A polémica está lançada no nosso grande irmão lusófono da contra-costa. Os novos Bilhetes de Identidade (BI) angolanos passam a ter três fotografias: a do seu titular – como convém a um bilhete de identificação pessoal e intransmissível – e mais duas correspondentes ao primeiro presidente do país, Agostinho Neto, e ao actual, José Eduardo dos Santos. A primeira consta na frente do documento.
As outras duas estão inscritas no verso com o mesmo destaque que é dado ao mapa do país e ao símbolo da República, na parte superior de uma banda magnética. A Associação Justiça, Paz e Desenvolvimento (AJPD) foi das primeiras entidades a insurgirse contra as efígies dos dois presidentes, alegando que esta deliberação “não consta da Lei sobre o Regime Jurídico da Identificação Civil e da Emissão do BI de Cidadão Nacional.” Para esta associação “a inclusão destes rostos é um acto claro de violação da Lei” em relação ao Cidadão Nacional e aos princípios democráticos do Estado de direito, consagrado na Lei Constitucional. E termina:
“Trata-se de um abuso do poder e um acto que ultraja a identificação da cidadania de todos os angolanos.” A UNITA, o principal partido da oposição, alinhou pelo mesmo diapasão, afirmando que a proposta apresentada no Parlamento sobre o assunto não mencionava quaisquer outras coisas que não os símbolos da República. Já a ministra da Justiça veio a terreiro defender-se dizendo que o assunto foi colocado mas que ninguém da oposição ligou muito ao tema, dando a atender que a displicência na bancada da UNITA atingiu o cúmulo. Antes de se averiguar da legalidade ou da ilegalidade jurídica da medida, interessa sobretudo dizer que houve uma clara violação da liberdade individual do cidadão angolano.
A identificação pessoal, repito pessoal, do cidadão – que tem no BI o seu expoente máximo – não pode nem deve servir, e é inacreditável e inconcebível que o seja, de objecto de propaganda política de um partido. E neste caso está claramente a sêlo. Não estando em causa as personalidades – Agostinho Neto está hoje longe de ser uma figura consensual – nem na Alemanha Nazi ou na Rússia Soviética o culto de personalidade e a subserviência partidária foram tão longe como em Angola nos dias de hoje.
Angola, actualmente, é um caso extremo de absorção de um país por um partido. Fica a sensação de que o cidadão pertence primeiro à República do MPLA e só depois à República de Angola. Hoje em Angola não se admite uma segunda linha. Quem não entra nos carris do MPLA perde o comboio da vida. Esperemos que outros países africanos não caiam na tentação de seguir o exemplo angolano.