A Assembleia da República criou, através da Lei de Minas (20/2014, de 18 de Agosto) a Alta Autoridade da Indústria Extractiva (AAIE), uma entidade que deve ser estabelecida pelo Governo até finais de Agosto de 2015. Numa disposição atípica, a lei deixa para o Governo a definição do enquadramento legal, incluindo competências, composição e mecanismo de designação dos membros. Já decorreram 12 meses desde a aprovação da Lei e não se ouve nada sobre este assunto. Será a AAIE um potencial elefante branco?
Moçambique tem enormes potencialidades em recursos minerais, o que tem atraído multinacionais mineiras e petrolíferas, algumas das quais já estão a operar no país, tendo efectuado descobertas de significativas reservas de gás natural, carvão mineral, entre outros recursos. As empresas investem muito dinheiro na prospecção dos recursos; por isso, o entendimento de que o sector extractivo é de alto risco. Por este risco, as empresas têm, também, expectativas de altas recompensas através de contratos bastante favoráveis e obrigações fiscais generosas.
É dado assente que contratos altamente favoráveis para as empresas multinacionais e obrigações fiscais generosas retardam significativamente a chegada de receita substancial para os cofres do Estado. Mas há outros factores que contribuem para tal: custos de capital e de exploração inflacionados, deficiente capacidade do Estado para monitorar a produção por parte das multinacionais (quantidade e qualidade, incluindo preços de venda).
Então, a boa governação do sector extractivo – na perspectiva do Estado detentor dos recursos – pressupõe o reforço da capacidade institucional para, entre outros, reduzir os riscos que, em paralelo com os contratos altamente favoráveis e obrigações fiscais generosas, retardam a chegada de receita substancial para os cofres do Estado.
A Alta Autoridade da Indústria Extractiva é parte deste processo de criação de capacidade. Neste momento, a monitoria do sector mineiro é garantida pelo Instituto Nacional de Minas (INM)1 e Inspecção Geral de Minas, e no sector de hidrocarbonetos pelo Instituto Nacional de Petróleos (INP) que, ao mesmo tempo, é a entidade reguladora. Para além de regularem as operações petrolíferas e mineiras, propondo políticas, fazendo o licenciamento, avaliando e actualizando o potencial de recursos mineiros no país, entre outros, estas entidades procedem à monitoria e fiscalização da implementação dos projectos em sede dos contratos.
Ao longo dos últimos dois anos, o Centro de Integridade Pública (CIP) publicou análises que mostram, de forma detalhada, os riscos, primeiro, da chegada demasiado tardia de substancial receita para o Estado e, segundo, de o país ter uma contribuição mínima da exploração dos recursos para o seu desenvolvimento. Eis alguns exemplos:
– A exploração de areias pesadas de Moma, em Nampula, é realizada pela Kenmare Moma Mining Limited que vende para a Kenmare Moma Processing Limitada que extrai os seus derivados (ilmenite, zircão e rutilo) para vender. As duas empresas são subsidiárias do grupo Kenmare, baseado na Irlanda. A primeira está registada nas Maurícias, um paraíso fiscal. Mas as questões administrativas das duas empresas estão a cargo da Kenmare C.I Ltd, registada em Jersey, outro paraíso fiscal, para onde os lucros gerados em Moçambique são enviados.
– O gás natural de Pande-Temane, em Inhambane, é explorado pela companhia sul-africana Sasol Petroleum Temane, registada em Moçambique, que vende o recurso à Sasol Petroleum (empresa sul-africana) a um preço muito baixo. Ao longo de 10 anos de produção, enquanto o preço de gás no mercado internacional registava variações, o gás moçambicano era vendido ao mesmo preço durante o referido período. Portanto, enquanto a empresa sul-africana comprava a 1.44 dólares/gigajoul em Moçambique, vendia no exterior a 7.23 dólares/gigajoul.
– A empresa Anadarko declarou aos seus accionistas, em Outubro de 2012, que havia realizado em Moçambique despesas de exploração num valor total de 700 milhões de dólares. Um ano depois (Setembro de 2013) a empresa referiu publicamente, repetidas vezes, que as suas despesas haviam totalizado 3 (três) mil milhões de dólares.
Entretanto, informações prestadas aos accionistas referem que as operações globais da Anadarko (incluem Moçambique, Golfo do México, Serra Leoa, Quénia, Costa do Marfim e Nova Zelândia) totalizaram 1.3 mil milhões de dólares em 2013. Actualmente, a empresa fala de custos na ordem de 5 mil milhões de dólares em Moçambique.
Entretanto, da parte do Governo não houve nenhuma acção sobre estes casos. A AAIE seria a entidade que, entre outras actividades, se ocuparia de realizar uma sindicância a estes projectos. Experiências internacionais, particularmente da Tanzânia, mostram que, por um lado, uma entidade como a AAIE pode ajudar o Governo a obter receitas devidas pela exploração dos recursos minerais, detectando as tentativas de evasão fiscal por parte das empresas, auxiliando a Autoridade Tributária, bem como pode ajudar a prevenir conflitos de interesse e corrupção por parte do poder público. Por outro lado, entidades como a AAIE podem ter um papel virado para a monitoria da utilização dos recursos provenientes da indústria extractiva, como ocorre no Gana.
Os exemplos da Tanzânia e do Gana mostram que é importante e urgente o estabelecimento da AAIE, mas a sua relevância depende de um melhor enquadramento legal, no sentido de conferir independência perante o poder público, quer em termos de competências, composição e mecanismo de designação dos seus membros, que devem ser baseados na competência profissional. A disposição actual da lei prevê que a AAIE preste contas ao Conselho de Ministros. Provavelmente o melhor seria dispor que a AAIE preste contas ao Parlamento, o que pressupõe a revisão do número 1 do artigo 25 da Lei de Minas.