Há mais de duas semanas que 165 estudantes em regime de internato no Centro da Vila de Rapale, no distrito com o mesmo nome, na província de Nampula, vivem um momento horroroso: a instituição que eles frequentam está a enfrentar uma crise de alimentos e não tem meios para abastecer o armazém. O desespero é de tal sorte que os alunos já foram alertados no sentido de, individualmente, encontrarem alternativas até que melhores dias cheguem. Para além disso, há crise de água, que se arrasta há bastante tempo, e as condições de alojamento são deploráveis, sobretudos os balneários.
A instituição a que nos referimos alberga 91 rapazes e 74 raparigas com idades compreendidas entre 12 e 19 anos, dos níveis primário do 2º grau, básico e médio do ensino secundário geral, que estudam em regime “fechado”.
Através do próprio director do Centro Internato de Rapale, Hermínio André, o @Verdade ficou a saber de que os maus momentos vividos por aquele grupo devem-se ao facto de os Serviços Distritais da Educação, Juventude e Tecnologia de Rapale (SDEJT) estarem a alocar uma verba insignificante para cobrir as despesas internas. Segundo os formandos, no que diz respeito à alimentação, o menu principal é basicamente constituído por feijão não bem confeccionado – sem os ingredientes necessários –, e chima de farinha de milho. O arroz é consumido apenas nos dias festivos.
Hermínio André, director do Centro Internato de Rapale, reconheceu as dificuldades com que a sua instituição se debate e explicou que tudo se deve à exiguidade de fundos, uma vez que o internato desembolsa somente 60 mil meticais trimestralmente, o que, obviamente, não chega para colmatar as necessidades básicas de alimentação dos 165 alunos. Mensalmente, são necessários 50 mil meticais.
“Com os produtos que adquirimos com o dinheiro do governo distrital não levamos 90 dias, daí que sempre enfrentamos falta de comida”, reconheceu o nosso entrevistado, para quem o pouco que o executivo aloca, com atraso, só cobre uma refeição por dia. As restantes têm sido um bico-de-obra para serem asseguradas.
De acordo com Herminio André, a falta de alimentos deriva, também, do facto de alguns estudantes não terem pago a prestação do último trimestre no valor de mil meticais cada. Anualmente, eles desembolsam três mil meticais. Esse montante, se fosse pago a tempo, poderia ser usado na aquisição de comida para atenuar o problema.
O @Verdade apurou que não é a primeira vez que os educandos do Centro Internato de Rapale enfrentam a fome. Trata-se de uma situação que no ano lectivo em curso acontece pela terceira vez. E é deveras preocupante para os alunos cujos familiares residem longe do estabelecimento de ensino que frequentam, que acolhe pessoas prevenientes do distrito de Rapale e outros circunvizinhos, incluindo os da cidade de Nampula.
“Quando conseguimos algo para comer, comprado com o dinheiro das nossas contribuições, formamos pequenos grupos e confeccionamos nas instalações do centro, apesar de que é proibido”, disse-nos uma aluna. E parece que as coisas caminham para uma situação em que caberá aos formandos comprar comida por conta própria, isso a avaliar pelas crises que já aconteceram. Outra inquietação que afecta os membros do Centro Internato da Vila de Rapale é a falta do precioso líquido para todas as actividades, incluindo para consumo. Não existe nenhum sistema de abastecimento de água convencional. Os alunos percorram mais de 10 quilómetros para encontrar rios e poços tradicionais.
Sem dinheiro, a instituição a que nos referimos forma os futuros dirigentes desta nação da forma que pode, o que faz com que se pense que está a atravessar um momento de carência cuja solução não se vislumbra. Os estudantes queixam-se igualmente da falta de vasos sanitários condignos. É que para os 165 instruendos daquele estabelecimento de ensino só estão disponíveis duas casas de banho precárias, uma para homens e outra para mulheres. No centro não há luz.
Segundo os nossos interlocutores, há focos de defecação a céu aberto nos arbustos próximos por conta da falta de latrinas em boas condições e em número suficiente para o grupo. “A direcção nunca se preocupou em criar mínimas condições de higiene”. A situação tende a atingir contornos preocupantes perante a indiferença de quem devia mover palhas com vista a evitar o pior na época chuvosa que se aproxima.
Os alunos já receiam contrair doenças e isso causa-lhes insatisfação. Aliás, o director do Centro Internato da Vila de Rapale disse-nos que há falta de transporte para evacuar os enfermos para uma unidade sanitária em caso de alguma doença, sobretudo em casos de alguma enfermidade grave. Refira-se que esta instituição se situa a cerca de cinco quilómetros da vila sede de Rapale.
Os instruendos queixam-se igualmente da ausência de segurança, sobretudo no bloco feminino, uma vez que não dispõe de vedação, iluminação, dentre outras medidas de precaução e que garantam conforto. Hermínio André reconheceu este problema e contou-nos que o estabelecimento não possui instalações próprias, por isso os estudantes do sexo masculino vivem numa residência pertencente aos padres de uma igreja Católica, enquanto as meninas se encontram (des) acomodadas numa casa de uma organização não-governamental cujo nome não nos foi revelado.
Para ultrapassar essa dificuldade, o governo distrital está a envidar esforços no sentido de mobilizar fundos para a construção de um estabelecimento de ensino com condições básicas para um ser humano se sentir confortável, de acordo com o nosso entrevistado, que não avançou datas para o efeito.
É em situações semelhantes a estas que os estudantes de vários centros de internato espalhados pelo país, principalmente nos distritos, são instruídos. Por exemplo, recentemente, os alunos do Instituto de Formação em Administração e Cartografia (INFATEC), sito no bairro da Machava, na cidade da Matola, queixaram-se, também, ao nosso jornal de estarem a viver em precárias condições de alojamento que se resumiam na degradação daquela instituição sem o devido restauro, nas dificuldades de acomodação, na falta de água e luz, na alimentação inadequada e na precariedade da higiene.
Os estudantes em causa dirigiam-se às famílias que vivem nas proximidades da sua escola para ter acesso ao precioso líquido. Eles faziam necessidades biológicas num arbusto local quando não era possível recorrer aos vizinhos.