Apesar dos discursos triunfalistas do fim da crise a Autoridade Tributária de Moçambique (ATM) falhou as metas de cobrança de Impostos em 2018, pelo segundo ano consecutivo. A arrecadação foi de 211 biliões de meticais, 95,1 por cento da meta de 222,8 biliões. A cobrança de impostos também reduziu para 92,1 por cento dos 211,6 biliões previstos e o @Verdade apurou que quase todas participações do Estado deram menos dividendos do que em 2017, até os Mega Projectos contribuíram com menos 62,4 por cento. “Podemos antecipar que o Estado venha a recorrer mais ao endividamento interno”, perspectivou o Professor António Francisco.
Quando em Julho passado Filipe Nyusi anunciou que os principais indicadores económicos indicavam “o início do pós-crise” em Moçambique o @Verdade alertou que o Presidente da República estaria a ler dados errados ou a enganar o seu patrão, como aliás tem mostrado os bancos comerciais que teimam em manter as suas taxas de juro alta.
Agora que os números consolidados de 2018 começam a ser divulgados revelam que a economia continuou em crise, o Instituto Nacional de Estatística sinalizou que no terceiro trimestre o Produto Interno Bruto foi de apenas 3,2 por cento o que levou o Executivo a rever a sua projecção anual de 5,3 por cento para 4,1 por cento. Estimativas do Standard Bank indicam que o PIB do ano passado deverá ficar-se pelos 3,7 por cento.
Já o Relatório de Execução Orçamental (REO) de Janeiro e Dezembro de 2018 revela como a crise afectou a cobrança de impostos. “A cobrança da Receita do Estado atingiu no período de Janeiro a Dezembro, o montante de 211.922,0 milhões de Meticais, correspondente a 95,1 por cento da previsão anual, tendo as Receitas Correntes arrecadado 211.628,7 milhões de Meticais correspondente a 97 por cento da previsão anual, tendo as Receitas de Capital atingido o valor de 293,3 milhões de Meticais correspondente a 6,2 por cento da previsão”.
O @Verdade descortinou no documento que dentre os 12 impostos estabelecidos no nosso país contribuíram para o falhanço das metas o Imposto Sobre o Valor Acrescentado (IVA) que ficou-se por 54,3 biliões de meticais, 88,8 por cento dos 61,2 biliões planificados no Orçamento do Estado para 2018.
Os impostos específicos da actividade mineira e da petrolífera decresceram em 14,8 por cento e 8,7 por cento, respectivamente, enquanto a arrecadação de taxas sobre os combustíveis cifrou-se em 72,6 por cento dos 8,9 biliões previstos.
Até Imposto sobre a cerveja e bebidas alcoólicas falhou a meta em 2018
“A cobrança no Imposto Especial sobre o Jogo atingiu o montante de 390,9 milhões de Meticais, correspondente a 60,9 por cento da previsão anual”, pode-se ler no documento que estamos a citar e ainda indica que “Os Impostos sobre o Comércio Externo, nomeadamente, os Direitos Aduaneiros e a Sobretaxa, alcançaram o montante de 14,7 biliões de meticais, equivalente a 81,9 por cento da previsão anual”.
O REO revela também que “Imposto sobre o Consumo Específico de Produção Nacional, que incide sobre o tabaco, a cerveja e outras bebidas alcoólicas, alcançou o valor de 4,8 biliões de meticais, equivalente a 84,1 por cento da meta anual e a um decrescimento nominal de 6,9 por cento quando comparado a igual período de 2017”. Além disso, o Imposto sobre o Consumo Específico de Produtos Importados, gerou apenas 4,2 biliões de meticais, correspondentes a 54,4 por cento da previsão anual.
Aquém da meta ainda ficou a arrecadação das Taxas Nacionais, “foi arrecadado o montante de 11,3 biliões de meticais, equivalente a um grau de realização de 52,5 por cento da meta anual”.
Receitas dos Mega Projectos caíram 62,4 por cento
O @Verdade apurou ainda que reduziram em 25,5 por cento, comparativamente a 2017, as Contribuições Sociais, Receitas Patrimoniais (que compreendem as Participações do Estado – Dividendos, Rendas de Imóveis), Exploração de Bens de Domínio Público, Vendas de Bens e Serviços e Outras.
Nesse grupo de receitas os Dividendos caíram em 59,8 por cento influenciados pela redução da contribuição em 100 por cento da DOMUS e da EMOSE, em menos 88,9 por cento da STEMA, em menos 61,7 por cento do Banco de Moçambique, a Mozal gerou menos 50,3 por cento e até os Caminhos de Ferro de Moçambique pagaram menos 70,3 por cento de dividendos para o Estado em 2018.
Até mesmo os Mega projectos geraram menos receitas para o erário, arrecadando 14,4 biliões de meticais que representaram “um decréscimo de 62,4 por cento relativamente a igual período do exercício anterior”, refere o REO.
É paradoxal notar que embora tenham decorrido quase 2 anos desde que a Eni e os seus parceiros iniciaram a construção da fábrica flutuante que vai explorar gás natural na Área 4 e 1 ano depois da Anadarko gastar 550 milhões de dólares nas obras que iniciou em Palma as receitas da exploração de gás e petróleo tenham reduzido em 78,4 por cento.
Com um défice inicial de 80 biliões de meticais o Governo acabou por apenas conseguir financiar 87,6 por cento dos fundos adicionais que precisava recorrendo a 7 biliões de meticais das Mais Valias cobradas em 2017, pelo negócio entre a Eni e a ExxonMobil, e ainda ao endividamento interno e externo que se cifrou em 19 biliões e 44,1 biliões de meticais, respectivamente.
“Até quando é que o Estado vai continuar a desvalorizar activos que controla, convertendo-os em capital morto”
O @Verdade questionou a instituição dirigida por Amélia Nakhare que motivos contribuíram para a arrecadação aquém da meta, pelo segundo ano consecutivo, mas a Autoridade Tributária não respondeu. Aliás a ATM cancelou em duas ocasiões este ano a “tradicional” conferencia de imprensa de balanço da arrecadação de 2018, talvez a estratégia seja mentir aos moçambicanos sobre a arrecadação como fizeram relativamente as receitas de 2017.
Para o Professor de Economia da Univerdade Eduardo Mondlane, António Francisco, “os níveis de cobrança podem sinalizar alguns aspectos interessantes sobre o funcionamento da economia e reacção das empresas e cidadãos”.
“Numa economia altamente regulada e monopolizada pelo Estado, o foco de atenção e actuação daqueles que realmente produzem a riqueza, os produtores individuais e empresários, tem sido fortemente desviado e desvirtuado. Quem acredita que Moçambique precisa de um Estado que se comporte como um “ditador económico” certamente lamentará que a Autoridade Tributária (AT) não tenha conseguido cumprir as metas de captação de impostos, taxas e outras receitas correntes. Contudo, sabendo que o Estado Moçambicano desfruta de um elevado monopólio sobre os activos económicos, nomeadamente a terra agrícola, recursos do subsolo e negócios com os mega-projectos altamente lucrativos, justifica-se questionarmos-nos: como entender que as Receitas de Capital representem apenas 0,1 por cento da cobrança total das Receita do Estado, contra 99,9 por cento de todas as outras receitas? Até quando é que o Estado vai continuar a desvalorizar activos que controla, convertendo-os em capital morto, inútil e sem valor acrescentado para a economia nacional”, questionou Francisco.
“Podemos antecipar que o Estado venha a recorrer mais ao endividamento interno”
O académico, que também é investigador no Instituto de Estudos Sociais e Económicos (IESE), verificou “que a meta de cobrança de Receitas de Capital falhou em 93%. Em contrapartida, a cobrança de Imposto sobre o Rendimento ultrapassou a meta em 11 por cento. Mas a este nível existe uma tendência oposto entre os impostos sobre Rendimento de Pessoas Colectivas (IRPC) e impostos sobre Rendimento de Pessoas Singulares (IRPS). Apesar de em ambos casos a cobrança ter aumentado, a cobrança do IRPC diminuiu cerca de 15 por cento, de 2017 para 2018. Já o IRPS aumento cerca de 12 por cento, no mesmo período”.
“O que significa isto? Uma possibilidade é que a meta estabelecida para o IRPC tenha sido exagerada ou muito acima da disponibilidade do sector empresarial satisfazer as pretensões do Governo ampliar as suas despesas, mesmo sabendo que o sector produtivo vive num grande aperto económico e financeiro. O Relatório não adianta nenhuma explicação para o decréscimo do IRPC em quase 15 por cento, relativamente a 2017. Entretanto, a cobrança do IRPS cresceu cerca de 12 por cento em termos nominais, relativamente a igual período do ano transacto. Sobre isto, o REO adianta que o crescimento resultou do melhor controlo das retenções na fonte dos rendimentos que as empresas são forçadas a realizar. Mas talvez signifique também que as alterações introduzidas na cobrança de impostos dos singulares beneficiou bastante o Estado, porque deixou de devolver os valores que no passado tinha de devolver”, explicou António Francisco.
O economista prevê que o decréscimo de arrecadação de receitas fiscais às empresas se mantenha, “não vejo sinais visíveis que justifiquem o aumento de novas empresas e que as já em actividade estejam em posição de desembolsar mais para o Estado. Quanto ao IRPS, não me admiraria se os singulares passarem a seguir o comportamento das empresas e encontrem maneira de contornar e evitar certas formas usurpadoras seguidas pelas autoridades tributárias”.
“À semelhança do que observamos nos anos recentes, o OE de 2019 indica que o Estado vai tentar incrementar as despesas em mais de 10 por cento, relativamente à cobrança em 2018. Ficarei surpreendido se os cidadãos não tomarem medidas defensivas e mais efectivas para evitarem que o Estado logre sua pretensão de ampliar as receitas estatais à custa dos cidadãos. Se estiver certo, então, podemos antecipar que o Estado venha a recorrer mais ao endividamento interno, principalmente porque estamos num ano eleitoral e o partido no poder vai ter que evitar colocar muita pressão sobre os contribuintes singulares” perspectivou o Professor Francisco.