Os países menos desenvolvidos, na sua maioria africanos, não são apenas vítimas de desastres naturais. Também sofrem pelas promessas comerciais esquecidas pelo Norte industrial.
Há quase seis anos, na reunião ministerial da Organização Mundial do Comércio (OMC), em Hong Kong, foi assegurado aos países menos desenvolvidos que os seus produtos industriais poderiam entrar nos mercados das nações ricas livres de impostos e cotas.
Além disso, aos quatro produtores de algodão mais pobres da África ocidental – Benin, Mali, Chade e Burkina Faso – foi prometido que seriam reduzidos os subsídios algodoeiros dos países ricos, especialmente os dos Estados Unidos, que distorcem o mercado internacional.
Outra promessa feita aos países menos desenvolvidos falava em “isenções” comerciais em matéria de serviços, e foi sugerido que não se reclamasse deles novos compromissos. Todas essas promessas foram detalhadas na Declaração Ministerial de Hong Kong de 2005.
As negociações comerciais de Doha, no Qatar, começaram em 2001 com o objectivo de reduzir as barreiras comerciais internacionais. Aos “daridra narayans” – termo criado pelo líder pacifi sta indiano Mahatma Gandhi para definir os mais miseráveis – do regime comercial mundial foi assegurado mais de uma vez que as suas demandas seriam tratadas em cada reunião ministerial.
Lamentavelmente, há sérias dúvidas de que essas promessas sejam atendidas na oitava reunião ministerial da OMC, em Dezembro próximo.
“Os países africanos serão abandonados no encontro de Dezembro, já que os temas centrais dos países menos desenvolvidos, acesso a mercados livre de impostos e cotas, e algodão e serviços, não serão tratados”, disse um diplomata africano que pediu para não ser identifi cado.
O Bangladesh, país coordenador dos países menos desenvolvidos na OMC, continua a acreditar que possa haver um avanço na reunião ministerial. “Ainda esperamos que AS nossas prioridades sejam adequadamente refl ectidas no resultado da oitava reunião”, disse o embaixador de Bangladesh, Abdul Hannan.
Liderando os países em desenvolvimento, Brasil, China, Índia e África do Sul, entre outros, destacam repetidamente a necessidade de se conseguir um acesso real a mercados livres de impostos e cotas para dar “credibilidade à OMC. Qualquer tentativa de encarar estes temas na organização carecerá de credibilidade se não se começar com os membros mais pobres”, disse o embaixador Faizel Ismail, enviado comercial da África do Sul à OMC.
“Os países em desenvolvimento da OMC concordam que a oitava conferência deve, pelo menos, emitir um forte sinal de que os membros mais fracos devem ganhar alguma coisa do sistema comercial, mesmo com as conversações de Doha paralisadas”, disse Martin Khor, director executivo do Centro do Sul, com sede em Genebra, organização não-governamental criada pelo ex-presidente da Tanzânia, Julius Nyerere (1964-1985).
As negociações comerciais de Doha estão bloqueadas devido às diferenças entre Estados Unidos e outros países industrializados, de um lado, e as potências emergentes Brasil, China, Índia e África do Sul, por outro.
Washington quer que estes países em desenvolvimento assumam compromissos maiores, considerando o seu actual crescimento económico e status no sistema comercial mundial. Porém, as nações do Sul negam-se a aceitar as demandas unilaterais, dizendo que proporcionarão acesso a mercados e outros compromissos apenas por meio da Agenda de Desenvolvimento de Doha.
Com vista à próxima reunião ministerial, os Estados Unidos e outros países industrializados deixam claro que não serão tratados temas como acesso livre de impostos e de cotas, bem como a questão da redução de subsídios para o algodão, que leva à miséria países africanos, a menos que China e outras nações emergentes façam o mesmo.
“O pacote dos países menos desenvolvidos, particularmente o acesso a mercados livres de impostos e de cotas, e o algodão, está paralisado”, disse o embaixador Luís Manuel Piantini Munnigh, da República Dominicana, presidente do grupo informal de países em desenvolvimento.
“É lamentável que algumas nações insistam em discutir o pacote dos países menos desenvolvidos somente se os seus temas de acesso a mercados forem tratados primeiro”, disse.
Sob o mandato de Doha, depois ratificado pelo acordo marco de Julho de 2004 e pela Declaração Ministerial de Hong Kong de 2005, os compromissos de abertura de mercados e de redução de subsídios estão claramente especificados.
A Declaração diz que “os membros industrializados e em desenvolvimento que se declaram em posição de fazê-lo acordam implementar um acesso a mercados livres de impostos e de cotas para os produtos dos países menos desenvolvidos” até 2008.
Também afirma que os países industrializados “que tenham dificuldades neste momento para proporcionar acesso a mercados como consta mais acima, deverão fornecer um acesso livre de impostos e cotas a pelo menos 97% dos produtos com origem nos PMA”.
Com excepção dos Estados Unidos, todas as nações do Norte aderiram, mais ou menos, a este compromisso. Países em desenvolvimento como Brasil, China e Índia continuam a proporcionar acesso a mais de 90% dos produtos industriais dos países menos desenvolvidos.