Parado ao lado de uma das suas papaieiras e com peixe ainda vivo na mão, Audan Majid explica onde a agricultura e a piscicultura se cruzam com o objectivo único de produzir comida para o consumo próprio e para a venda. Faça sol ou faça chuva, Audan Majid está sempre na farma familiar, localizada no distrito de Marracuene, província de Maputo, Sul de Moçambique, onde pratica a agricultura, pecuária e piscicultura numa área de 105 hectares. “Utilizo os excrementos dos animais para a alimentação dos peixes e as vezes uso a água dos tanques dos peixes (rico em fertilizantes orgânicos) para regar as machambas”, explicou Majid, falando a AIM sobre a interligação da agricultura, pecuária e piscicultura.
Mas a AIM estava mais interessada a saber sobre a piscicultura, uma actividade que não é muito vulgar em Moçambique mas que é tradicional em outros países do globo.
A importância desta actividade é largamente conhecida no mundo. Os asiáticos e latino-americanos estão a dominar o ocidente com o camarão barato produzido em tanques, enquanto os seus pares moçambicanos concorrem com camarão cuja captura custa rios de combustível usado para alimentar os gigantes motores de barcos de pesca.
Além disso, em alguns países do ‘hinterland’ constitui uma das principais fontes de proteínas para as famílias pobres. Assim, esta actividade contribui para a melhoria da sua dieta alimentar e no aumento dos seus rendimentos com a venda do peixe.
Na sua edição de 30 de Agosto de 2007, o jornal britânico “The Economist” publica uma história sobre o impacto da piscicultura na vida de 1.200 famílias do distrito de Zomba, Sul de Malawi, que perderam os seus chefes de famílias devido ao HIV/SIDA.
Elas combinam a actividade agrícola e a piscicultura e vendem as hortícolas e o peixe nas comunidades circunvizinhas.
No entanto, em Moçambique, a produção do camarão e do peixe através de métodos artificiais ainda é fraca. As autoridades reconhecem que a piscicultura é uma das actividades “menos tradicionais” do sector das pescas no país.
Dados do Instituto Nacional de Aquacultura (INAQUA) indicam que Moçambique conta com cerca de oito mil tanques de piscicultura, na sua maioria pertencentes a famílias e a organizações sociais.
A Propriedade Majid deve ser um dos maiores projectos da piscicultura no país, com um total de 14 tanques em que se produz alvinos. A família Majid começou esta actividade há seis anos com apenas um tanque, número que depois duplicou, triplicou até chegar ao número 14.
Segundo Majid, este desafio foi uma espécie de atrevimento, “ninguém era formado nesta área, trabalhávamos sozinhos e não tínhamos, ate mesmo agora, financiamento”.
Hoje, esta empresa produz cerca de cem mil alvinos por ano e planeia começar a produzir peixe em quantidades comerciais. Igualmente, a família Majid pretende aumentar a área de prática de piscicultura dos actuais dois para 20 hectares.
Um aspecto encoraja: depois da construção dos tanques e outras actividades de base, tudo fica fácil: “só dedicamos duas horas ao dia para alimentar o peixe. O resto de tempo é para as outras actividades”, sublinhou Majid.
Falta perspectiva comercial
A Propriedade Majid deve ser um dos poucos piscicultores moçambicanos que desenvolvem esta actividade numa perspectiva comercial. Esta família tem agora alguns clientes firmados a quem vende os alvinos.
Segundo Audan Majid, apesar de haver poucos clientes, é possível viver com os rendimentos provenientes da piscicultura.
Neste momento, Majid tenciona iniciar a produção de outras variedades do peixe e é optimista quanto a aceitação do seu produto no mercado. Para o efeito, a Propriedade Majid está ainda a fazer estudos do mercado e a realizar experiências do melhor alimento a fornecer a estas variedades.
Contudo, ainda são poucos os piscicultores com esta visão do mercado.
No bairro de Laulane, arredores de Maputo, a AIM visitou a os campos de piscicultura da Emília Manjate, uma das praticantes desta actividade que, a semelhança de Audan Majid, também conhece o ponto de cruzamento da revolução verde e a revolução azul.
Manjate tem um vasto quintal todo ocupado por canteiros de hortícolas, restando apenas espaço para dois poços em que ela produz peixe da espécie Tilápia. Ela diz alimentar o seu peixe com as folhas de hortícolas.
De quatro em quatro meses, o peixe fica pronto para o consumo.
Mas a particularidade de Manjate é de não vender o seu peixe. Ela cria Tilápia em dois tanques, um de 23 metros por oito e o outro de 17 metros por oito, mas a sua produção é para o consumo familiar.
Desde que começou a praticar a piscicultura, há seis anos, só vendeu 3,5 latas de peixe. Ela vendeu lata de peixe (de tamanho de 20 litros cada) ao preço de 750 meticais, o equivalente a cerca de 20 dólares.
“Desde 2004 até hoje utilizo o peixe principalmente para o consumo. Em termos de dinheiro como tal, posso dizer que ainda não me rendeu nada”, disse ela.
Manjate diz que o seu peixe é saboroso, mas não tem um aspecto atraente por ser preto, cor semelhante ao do solo argiloso em que crescem.
Provavelmente, essa é a razão porque não voltam mais as únicas duas mulheres que compraram o peixe por duas vezes para o revender no Mercado do Xipamanine, um dos maiores da cidade de Maputo.
Face a esta situação, ela fica em casa e, infelizmente, nada faz para reverter o cenário e atrair mais clientes. Para agravar a situação, alguns malfeitores têm estado a roubar o seu peixe, aproveitando-se da vulnerabilidade dos tanques devido a falta de vedação.
Outras pessoas de má fé invadem os tanques, alegadamente porque provocam falta de água nas machambas localizadas mais a montante do canal que atravessa a residência da piscicultora.
Mas Manjate não é a única piscicultora que não vende o seu peixe a ninguém. No bairro da Costa do Sol, também na capital moçambicana, a AIM visitou a associação agro-pecuária local que há três anos beneficiou de dois tanques para a prática de piscicultura.
Inicialmente, os tanques foram construídos para serem de represas de água destinada a irrigar os campos, mas á agua retida ganhou salinidade devido a proximidade do mar, situação que obrigou a mudança dos planos.
A água já perdeu salinidade e os poços tornaram-se numa espécie de lagoa. O peixe não é alimentado por ninguém e nem precisa dos cuidados do homem.
Aqui, além da Tilápia, existe também o peixe-gato e uma outra terceira espécie que os agricultores não conhecem. E estas todas variedades são menos escuras porque os solos locais não são argilosos.
Entretanto, nenhum dos 306 agricultores do bairro da Costa do Sol se beneficiou do peixe daquelas duas lagoas desde que começaram a criar em 2007.
“Tem peixe grande aqui, mas nunca pescamos. Ainda não nos reunimos para debatermos o destino a dar ao peixe”, disse Marta Cumbe Muhlanga., presidente da associação.
Ela disse que os membros da associação vão reunir-se para determinarem o destino a dar ao peixe, que tanto pode ser usado para o consumo, assim como para a venda…
Enquanto demoram os planos, alguns malfeitores estão a beneficiar-se ilicitamente do peixe, como são os casos de um grupo de rapazes surpreendidos em flagrante a roubar peixe no dia em que a AIM visitou o empreendimento.
Uma característica comum de todos os piscicultores visitados pela AIM é o facto de ainda comprarem peixe mesmo tendo a Tilápia, peixe-gato, ou outra espécie qualquer, em tanques abertos em quintais das suas próprias casas. A justificação para isso é o hábito de consumir carapau ou outro tipo de peixe que cresce em águas salgadas.
Rendimentos ainda baixos
Um dos problemas da piscicultura em Moçambique tem a ver com os baixos níveis de rendimentos. Até há poucos anos, os piscicultores moçambicanos trabalhavam durante seis meses para conseguir uma média de 20 quilogramas de peixe.
Agora os rendimentos subiram para uma média de 50 quilogramas por semestre, mas este nível de produção ainda está longe do ideal de 200 quilogramas durante o mesmo período.
“Melhoramos a assistência técnica principalmente no que se refere a alimentação dos peixes, trabalhamos na renovação de alvinos e isso contribuiu muito para a melhoria dos rendimentos”, explicou Margarida Bechardas, chefe do Departamento de Tecnologia e Extensão no INAQUA.
Segundo ela, se os piscicultores tiverem uma ração melhorada, os rendimentos podem subir até cerca de 200 quilogramas. Entretanto, o problema é que não existe uma fábrica de rações para o peixe no país.
Mesmo assim, está se a trabalhar de modo a se encontrar alternativas. Bechardas diz não ser difícil. É possível produzir rações melhores para os peixes com base em ingredientes locais.
“Estamos a tentar formular ingredientes com elementos locais e alguns piscicultores já usam essa ração”, explicou ela.
Um desses piscicultores é Audan Majid. Ele produz ração resultante da junção de amendoim, sémen, feijão e farinha de peixe, mas isso está na fase experimental.
Qualquer um pode ser piscicultor
A piscicultura é uma das actividades mais fáceis de praticar e, segundo explicam os especialistas, não precisa de muitos cuidados. Além disso, ela interliga-se com a agricultura, nas suas componentes agrícola e pecuária.
A bióloga Helena Gonçalves, do INAQUA, explica que as condições básicas são terreno arenoso ou argiloso (com um pouco de matope) e uma fonte permanente de água nas proximidades.
As dimensões dos tanques varia. Mas a maioria dos piscicultores moçambicanos tem tanques de 10 metros quadrados. Assim, uma família interessada em desenvolver esta actividade pode simplesmente juntar forças e abrir o seu próprio poço, sem ter que contratar ninguém para o efeito.
As vezes é necessário fazer o trabalho de colagem do tanque com cal. Fertilizam-se os tanques, põe-se excrementos de animais para servir de alimento base dos alvinos e quando já estiverem desenvolvidos só precisam de cuidados durante poucas horas ao dia e, ao cabo de quatro a seis meses, o peixe já está pronto o consumo.