Ali Faque é um dos músicos prodigiosos de que Moçambique se orgulha de ter visto nascer no século XX. Abandonado pelo pai, pura e simplesmente por ser albino, o cantor encontrou na música um escudo que lhe repôs alguma alegria na vida. Ao longo da sua carreira – que se confunde com a sua idade – o autor de Kinachukuru publicou seis álbuns e tem uma opinião particular, em relação à vida dos músicos no país.
Infelizmente, no mundo contemporâneo histórias similares ainda se repetem. Por ser albino, Ali Faque foi rejeitado pelo pai, tendo sugerido à sua mãe que o retirasse a vida. Mas a mãe – influenciada pelo amor materno – preferiu perder o lar e proteger a prole. O impacto da situação – além da separação do casal – foi que Ali cresceu apartado do pai.
Ainda na infância, quando frequentava a 4a classe, o músico ingressou na Escola da Casa da Cultura de Nampula, onde aprendeu os primeiros acordes da guitarra. Sobre essas peripécias, Ali recorda-se de que não foi fácil experimentá-las. Por isso, para si, superá-las foi obra de Deus. Na Casa da Cultura, onde aprendeu a arte de cantar e tocar instrumentos musicais, foi como se tivesse descoberto um abrigo que se chama música. Com efeito, esforçou-se imenso para dominar as ferramentas musicais disponíveis.
“Nas aulas, eu redobrava a atenção a fim de dominar os instrumentos porque queria gerar músicas com uma qualidade acentuada. Só assim poderia completar o meu sentido de arte”. O seu treinamento musical era realizado nos fins-de-semana, mas como, na altura, poucas pessoas apreciavam a música, a escola acabou por encerrar por falta de alunos. Em resultado disso, Ali Faque criou condições para ter a sua própria guitarra a fim de praticar. Foi a partir daí que o artista começou a actuar na escola e nas casas de pasto da cidade de Nampula.
“Dedicava-me muito à música porque – ainda na infância – ganhei a consciência de que esta é a profissão com a qual me identifico”. No entanto, a partir de 1983 em diante, o artista passou a ter domínio pleno na utilização da viola e do piano. Recorde-se que antes de se tornar músico, Ali Faque praticou dança tradicional no Grupo de Dança da Escola Primária dos Limoeiros, na cidade de Nampula, onde igualmente orientava um grupo de teatro. Dessa dinâmica artístico-cultural, o bailarino tornou-se vocalista tendo descoberto, assim, que tinha pendores para o canto.
Em 1995, o músico viaja pela primeira vez para a cidade de Maputo, com o objectivo de aprimorar a sua forma de trabalhar a música. Na capital do país, Ali Faque associou-se a alguns artistas renomados como Zena Bacar, Stewart Sukumah e Mr. Arsen. Em resultado dessa experiência, o intérprete publicou a sua primeira música com o título Kinachukuru, a fim de agradecer a Deus e a sua mãe pela dádiva da vida e por tê-lo protegido dos perigos que se lhe apareceram imediatamente. A obra Kinachukuru foi um sucesso que se eterniza ao longo dos tempos, não só pelo ritmo particular que possui, mas, acima de tudo, pela mensagem que transmite em relação à luta contra a descriminação.
“Não posso culpar ao meu pai por me ter recusado, mas tive de agradecer a minha mãe por se ter divorciado dele para me proteger da morte”. Alguns anos mais tarde, Ali Faque publicou a colectânea Habibi – o mesmo que Amor – a partir da qual pretendia transmitir mensagens do referido sentimento em relação à vida, ao próximo, bem como ao bem-estar social entre os Homens. “Um mundo sem amor é um espaço social falido. As pessoas devem respeitar-se mutuamente como forma de reconhecer a existência do outro”, diz Faque reforçando as mensagens que veicula nas suas obras.
A colectânea Habibi é composta por dez faixas musicais e foi gravada em Moçambique, masterizada na África do Sul e concluída em Portugal. O circuito pelo qual a obra passou deve-se ao facto de o artista ter pautado por uma qualidade particular, que sempre desejou que as suas músicas tivessem. Ali Faque aposta numa música acústica em que mistura ritmos tradicionais e modernos, focalizando-se nas tendências do mundo contemporâneo. Por outro lado, o músico aposta tanto em projectos de fusão de diversos géneros, misturando a Marrabenta e o Rock com a música clássica, sem ignorar a música tradicional macua, a fim de que a sua identidade cultural seja preservada.
Do seu vasto reportório musical, as músicas Salif Keita (que é um tributo ao referido artista maliano), Kinachukuru, bem como o álbum Rehema são as mais célebres. Presentemente, a publicação de um novo trabalho discográfico não é uma meta para Ali. O artista pretende consolidar as experiências que coleccionou ao longo da carreira, com enfoque para as dos seus primeiros anos de vida. “Descobri que tenho de desenvolver novos aprendizados em novas áreas de produção e conhecimento”.
É nesse sentido que o artista considera que quem quer tornar-se músico (e competir nesse mercado) deve, antes de mais, ter uma formação em qualquer área secular, de modo que não se arrependa no futuro. Ali reporta casos de jovens que se envolveram na música sem terem concluídos os estudos e, consequentemente, acabaram arruinados. Assim, é importante que as pessoas valorizem a formação académica associando-a com a arte.
Nos dias que correm, explica o artista, mesmo que apareça uma editora comercial a propor-lhe a edição e a publicação de um trabalho discográfico não aceitaria. O problema é que não conseguiria produzir músicas, puramente, comerciais. “O mercado da música está fechado, por isso, para mim, gerar obras comerciais seria uma grande ginástica”. Entretanto, olhando para a realidade actual do país, marcada pela falta de editoras discográficas – o que dificulta a produção artística – Ali Faque afirma que esta situação não deve, de forma alguma, implicar a morte do artista.
“Para continuar a viver, o músico deve melhorar, continuamente, os seus conhecimentos artísticos a fim de executar vários estilos musicais”. É nesse sentido que Ali convive pacificamente com o facto de os artistas jovens apostarem mais nos novos géneros musicais. No entanto, é preciso reconhecer que “em cada momento, surgem novos géneros de músicas, mas como não têm sentido desaparecem rapidamente”.
