Nas zonas rurais e nos centros urbanos muitos moçambicanos precisam de andar longas distâncias, todos os dias, em alguns casos dezenas de quilómetros, à procura de fontes de água potável. O deficiente acesso a este precioso líquido e a exposição de milhares de famílias a condições precárias de higiene e saneamento têm um impacto negativo na vida das comunidades. Os milhões de meticais que têm sido mobilizados pelo Governo ainda não são suficientes para assegurar a disponibilidade deste bem essencial a grande parte da população.
O baixo acesso ao abastecimento de água e ao saneamento básico em Moçambique, ligado à não observância de boas práticas de higiene individual e colectiva, estão também entre as principais causas do aparecimento frequente de doenças como diarreias, cólera, parasitoses intestinais e bilharziose.
Porque o permanente problema da falta de água potável martiriza muita gente, apresentamos a seguir alguns rostos que fazem com que as metas previstas nos Objectivos de Desenvolvimento do Milénio (ODM) em Moçambique no que diz respeito a este assunto e ao meio ambiente sejam um fracasso.
A qualidade não é das melhores e o esforço desencadeado para ter um bidão deixa muitas famílias de rastos. Em Lichinga, por exemplo, só à noite jorra água nas torneiras em algumas zonas. Pouco antes de o sol nascer, já existe uma fila enorme de pessoas à procura de água em casa de João Chaúque.
Os rapazes carregam dois bidões de 20 litros, um em cada braço. As mulheres transportam um balde na cabeça. O cenário neste pedaço de Maputo, Luís Cabral, é um retrato da escassez de água em Moçambique. Cerca de 40 porcento da população urbana não têm acesso a ela. Ainda na capital do Niassa, há bairros onde à noite a rua fica vazia.
O motivo é que a população corre para casa porque a água começa a jorrar na torneira. É preciso encher os baldes. Em Mocuba, onde se estima-se que cerca de 70 porcento dos habitantes consomem água do rio Licungo e dos seus afluentes, diariamente, dezenas de miúdas deslocam-se para aquela corrente de água doce de modo a assegurarem a realização de actividades domésticas e de higiene. A água é consumida sem nenhum tratamento.
Juma Januário, de 15 anos de idade, residente no bairro Marmanelo, frequenta a 10ª classe na Escola Secundária Pré-Universitária de Mocuba e é filha de uma família de baixa renda. Ela disse ao @Verdade que é a única mulher e os seus dois irmãos são muito novos. Naquela comunidade a tradição determina que as raparigas são responsáveis pelos trabalhos domésticos. Para além de outros deveres de casa, às 04h:30 a miúda dirige-se ao rio para obter água. A sua residência dista cinco quilómetros do rio Licungo, onde lava a loiça usada no jantar do dia anterior, algumas peças de roupa e toma banho para poder ir à escola.
Mergulhada num mar de incertezas, numa região onde o acesso a água potável é um verdadeiro calvário, Juma faz o mesmo exercício percorrendo a distância que vai do rio à sua casa, mas desta vez com mais carga: uma lata do precioso líquido à cabeça, pratos e roupa. “A falta de água no nosso município tende a agravar-se. Porém, devido ao constante crescimento da população, as margens do rio Licungo, que é a nossa fonte de sobrevivência, abarrotam de gente, incluindo vários alunos dos dois estabelecimentos”.
O drama repete-se no dia-a-dia de Alzira Guilherme, de 21 anos de idade, mãe de um menor, também, estudante da 10ª classe no período pós-laboral. A moça vive no bairro Marmanelo mas tem a sorte de o seu domicílio estar a três quilómetros do rio. “A falta de água deixa toda a rapariga de Mocuba agastada. Recorremos ao rio e aos poços tradicionais para obter este líquido mas há épocas em que a seca faz com que o caudal do rio reduza e a procura torna-se maior”.
Aliás, em Mocuba acredita-se que as mulheres têm estatura baixa devido ao facto de levarem latas de água constantemente à cabeça. Há casos em que a altura de algumas miúdas não vai para além de 1,2 metro. Refira-se que no período chuvoso o rio em alusão transborda e causa estragos, mormente nos distritos de Mocuba, da Maganja da Costa e de Namacurra. Em Nampula o cenário não é diferente. No resto do país, com excepção da parte de cimento da capital, a situação é a mesma: o caminho de acesso ao precioso líquido é um martírio.
As mulheres andam de um lado para o outro com uma das mãos a manter o balde na cabeça e outra nas capulanas que prendem os bebés ao corpo. Naquela província, a população queixa-se do mesmo problema. No distrito de Murrupala, apesar de o governo local afirmar que o nível de abastecimento daquele líquido vital é de aproximadamente 57 porcento, o que não se faz sentir na vida da população que percorre longas distâncias para conseguir água, o drama é maior.
“Antigamente, quando tínhamos o pequeno sistema não registávamos nenhum problema da falta de água e de nenhum outro problema ligado à saúde e à higiene individual e colectiva mas hoje várias são as doenças que têm vindo a afectar a população” disse Mucussete Maurício residente no bairro de Campo 2.
O nosso interlocutor disse estar cansado daquele problema da falta de água num distrito que é atravessado por muitos e grandes rios como, por exemplo, os rios Ligonha, Lalaua e Nathiwe. Maurício referiu que a única riqueza que não beneficia o distrito é a água potável, pois em nenhum momento se falou de fome no distrito, de doenças endémicas, entre outras situações lamentáveis.
Catarina Célia, residente no bairro de Rivuma, afirmou que o problema de água potável pode, a qualquer momento, levar a população a uma situação caótica, pois os furos construídos pelos projectos, apesar de ajudarem, há vezes em que não têm utilidade devido à sua ineficácia.
“Para se construir um furo de água pensei que seria preciso um estudo do solo para ver a qualidade do precioso líquido que há no subsolo, e se o solo não é composto por rocha, mas não é isso que se faz. Os responsáveis pela construção dos referidos furos fazem-no sem estudo, pois chegam e começam a construir alguns metros e acabam por desistir devido à quantidade de rocha existente no subsolo” acusou a cidadã que pediu ao governo para que resolva o problema da falta daquele líquido vital, visto que o distrito de Murrupula tem todas as condições para conhecer um desenvolvimento acompanhado do da população.
Os moradores do bairro de Muatala, na cidade de Nampula, não têm tido uma vida fácil, pois a constante crise de água que assola aquela zona residencial deixa as famílias sem opção. Sem o amparo das autoridades locais, os moradores são obrigados a percorrer longas distâncias para obterem o precioso líquido. À semelhança de outros bairros, em Muatala o problema de falta de água potável é recorrente, pois o sistema de abastecimento ainda é deficitário.
Em Gaza, no distrito de Mandlakaze, a situação preocupa igualmente centenas de munícipes. Segundo Rogério Mugoi, são poucas as bombas para a captação da água potável, razão pela qual os habitantes de Guijá abrem covas e ficam à espera que o líquido vital apareça, pese embora saibam do perigo de vida que esta alternativa representa, visto que o precioso líquido não está tratado.
O problema de abastecimento do precioso líquido, um direito fundamental, transformou radicalmente a vida dos residentes da capital do país, onde em algumas regiões as torneiras deixaram de jorrar água faz tempo. As ligações clandestinas tornaram o fornecimento incipiente. Nem todos podem pagar aos operadores privados que cobram acima de 30 meticais por metro cúbico.