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Alguém viu arroz de 3ª qualidade?

E o arroz que nos deram?

Cinquenta e um dias depois das manifestações de Maputo e Matola, nota-se que o Governo não disse a verdade sobre as medidas de austeridade: terá o 1 de Setembro contribuído para mitigar a carestia de vida, marcando a consolidação do arroz de terceira qualidade como prato principal na mesa dos moçambicanos?

A resposta é não. Se para se sossegar uma criança se costuma muitas vezes deitar mão a guloseimas e outros atractivos, para se acalmarem os ânimos depois das manifestações de 1 a 3 de Setembro, o Governo adoptou o sistema de aplicações de remendos. Como é o caso do arroz de terceira qualidade.

No dia 7 de Setembro, Aiuba Cuereneia, ministro da Planificação e Desenvolvimento, anunciou que o arroz de terceira qualidade baixaria 7.5 porcento. Os meios de comunicação social do país, quais caixas de ressonância, serviram de correios de transmissão de uma informação que a população aguardava ansiosamente.

A primeira reacção à medida do Governo foi de vitória para os que se fizeram à rua para protestar contra a subida de preços dos bens básicos, até porque tudo indicava que assim aconteceria. Mas, volvidos 51 dias, o mercado nacional não dispõe de tal cereal.

A Direcção Nacional da Indústria e Comércio revelou, há duas semanas atrás, que não havia arroz de terceira qualidade e que ainda estavam a decorrer negociações com os importadores no sentido de proverem o mercado nacional daquele produto. Mas, ainda esta semana, a mesma fonte daquela instituição estatal afirmou, em contacto telefónico com @ Verdade, que a partir do momento em que as medidas foram dadas a conhecer assistiu- se à entrada, “em massa”, daquele cereal no país, não especificando a quantidade do produto.

“Este é um mercado livre, as empresas importam de acordo com o estudo de mercado que fizeram. Ou seja, a importação é livre e o Governo não define a quantidade que se deve importar”, diz o interlocutor para depois salientar que “há importações em curso” para responder às necessidades do mercado.

Ronda pelos mercados

Furibunda, justamente indignada, uma senhora olhou-nos muito séria e atirou-nos: “Ah! É jornalista? Então pergunte quem põe cobro a isto!” Referia- se a nossa interlocutora à alta de preços verificada nos géneros alimentícios e de que toda cidade fala, com maior incidência para as donas de casa que, de uma maneira geral, andam mesmo revoltadas com o que se está a passar no concernente ao arroz de terceira qualidade e outros produtos de primeiríssima necessidade.

@Verdade andou em tempo de ronda pelos mercados. Viu, ouviu e indagou. Nem uma só pessoa contradisse a inexistência deste cereal.

Onde está afinal o arroz de terceira qualidade? De resto, esta pergunta, mal sonante, está a esconder muita coisa. Se é verdade que este cereal é caro não é menos verdade que hoje, volvidos 51 dias, o mercado ainda não dispõe de tal produto. Um saco de arroz verde, o mais barato que encontrámos, custa 620 meticais.

Longe ainda e já o célere odor do velho e anacrónico mercado do Xiquelene nos fala dos preços exorbitantes de arroz e da revolta que efectivamente haveríamos de encontrar nos depoimentos daqueles que amavelmente quiseram referir-se-lhes.

Há gente por todo o lado. Deparámos também com alguns turistas (mas estes alheios ao drama de todas aquelas senhoras) em demanda de missangas e outras bugigangas que lhes sirvam de “souvenir” de Maputo.

Uma e outra vez uma palavra mais ríspida, solta quando não se encontra o arroz que baixou 7 porcento ou quando o preço subiu de repente mais do que as economias podem comprar… Por mais espantado que o leitor fique, a verdade é que estas palavras – e aliás perfeitamente compreensíveis – são proferidas por senhoras de todas as camadas sociais.

Como que escapam, sem querer, e lembram, ali, um grande cartaz onde ficam inscritos os sentimentos de revolta contra um estado de coisas que não pode nem se deve prolongar por mais tempo.

Motivo: nos mercados de Maputo não se encontra o rasto do famigerado arroz de terceira qualidade. As pessoas continuam a adquirir o mesmo arroz que antes consumiam, mas não pelo mesmo preço.

Por exemplo, um saco de arroz de 25 quilos que em Outubro custava 584 meticais, hoje é comercializado a 687. Desde o arroz Tia Rosa, a 750 meticais o saco, passando pelo do Xirico onde os preços variam entre 620, 625, 650 e 720, até ao Coral, a 730. Tudo, nos locais onde o povo compra foi aumentado assim mesmo, de um momento para o outro, ante a raiva autêntica mas impotente das donas de casa.

O arroz de terceira qualidade, o mesmo que alguns consumidores interpelados pelo jornal ainda não viram nos armazéns e tão-pouco nas prateleiras de supermercados ou mercearias, que abundou no mercado nacional nos anos ‘80 era constituído por 100 porcento de trinca.

Considera-se agora que o arroz de terceira qualidade é o que apresenta 25 porcento de grãos partidos, o qual actualmente é ensacado e vendido como se se tratasse de segunda e, muitas vezes, comercializado aos consumidores menos atentos como de primeira.

Os maiores importadores

A fila à porta do armazém da Delta Trading, na baixa da cidade de Maputo, começa a formar-se nas primeiras horas da manhã pelo passeio fora. É comum, diz um dos homens na fila, esse tipo de enchentes para comprar arroz ou farinha. “Tem sido assim nos primeiros dez dias de cada mês”, explica Anastácia – de 46 anos de idade, com um filho nas costas –, enquanto observamos a multidão alinhada a mexer-se subitamente quando uma mulher tenta passar à frente.

“Com esta subida de preços não há arroz ‘acessível’ que baste. As pessoas estão a passar fome. Esse tal arroz de terceira qualidade não existe.” Na verdade, “em períodos de tumultos todas as promessas são legítimas para tentar convencer os cidadãos”, protesta Eleutério Fumo na cauda da fila.

Dentre os maiores armazenistas em Moçambique destacam- se os grupos Africom e Delta Trading Moçambique que importam para o mercado doméstico o arroz da Tailândia e Paquistão, países que figuram na lista dos maiores produtores deste tipo de cereal. Além destes, existem outros pequenos importadores e também revendedores a operarem a nível nacional.

Medidas psicológicas

O povo continua a pagar o arroz mais caro, apesar de que o Executivo de Armando Guebuza decidiu, alto e bom som, baixar o preço deste cereal (3ª qualidade) em 7.5 porcentos diferindo os direitos aduaneiros sobre o produto.

Dizer que se vai reduzir o custo de um determinado bem de consumo quando o mesmo não existe no mercado é, segundo o economista Zaqueo Sande, uma medida politicamente aceite para apaziguar os ânimos do povo.

“Isto só vem a confirmar o que alguns analistas já diziam, segundo os quais as medidas anunciadas do Governo para congelar o aumento do preço foram apenas psicológicas”, comenta e acrescenta ainda que não se diz quanto é que está a ser poupado: “No ano passado já se vinham tomando algumas medidas de contenção de gastos e, ao fim ao cabo, ninguém sabe quanto se poupou. Agora, corremos o risco de se começar a importar o arroz fora do período estabelecido”.

A mesma opinião é partilhada pelo economista Humberto Zaqueu que, além de afirmar que são medidas psicológicas ou “mais um instrumento para abafar os ânimos do povo”, o Governo tomou essa posição para deixar transparecer que está preocupado com a situação em que o seu povo vive e fazer acreditar na sua actuação.

O arroz de terceira qualidade não existe no mercado há vários anos. As medidas de austeridade foram tomadas sob pressão popular e não há garantia de que as mesmas venham a ser cumpridas, pois, na óptica de Zaqueu, não há estrutura para fiscalizar as actividades do Governo. “Não há matéria para mostrar que, de facto, houve contenção de despesas públicas. Até que ponto as medidas de austeridade serão cumpridas?”, indaga.

Humberto Zaqueu acredita também que o Executivo moçambicano tomou as medidas para tornar o país governável, mas correndo o risco de cair numa situação difícil de gerir: “Digamos que foi um erro estratégico do Governo para ganhar a confiança do povo”.

Em suma: assim vai, descarada e autêntica, a libertinagem de preços no arroz, um bem essencial ante a indiferença da entidade competente e para gáudio dos senhores oportunistas escudados nesse palavrão já vulgarizado e que vem propiciando toda a casta de abusos, transformando em legal aquilo que não passa de condenável ilegalidade: a inflação, uma espécie de máscara daqueles indíviduos menos dados a escrúpulos e que sabem de cor o provérbio: “em terra de cegos quem tem olho é rei”, o qual, no caso vertente, poderia ser traduzido para: “em tempo de crise no enganar é que está o ganho”.

Mas então o povo, toda essa gente de fracas posses? Ora, o povo que se amanhe! Refilando ou não, o importante é que vai pagando. Pois que vá pagando.

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