Faça o seguinte: coloque a sua filha ou neta, de preferência entre cinco e nove anos, diante de duas bonecas, uma branca e uma negra. Depois, diga-lhe para escolher uma. Pergunte-lhe em seguida a razão da escolha. Depois ainda, diga-lhe para escolher a mais parecida com ela. No fim, veja o resultado.
Nos anos ’40, o Dr. Kenneth Clark e a sua esposa, Mamie, efectuaram um estudo, que ficou conhecido pelo nome dos próprios, com estes pressupostos e descobriram que as crianças negras gostavam mais das bonecas brancas. Fundamentalmente, o que lhes perturbava (e sobretudo à sociedade americana) eram as razões da escolha: as bonecas negras eram vistas como más e as bonecas brancas como boas.
O resultado levou os Clarks a concluir que as crianças negras tinham interiorizado um sentido de inferioridade e ódio próprio, facto que o casal atribuiu parcialmente à segregação escolar no país. Os resultados do estudo acabariam por influenciar a legislação de 1954, banindo definitivamente a segregação racial nas escolas norte-americanas.
Recentemente, volvidos 60 anos, uma escola secundária americana resolveu repetir a experiência e os resultados foram semelhantes.
Este foi o desafio que na semana passada uma audiência, constituída maioritariamente por negros, numa universidade americana, me impôs quando levantei o caso para dissolver referências à raça como base das relações num mundo globalizado. O meu ponto de vista não foi bem aceite e a história das bonecas foi dominou a discussão.
A questão é que eu ouvi vezes demais a história das crianças negras escolherem bonecas brancas. Aliás, a história continua a ser utilizada para manter acesas conversas sobre racismo, servindo para abafar conversas sobre outras formas de relacionamento entre humanos. Então, de forma um pouco irritante, coloquei uma série de questões que agitaram a audiência. Porque é que as crianças negras escolheram bonecas brancas? É possível que no século XXI as crianças negras olhem para além da raça e escolham bonecas por razões que não tenha que ver com a cor da pele? S
e a criança negra fosse unicamente racional, e tivesse visto somente pessoas negras em papéis negativos como criminosos, então era natural que nunca escolhesse as bonecas negras?
Por outras palavras, porque é que a escolha das jovens negras gera repugnância e antipatia? Não serão as suas escolhas uma consequência do comportamento e das escolhas dos adultos em ambas as comunidades? E porque é que, tantas décadas após a abolição da segregação racial, as crianças negras continuam a escolher as bonecas brancas?
Sei de há muito, pela história, que na África do Sul e nos Estados Unidos a brancura era sinónimo de bondade, beleza e aspiração. O meu espanto é: porque é que este comportamento persiste quando os dois países possuem presidentes negros?
O que dizer em relação à África do Sul, onde o Governo é controlado por negros e, progressivamente, a economia, os media, as escolas e os currículos? Nós, como adultos, é preciso que se diga, somos culpados pelas escolhas das nossas crianças.
Isto traz-me à mente a história do senhor Zuma, o presidente do ANC. Eis um homem imensamente popular entre os negros pobres sul-africanos. Zuma é simpático e acessível, e sabe como ninguém comportar-se perante uma multidão. Ainda que ele seja também, para muitos sul-africanos, um homem com problemas de credibilidade – uma questão relacionada com a sua vida sexual, com negócios obscuros, e, claro, permanece sem resolução o assunto ligado a negócios de armamentos e qual terá sido o seu papel.
O nosso próximo presidente, nos termos da lei, não terá por agora que responder por nenhuma destas acusações, embora uma nuvem negra no que diz respeito à sua credibilidade permaneça para sempre.
As crianças, contudo, não são cegas em relação ao que se passa no obscuro mundo das leis e da política. Elas testemunham como é que escolhemos os nossos líderes. Elas vêem a nossa hipocrisia como quando empenhamos certos valores em troca de poder. Elas observam como é que um enraivecido jovem político negro com ambições insulta grandes líderes morais como Desmond Tutu, ou como é que um governo negro recusa vistos de entrada no país a grandes homens de paz como o Dalai Lama.
Estamos ainda surpresos, portanto, quando uma criança negra escolhe uma boneca branca?
*Professor universitário e colunista do jornal sul-africano “Mail & Guardian”.