Lembro-me perfeitamente! Aqui há uns anos, o sonho de todos os papalvos era o de terem um emprego num Banco. Não havia família moçambicana (ou portuguesa) em que os paizinhos não acalentassem o sonho de ver “os rebentos” a pôr uma gravatinha e a entrar de pastinha na mão por aquelas portas de vidro adentro. Nesses tempos ser bancário era tudo o que de bom podia acontecer a um cidadão.
Aquilo era o ordenado acima da média sempre certinho ao fim do mês, era a inveja da vizinhança que nunca tinha conseguido sair da cepa torta e se arrastava conformada para uma reles repartição pública, era a porta aberta para falar com os tipos “da nota” que passavam pelo balcão e o prazer de mandar “às urtigas” os desgraçados que por lá apareciam a pedir para descontar uma letra sempre que nos apetecesse.
Enfim, um autêntico maná! Para ter um tacho, por “mixuruca” que fosse, no Totta ou no Montepio, não havia limite para “as cunhas” que se metiam, para os cabritos e galinhas que se ofereciam na Páscoa aos doutores que tinham vindo lá “das berças” de Portugal para Moçambique a fim de ocuparem um cargo influente, nem para os salamaleques que se davam a um mero e reles caixa, só na esperança que pudesse dar um jeito no dia em que lhes desse para abrir um Agência lá na terra.
A “castidade” das filhas, preservada a tanto custo na longa sequência de bailes e romarias, era oferecida com a maior das facilidades ao barrigudo de um Gerente desde que o tipo prometesse que arranjava à rapariga o almejado lugarzito atrás do balcão. Mas é claro que a coisa não podia durar sempre. Primeiro com os cartões de plástico, depois com as máquinas do Multibanco, com os telefones, com os computadores, com a Internet, e sobretudo com a concorrência, lá se foi virando o bico ao prego até acabarmos na desgraça de hoje.
Da arrogância dos velhos tempos passámos para “a sabujice” nojenta e incomodativa. Um tipo que se preze raramente põe hoje os pés numa dependência bancária e até já nem é bem capaz de distinguir um Banco de outro. Pela frente encontra inevitavelmente uma cambada de meninos “engravatadinhos”, igualzinhos e assépticos, que falam muito baixinho e repetem à exaustão aquela conversa barata que lhes ensinaram no curso de formação tirado à pressa. A única função daquela malta passou a ser a de nos tentar impingir seguros que não seguram “a ponta de um corno”, fundos de suposto investimento, planos de reformas quando ainda estamos “para as curvas”, e outras tretas do género.
De resto, já foram substituídos por máquinas e telefones que graças a Deus não nos mostram as caras daquelas “almas penadas”. Ser bancário passou a ser mal visto e sinónimo de não ter miolos que dêem para qualquer coisinha um bocadinho melhor. Os tipos deixaram de se exibir em bares e discotecas, os almoços à custa dos clientes vão escasseando, já ninguém lhes lambe as botas e passaram a receber santinhos no Natal em vez de garrafas de Chivas e cabritos acabados de desmamar.
As famílias, envergonhadas, disfarçam a ocupação dos filhos passando a dizer que são «técnicos fiduciários» em vez de caixas ou cambistas. E, com efeito, aquela malta de roupa foleira e de maneiras estudadas que por ali deambula de secretária para secretária – já que o balcão há muito que desapareceu – limita a sua actividade a escrever “umas lérias” no teclado e a deixar que as máquinas tratem do resto.
Para compensar, sempre que apanham um saloio que ainda não se apercebeu que os tempos mudaram, atacam a vítima com toda a literatura que têm à mão e só largam o desgraçado depois de ter rabiscado a assinatura numa data de papéis que lhe garantem este mundo e o outro mas que lhe vão doer para caraças já no próximo extracto. Como já não havia muito a dar que fazer a esta malta, resolveram agora transformá-los em «gestores de conta», e quer a gente queira quer não, lá nos enfiam com uma Cláudia ou com um Felisberto, que a gente nunca viu mais gordos, e que passam a velar pela nossa felicidade. É claro que a coisa não podia dar bom resultado.
Agora que a Tecnologia já nos tinha poupado “ao convívio” com esta “espécie acinzentada”, passam a vida a telefonar-nos a desoras para nos informar que a conta está a descoberto (como se não soubéssemos perfeitamente que depois de ter pago a estadia do hotel com a namorada nova já não ficava nada para a prestação do carro) ou que não podemos deixar de subscrever mais umas acções que provavelmente vão acabar por ficar a forrar paredes.
Mas o pior mesmo são os resistentes “da velha guarda”, carecas e lambuzados, que ainda não entenderam que o único papel que lhes resta é o de embrulho, e que estão ainda convencidos que a gente precisa deles para alguma coisa. Passam a vida a debitar teorias baratas e a tentar convencer-nos que só por especial favor nos arranjam o “empréstimozito” para a casa a oito por cento, quando na porta ao lado já nos ofereceram a massa a menos de cinco por cento sem ter de mexer uma palha. E que tal se os reciclassem em Assessores de Imprensa de Directores de grandes empresas (ou PCA) obscuros?