Artistas plásticos de várias gerações juntaram-se, no Centro Cultural Brasil-Moçambique (CCBM), para falar de si, da sua arte e da sociedade em que se encontram como fazedores da cultura. Na pompa e circunstância estabelecidas com o painel composto por eles, notou-se que há(via) doenças escondidas no seio das artes em Moçambique.
Irritados com alguma insensibilidade que os moçambicanos têm para com a arte, caracterizada por um cenário de estranheza com que vive o artista plástico, homens e mulheres da área, sociólogos e jornalistas, sentaram-se à mesma mesa para dizer o que anda à sua volta e a integridade do artista na sociedade em que ele vive.Na verdade, no percurso dos diálogos pôde-se entender ainda que, em ambas partes (artista e sociedade), há algum desconhecimento das realidades e do distanciamento que se revela pelo facto de o primeiro ser tido como o “especial iluminado” e o segundo como o que se queixa do tratamento do outro.
Entretanto, o sociólogo Eugénio Brás entende que, por um lado, todos os problemas levantados pelos diversos intervenientes se relacionam com a arte como actor social e, por outro, ela está sujeita ao mercado e “quando se trata de mercado, tem de se ter em conta que vence quem joga bem. E esse vencedor nem sempre é o bom artista, pode muitas vezes ser o medíocre, mas que sabe vender”.
Contudo, não são as vendas que preocupam os fazedores da arte em que se dividiam em várias gerações. Vasco Manhiça, artista moçambicano na diáspora, considerou que o artista moçambicano tem de começar a olhar o mundo e a inspirar-se mais para o trabalho.
Manhiça, usando da experiência do mundo, refere que o artista plástico no país terá muito a ganhar quando se abrir e criar espaço para que a sua obra seja vista por pessoas de qualquer parte, citando exemplos das redes sociais que se incluem nas novas tecnologias de informação e comunicação que são acessíveis para se chegar à qualquer parte do mundo.
“O artista moçambicano tem de saber que as coisas mudaram. As oportunidades não o encontrarão sentado, é necessário que ele as procure”,disse Manhiça.
Por sua vez, Moisés Mafuiane, artista de reconhecido mérito nas artes, diz que “estou há 20 anos como artista e lembro-me que andei por vários sítios a bater à porta ainda novo e não se abriu. As pessoas não me reconheciam, até que encontrei o Júlio Navarro, que me ajudou a achar um canto. Aliás, aliei-me desde novo ao Núcleo de Arte onde me edifiquei como artista. Penso que as artes plásticas em Moçambique ainda têm dificuldades”.
Mafuiane, curiosamente, apresentou-se no debate como “artista autodidacta”, transpondo outra parte, muito mais realística, das nossas artes em Moçambique onde a escola para formação do artista ainda é um mito, apesar de já existir há bastante tempo a Escola Nacional de Artes Visuais (ENAV).
Sobre esse assunto, que caracteriza as artes em Moçambique, Silvério Sitoe, outro artista conceituado que está na actual liderança do Núcleo de Arte, afirmou que a arte em Moçambique é algo que vem pelas heranças e hereditariedades.
“Nós crescemos cantando as canções nos bairros, nas festas familiares e outras ocasiões, também tocando os batuques etc. Portanto, a cultura foi sempre a nossa tradição, nós nascemos no meio das artes. E o artista plástico surge nesse meio onde aprende por curiosidade. Com alguns pintores já conhecidos íamos aprendendo enquanto podíamos. Mas chegou uma fase em que atingimos o auge da coisa. Vimos grandes nomes a surgir e a espalharem-se por toda a parte”.
Sitoe foi mais além, ao explicar o contexto do surgimento do núcleo que aglomera artistas, e ao qual preside.
“Quando se criou a Associação dos Artistas da Beira, notou-se que todos os apoios às artes em Moçambique não atravessavam o Save. A Beira era uma espécie de uma placa que barrava a entrada de recursos para cá, entretanto, víamos várias coisas a acontecer em nome dos artistas moçambicanos, das quais nós não tínhamos conhecimento. Aí decidimos criar o nosso Núcleo de Arte para também termos acesso a alguns apoios, o que só seria possível se estivéssemos organizados. Daí conseguiu-se algum equilíbrio.”
Veio o equilíbrio e vieram de seguida algumas condições de que os artistas reclamavam. O problema é que a criação do Núcleo de Arte não foi suficiente para colmatar todos os males e os artistas, ainda novos, vêem já uma barreira para a sua afirmação no panorama artístico nacional. Quem assim o diz é o artista plástico, Samuel Djive que, atento às explanações dos oradores, interveio da plateia.
“Eu não sou contra as redes, associações, mas o que se verifica é que por vezes esses grupos são mais pelas amizades que pelo trabalho associativo. Nós os mais novos encontramos dificuldades para nos inserirmos. As coisas acontecem de forma isolada e até o que torna a situação mais crítica é o facto de não termos os tais longos currículos exigidos quando pedimos apoios”.
Outras posições aliaram-se a esta inquietação. Os artistas estão associados mas ainda há ausência de melhorias. Alguns mesmo chegaram a criticar a actual direcção do Núcleo de Arte, facto que suscitou uma resposta por parte do seu representante que se encontrava no debate.
“Já tivemos uma visita no núcleo em que depois me perguntaram porque é que o artista faz muito barulho. Realmente, no núcleo, enquanto se trabalha, há barulho, muita gritaria. Mas eu respondi a essa pergunta dizendo que fazem barulho por amor às artes. O artista é aquele sujo, sem dinheiro, sem nada. Mas é esse mesmo artista que ama a arte de verdade. Se estamos aqui a debater é a favor desse amor que o artista tem pela arte e ele vai persistir, apesar das dificuldades.” Respondeu Silvério.
A Internet como um novo espaço das artes
Uma das posições defendidas no debate sobre o artista e a sociedade foi a questão de tornar conhecidas as artes moçambicanas, neste caso, as artes plásticas. Entretanto, para além das associações, foi fortalecida a questão das redes sociais e de outros espaços virtuais como blogues e websites como pontos de encontro de artistas e a sociedade no geral, com o privilégio de se envolver pessoas de todo o mundo.
Graça Magaia, promotora de eventos do Centro Cultural Franco-Moçambicano (CCFM) em Maputo, foi uma das que reforça a ideia segundo a qual “hoje em dia temos as crianças que nem dormem por estar no Facebook, e esse acesso é facilitado pelos celulares que hoje todo mundo pode ter.
Os artistas precisam de se aliar a essas tecnologias de modo a que sejam mais conhecidos e, por conseguinte, estejam criadas as condições para que as suas obras sejam compradas e até as suas exposições tenham o devido sucesso. Pela internet nós informamos a qualquer hora.”
Como quem fala por experiência, Mafuiane um dos exemplos no ramo dos artistas que usam a internet para a sua autopromoção, referiu que o uso da internet melhorou algo na sua vida artística, mas aderir a ela não foi algo fácil, muito menos pacífico.
“Tive uma namorada que me insistia muito a criar um blogue. Mas eu não estava de acordo, foi realmente uma luta, até que um dia me rendi. Criei o blogue e coloquei lá tudo sobre mim, o meu currículo profissional, algumas imagens para que as pessoas conhecessem os meus trabalhos e vídeos. É importante referir que isso não aumentou as vendas, mas mudou algo porque tornei-me visível para um público mais amplo e posso ser visitado a qualquer hora.”
Ainda sobre esta questão, Eugénio Brás, alerta que a internet tem que ser vista como o espaço final onde o artista se deve expor. “É importante que outras componentes estejam organizadas internamente para que o que se expõe na internet seja realmente o produto final de uma obra de arte. Isso não será possível se os artistas não estiverem organizados e socializados.”