Os governos árabes deram 8 biliões de dólares ao Egito, Terça-feira (9), manifestando o seu apoio à intervenção do Exército para afastar a Irmandade Muçulmana do poder, e um dia depois de os militares matarem dezenas de apoiantes do movimento islâmico.
O presidente interino Adli Mansour, nomeado pelos militares, apontou um economista liberal como primeiro-ministro em exercício, e anunciou um cronograma mais rápido do que se esperava para a realização de eleições dentro de seis meses.
O Exército, que, Quarta-feira, depôs o primeiro presidente livremente eleito na história egípcia, está sob pressão para apresentar um plano claro de redemocratização.
O país vive agora o seu momento de maior polarização na história moderna, depois de os militares terem aberto fogo contra manifestantes pró-Irmandade no Cairo, matando 55 pessoas. O movimento diz que as vítimas estavam a rezar pacificamente; o governo afirma que os militares reagiram a um ataque.
Mansour, juiz do tribunal supremo empossado para ocupar a presidência depois da derrubada de Mohamed Mursi, nomeou Hazem el Beblawi como primeiro-ministro-interino. Mohamed ElBaradei, ex-chefe da agência nuclear da ONU, hoje dirigente de um partido liberal, será o vice-presidente encarregado de assuntos estrangeiros.
A indicação de Beblawi contou com o importante apoio do partido islâmico ultraortodoxo Nour, ex-aliado de Mursi e da Irmandade. Os líderes do Nour vêm sendo cortejados pelas autoridades da Irmandade para mostrar que os muçulmanos não precisam ser de marginalizados.
A violência da Segunda-feira causou alarme entre doadores importantes, como EUA e União Europeia, e também em Israel, país com o qual o Egito selou a paz em 1979. As ricas nações árabes do golfo Pérsico, tradicionalmente desconfiadas da Irmandade Muçulmana, demonstraram menos restrições.
Os Emirados Árabes Unidos ofereceram uma doação de 1 bilião de dólares, e um empréstimo de 2 biliões. A Arábia Saudita ofereceu 3 biliões de dólares entre doações e empréstimos, e outros 2 biliões de dólares em combustível. Noutra demonstração de apoio, o chanceler dos Emirados, Abdullah bin Zayed, esteve no Egito, Terça-feira.
Foi a mais graduada autoridade estrangeira a visitar o país desde a derrubada de Mursi.
“Nem que matem a todos nós ”
Alegando atender ao anseio popular, depois de manifestações que reuniram milhões de pessoas, o Exército derrubou Mursi e suspendeu a Constituição um ano depois de ele assumir o cargo.
A Irmandade diz que o golpe militar mostra que os interesses arraigados jamais aceitarão as vitórias eleitorais do grupo islâmico, que teme agora ser novamente alvo de repressão, como ocorreu durante décadas de regimes autocráticos.
“O único mapa do caminho é a restauração do presidente eleito pelo povo”, disse Hoda Ghaneya, 45 anos, activista da Irmandade.
“Não vamos aceitar menos do que isso. Nem que matem a todos nós”. Milhares de partidários de Mursi reuniram-se, Terça-feira, numa vigília perto de uma mesquita na zona nordeste do Cairo, onde pretendem permanecer acampados, apesar do forte calor, até que o presidente seja restituído ao cargo – algo que a esta altura parece improvável.
“Revolucionários! Gente livre! Vamos completar a jornada!”, gritava um orador enquanto a multidão carregava um caixão de madeira envolto na bandeira egípcia. A vigília-comício durou até de noite, com sucessivos oradores a pedirem a restauração de Mursi, que está preso num quartel.
Milhares de partidários da Irmandade também saíram às ruas em Alexandria (norte), segunda maior cidade do país, cenário de episódios violentos nos últimos dias. Fontes médicas confirmaram que pelo menos 55 pessoas foram mortas no final da tarde da Segunda-feira em frente ao quartel do Cairo onde Mursi está preso, elevando o número oficial de vítimas do incidente – o mais letal no Egito em dois anos e meio de turbulência política, exceptuando-se um tumulto num estádio de futebol em 2012.
As autoridades abriram inquérito contra 650 manifestantes acusados de cometerem crimes, e a imprensa, maioritariamente controlada pelo Estado, elogiou a acção do Exército e denunciou a violência da Segunda-feira como resultado da acção de “terroristas”.
A Amnistia Internacional disse que, independentemente de terem ocorrido provocações, os militares são culpados por usarem uma “força flagrantemente desproporcional”. Mas, num sinal das profundas divisões, a maioria dos moradores do Cairo parecia aceitar a versão oficial e culpava a Irmandade pela morte dos seus próprios membros.
“É claro que condeno isso – egípcio contra egípcio. Mas o povo atacou o Exército, não o contrário”, disse Abdullah Abdel Rayal, de 58 anos, que fazia compras numa feira no centro do Cairo, Terça-feira de manhã. Nas paredes de alguns edifícios, os moradores penduraram cartazes com retratos do general Abdel Fattah al Sisi, comandante militar que destituiu Mursi.
Em pronunciamento que antecede ao início do mês islâmico sagrado do Ramadão, Quarta-feira, Sisi deixou claro quem manda no país. “Nenhum partido tem o direito de se opor ao desejo da nação”, afirmou.