Em Nampula, o rapto de pessoas com ausência de pigmentação na pele remonta aos finais de 2014. De Dezembro a esta parte, aproximadamente uma centena de pessoas com albinismo foi vítima. Alguns indivíduos foram mortos e outros são dados como desaparecidos. Em conexão com esses casos, 42 indivíduos encontram-se detidos. Curandeiros africanos chegam a pagar 75 mil dólares norte-americanos por um conjunto completo de órgãos de um albino para usá-los em feitiços que acreditam trazer boa sorte, amor e riqueza. Devido a esta “caça”, os albinos vivem em pânico nesta parcela do país.
Em Março do corrente ano Organização das Nações Unidas (ONU) alertou para o aumento de ataque contra pessoas com albinismo em vários países do sul e leste de África devido a proximidade de eleições em vários países onde políticos recorrem a rituais de bruxaria para aumentar as suas hipóteses de chegar ao poder.
Para se inteirar desta dura realidade que continua a semeiar luto nas famílias moçambicanas, o @Verdade entrevistou familiares das vítimas. Dos nossos entrevistados, ficámos a saber que o recrudescimento do crime deve-se à inoperância das autoridades policiais.
Os casos mais recentes ocorreram em Namina, Larde e Malena, nos meses de Setembro e Outubro, onde um jovem desapareceu em circunstâncias estranhas, e outros foram assassinados, nomeadamente Alfane António e Lídia Carlitos.
Segundo Maurício Carlitos Pedro, irmão da Lídia Pedro que deixou duas menores de seis e sete anos de idade, esta foi raptada na sua casa, no posto administrativo de Muralelo, distrito de Malema, pela calada da noite. A vítima foi levada até a uma mata, perto de um cemitério, onde viria a ser assassinada. Os malfeitores extraíram algumas partes do corpo da malograda desde tripas, seios, dentes, cabelo, entre outras. Os assassinos aproveitaram-se da ausência do marido de Lídia para raptá-la.
Naquele dia, de acordo com Pedro, o seu cunhado não dormiu em sua casa, mas descarta a possibilidade de este ser conivente no assassinato de sua irmã. Lídia tinha 25 anos de idade e vivia nos últimos dias em pânico.
Importa referir que o nosso interlocutor e o seu irmão Ricardo Carlitos Pedro também são albinos e, com o sequestro e morte da sua irmã, eles sentem-se ameaçados. Neste momento, aqueles cidadãos encontram-se na cidade de Nampula.
Pedro disse que o caso está a ser tratado pelas autoridades policiais de Malema, mas desde aquele dia a esta parte não houve nenhum desenvolvimento.
No caso do Alfane António, enfermeiro que foi raptado e esquartejado em Larde, no passado dia 17 de Setembro, o @Verdade soube que seis indivíduos, sendo um deles parente da vítima, se encontram detidos e um processo-crime está a seguir os trâmites legais no distrito de Angoche.
Pela manhã do dia 17 de Dezembro de 2014, um jovem, com albinismo, identificado por Auxílio César Augusto, de 21 anos de idade (até àquela data), desapareceu, após receber o convite de indivíduos ainda a monte para passear. O facto deu-se no bairro de Mutauanha, na cidade de Nampula, e o local do encontro entre a vítima e os presumíveis malfeitores foi na Avenida do Trabalho, concretamente no posto de abastecimento de combustível na zona da Faina.
Segundo Eduardo César Augusto, o pai da vítima, os supostos raptores teriam convidado o seu filho com promessas de empregá-lo na fábrica de Cervejas de Moçambique (CDM), onde auferiria 15 mil meticais mensais.
O pai da vítima encontrava-se fora da cidade, quando foi colhido de surpresa com a notícia e tratou de participar o caso na 1ª Esquadra, onde foi aberto um processo criminal sob número 2857/PIC/2014.
Augusto disse que um dia depois do desaparecimento de Auxílio, um jovem de nome Elias Martins teria chegado à sua casa procurando pelo seu filho, a fim de lhe oferecer um emprego. Tal situação terá chamado a atenção da família, uma vez que tal indivíduo apresentou uma proposta salarial igual a que motivou o desaparecimento da vítima.
Eduardo Augusto denunciou o indivíduo às autoridades policiais que viriam a detê-lo. O processo para o interrogatório do acusado teria sido remetido à Polícia de Investigação Criminal (PIC) a 05 de Fevereiro de 2015, sendo que foi ouvido no dia 12 de Fevereiro. No dia seguinte (13), o juiz de instrução criminal que instaurou o processo exarou um despacho deliberando que se mantivesse a prisão preventiva do Elias Martins, mas arquivou o processo.
Segundo o nosso entrevistado, desde aquele dia nada houve. Mas para o seu espanto tomou conhecimento da soltura do acusado, alegadamente porque um advogado teria requerido a liberdade do mesmo por insuficiência de provas do seu envolvimento no rapto de Auxílio Augusto. Elias Martins foi solto a 03 de Março, fazendo-se cumprir um despacho exarado pelo juiz, a 27 de Fevereiro, e só o processo foi devolvido à PIC no dia 18 de Março. O acusado não foi, segundo o pai da vítima, interrogado pela Polícia.
“O juiz de instrução criminal é conivente no rapto do meu filho. Primeiro ele exarou um despacho que mantinha a prisão preventiva do acusado, mas engavetou o processo. Porquê?”, indagou Augusto, que acrescentou: “Ele revogou o seu primeiro despacho duas semanas depois, por alegada intervenção de um advogado. Ele engavetou o processo, porque sabia que um advogado apareceria para requerer a liberdade do arguido”.
O nosso interlocutor afirmou ainda que Elias Matins não tem condições financeiras que lhe permitam constituir um advogado, daí que acredita que o mandante do rapto do seu filho foi quem contratou os serviços daquele profissional.
Além disso, a nossa fonte revelou que já denunciou o mandante do crime às autoridades policiais, mas estas mostraram-se indiferentes. Eduardo Augusto disse que já foi expôr a sua preocupação à Procuradoria Provincial há meses. Insatisfeito com a forma como está a ser tratado o caso, o cidadão fez uma exposição ao Presidente do Conselho Superior da Magistratura Judicial, a qual deu entrada no dia 21 de Agosto do ano em curso, mas também até à data não foi acusado.
É de salientar que Auxílio Augusto não é/era único filho de Eduardo Augusto com albinismo.
Abiazer e Pedro César Augusto vivem aterrorizados por causa da onda de raptos em Nampula. Abiazer Augusto tem 29 anos de idade, é casado, mas ele viu-se obrigado a mudar de residência, porque descobrira que estava a ser “caçado” na zona onde vivia, no bairro de Muatala.
O caso de Auxílio Augusto não é o único nos arquivos das autoridades policiais e judiciais em Nampula. Diamantino António Simila é um jovem que nasceu com albinismo e, por isso, sofreu uma tentativa de rapto perpetrado por uma amigo da sua irmã, que identificou por único nome de Ramadane, no passado mês de Janeiro.
Segundo Simila, tudo teria começado quando o seu telemóvel tocou. Era a chamada de Ramadane, trabalhador da KENMARE em Larde, que lhe recomendou que juntasse documentos para beneficiar de um posto de emprego em Topuito. O suposto infractor teria obtido o número de contacto através da irmã da vítima.
Dias depois, Simila recebeu uma chamada de Ramadane que solicitou que ele fosse ter com este imediatamente. O encontrou foi marcado para as proximidades da Escola Secundária de Namicopo, bairro de Carrupeia. O nosso interlocutor fez-se ao local, onde lhe foi pedido por Ramadane para ir com ele até ao Hospital Central de Nampula, supostamente para doar sangue a uma criança albina que se encontrava de baixa e seria receberia 20 mil meticais.
O indivíduo fazia-se transportar numa viatura na companhia de outras duas pessoas que, para Simila, eram estranhas. Com o apoio de populares, Simila recusou o convite, pese embora Ramadane tenha subido o valor para 25 mil meticais. Chegado a casa, ele informou a sua mãe do que se passava, que tratou de denunciar o caso à Polícia.
Dias depois, ainda em Janeiro, Simila levou o caso à Procuradoria Provincial, onde viria a ser solicitada a comparência de Ramadane, mas na ausência do queixoso. Simila disse que foi dito na Procuradoria que o infractor confessou que pretendia traficar o jovem.
O que preocupa Simila é o facto de, volvidos cerca de 10 meses, o caso não tenha tido nenhum desenvolvimento. “O caso está no Tribunal, mas ainda não fui chamado para ser ouvido e quando lá vou dizem-me para aguardar”, lamentou.
O @Verdade conversou com uma jovem, de 27 anos de idade, que pediu para não ser identificada. Ela foi, várias vezes, vítima de uma tentativa de rapto. A última vez que isso sucedeu foi na Rua Daniel Napatima, onde ela foi abordada por três indivíduos que se faziam transportar numa viatura de marca Toyota Corola.
A cidadã estava na companhia do seu irmão e cunhada, que também se encontravam num carro. Quando ela e a sua cunhada desceram do veículo com o intuito de entrar na loja PEP, viu-se recolhida por dois indivíduos que só a largaram graças à pronta intervenção do seu irmão.
Nos últimos dias, ela tem recebido várias mensagens com um ameaçador. O caso está, segundo a nossa entrevistada, nas autoridades policiais. Algumas pessoas albinas já desistiram das aulas sob pena de serem raptadas. Sania Muaine, de 19 anos de idade, é exemplo disso. Aluna que frequenta a 9ª classe na Escola Secundária de Namicopo, ela viu-se obrigada a abandonar os estudos há quatro meses.
Quarenta e dois indivíduos detidos
Cristóvão Mário Mondlane, procurador provincial de Nampula, disse que a onda de raptos a pessoas com albinismo preocupa as autoridades judiciais na província, daí que foram accionados mecanismos de forma a combater este mal.
Questionado sobre o tratamento dos processos-crimes que deram entrada na sua instituição, Mondlane afirmou que nenhum dos profissionais deve ser apontado como conivente. A morosidade deve-se aos procedimentos que devem ser seguidos. Para além disso, os acusados nunca revelam os seus mandantes.
A nossa fonte disse que até àquele momento que concedia a entrevista ao @Verdade, estavam detidos 42 indivíduos, sendo que dois seriam restituídos à liberdade por ter sido provado que não estavam envolvidos no crime. Em conexão com este tipo de crime, a Procuradoria teria instruído 22 processos-crime, sendo que o primeiro caso a ser julgado teve lugar na passada quarta-feira (14), mas não teve desfecho.
Num outro desenvolvimento, Mondlane afirmou que os supostos criminosos “caçam” as pessoas com albinismo e, depois de assassiná-las, procuram clientes; por isso, quando são interpelados não podem dizer quem são os mandantes, tendo dito que “eu pessoalmente, fazendo-me passar por cliente, já fui deter oito indivíduos que vinham aqui à procura de um comprador”.
O albinismo é um distúrbio congénito caracterizado pela ausência de pigmento na pele, cabelos e olhos devido a uma deficiência na produção de melanina pelo organismo. Em alguns casos, o distúrbio também provoca problemas de visão.
“Pessoas com albinismo estão entre as mais vulneráveis da região sul e leste de África”, disse Ikponwosa Ero, primeiro especialista de direitos humanos em albinismo da ONU, em comunicado.
“Hoje, o infortúnio deles tem sido agravado pelo medo constante de ataques por outras pessoas – incluindo membros da família – que valorizam as partes de seus corpos mais do que a vida deles.”
Curandeiros africanos chegam a pagar 75 mil dólares norte-americanos (cerca de 2,5 milhões de meticais) por um conjunto completo de órgãos de um albino, de acordo com um relatório da Cruz Vermelha, para usá-los em feitiços que acreditam trazer boa sorte, amor e riqueza.