilizar o sistema bancário, isto é negativo para a economia pois pode restringir o investimento” declarou ainda Ernesto Gove.
“Estamos a falar de cerca de 450 a 500 milhões de dólares que deixaram de fluir normalmente para o nosso país”
Embora o Banco de Moçambique(BM) não admita claramente o impacto dos empréstimos das empresas Proindicus, MAM e EMATUM na deterioração dos principais indicadores macroeconómicos reconhece em comunicado que a “contínua pressão inflacionária e cambial” resulta também “da suspensão da ajuda externa e menor disponibilidade de divisas no mercado devido à queda persistente das exportações, num ambiente em que prevalece a tensão militar em algumas regiões do país, bem como o aumento das responsabilidades do país para com o exterior, sem descurar os sucessivos rebaixamentos do rating do país pelas agências de notação financeira”.
Ora ajuda financeira directa estrangeira, “estamos a falar de cerca de 450 a 500 milhões de dólares que deixaram de fluir normalmente para o nosso país” aclarou Gove, o aumento da factura a pagar de dívida pública e o rating de Moçambique nos níveis mais baixos do lixo financeiro derivam directamente desses empréstimos que foram contraídos secretamente e com Garantias ilegais do Estado moçambicano.
“No médio e longo prazo as medidas vão surtir, no nosso entender, os efeitos desejados de devolver ao País a estabilidade macroeconómica ao mesmo tempo que garante a estabilidade do sector financeiro” explicou também o Governador do Banco Central acrescentando que as medidas estão alinhadas “no conjunto das medidas que o País está a levar a cabo visando restabelecer a estabilidade macroeconómica e essas medidas conhecem a sua expressão mais saliente na decisão actualmente tomada de revisão do Orçamento que é de restrição fiscal”.
Todavia no País real não é o que acontece, a título ilustrativo o desenvolvimento da agricultura continua adiado, entre outras razões, porque os bancos não dão créditos aos camponeses. De todo crédito bancário concedido à economia o sector que poderia aumentar a produção de comida e quiçá reduzir as importações de alimentos essenciais tem recebido apenas 2,5%, grande parte destinado a empresas que produzem culturas de rendimento e não para a produção de comida, o que mostra não existirem políticas acertadas para alcançar a propalada auto suficiência alimentar.
“As medidas monetaristas anti-inflacionárias poderão não ajudar a reduzir a inflação”
Economistas do Instituto de Estudos Sociais e Económicos (IESE), analisando aumentos das taxas directoras que o BM tem efectuado desde finais de 2015, concluíram que as “medidas monetaristas desta natureza podem agravar a crise económica, financeira e social em vez de ajudarem a resolvê-la”.
A explicação dos académicos é que os determinantes da inflação em Moçambique “são os preços dos bens básicos de consumo, em especial dos alimentos, os custos de combustíveis e a bolha imobiliária. Dado que os bens básicos e combustíveis são importados, a inflação importada joga um importante papel, sobretudo por causa da desvalorização da moeda nacional”.
“Inflação acontece sempre que uma economia cresce rapidamente sem criar a capacidade de fornecer mais bens básicos para consumo, sendo, neste caso, criada pela estrutura e dinâmicas do investimento e do crescimento económico. Estas dinâmicas não são alteráveis por restrições monetárias apenas, pelo que as medidas monetaristas anti-inflacionárias poderão não ajudar a reduzir a inflação” aclararam os economistas Carlos Castel-Branco, Fernanda Massarongo, Rosimina Ali, Oksana Mandlate, Nelsa Massingue e Carlos Muianga.
A tese dos economistas do IESE corrobora a situação que os empresários nacionais afirmam estar a enfrentar com estas medidas do Banco Central que “impõem ainda mais restrições às pequenas e médias empresas nacionais, que não estejam ligadas ao núcleo extractivo da economia e que sejam dependentes do sistema financeiro doméstico. Ao restringir o acesso a capital, a política monetária poderá agir contra a diversificação, a articulação e o alargamento da base produtiva, impedindo a solução do problema que causa a inflação e consolidando as dinâmicas especulativas do sistema financeiro. As restrições monetárias não afectam os fluxos externos de capital e, por isso, descriminam contra as empresas dependentes do sistema financeiro doméstico”.
Para os académicos “o aumento da taxa de juros encarece a dívida privada e pública”.
“Medidas muito fortes, de algum sacrifício, mas são medidas necessárias e inadiáveis”
Contudo o Banco de Moçambique, através do seu Governador, não concordam com esta tese. “Não é possível pensar-se que haja financiamento tecnicamente aceitável tanto para o banco como para o investidor a taxas elevadas, mas as taxas são em função também do nível de inflação. Não se pode emprestar a taxas negativas e nem se pode poupar a taxas negativas” retorquiu Ernesto Gove quando confrontado pelo @Verdade com a realidade vivida pelos empresários nacionais.
“Os ajustamentos que nós estamos a trazer na taxa indicativa do Banco de Moçambique nem sequer cobrem o actual nível de inflação, portanto se nós não criarmos incentivos apropriados para que os aforradores continuem a preferir o sector bancário para as suas poupanças nós vamos ter problemas de recursos para emprestar. Ou seja as pessoas poderão converter os seus recursos para os bens que não sofram o impacto da inflação, por outro lado o custo de vida que também tem o seu rosto no nível de preços, se não combatermos a inflação, esse custo de vida vai-se perpetuar. Portanto o que se espera é que haja uma selectividade das áreas em que se deve financiar e selectividade das áreas em que se deve investir, portanto não há nenhum contrassenso”, justificou ainda Gove.
“No curto prazo devem ser vistas obviamente como medidas muito fortes, de algum sacrifício, mas são medidas necessárias e inadiáveis”, declarou o Governador do Banco de Moçambique anunciando que a crise económica e financeira está para durar até “talvez lá pelo final do trimestre de 2017 consigamos ver alguma tendência para melhoria dos indicadores macroeconómicos, e isso será muito bom”.