Há quem pense que para se ser rainha é preciso ter-se “sangue azul”, ou toda uma nação, sem qualquer limite territorial, onde se possa fazer valer o reinado, mas o mesmo não se pode dizer em relação a Adelina Nguetsa, a rainha de Matendene.
Adelina Nguetsa, ou simplesmente vovô Delina, é uma mulher de 79 anos de idade. É viúva e mãe de quatro filhos, dos quais dois moram com ela. Vovô Delina nasceu no longínquo ano de 1932, na então cidade de Lourenço Marques, actual Maputo. Filha de um chefe da administração local, Nguetsa passou toda a sua infância no bairro de Magoanine C, o que hoje é chamado de Matendene.
Na época, o bairro tinha a designação de Magoanine apenas. Toda a zona estava sob a jurisdição da família Nguetsa. Hoje, ela é herdeira da hegemonia destes e dirige todas as cerimónias tradicionais que se realizam naquele bairro.
O facto, diz, desperta nela muito orgulho na medida em que sente que o Estado reconhece a sua importância no estabelecimento de relações entre os vivos e os mortos.
Dentre várias cerimónias tradicionais dirigidas por vovô Delina, destacam-se os lançamentos da primeira pedra do Mercado Municipal de Matendene, Escola Primária 10 de Janeiro e Mártires de Mbuzine, Posto de Saúde de Matendene, e, recentemente, Escola Secundária Samora Machel.
Diga-se, Adelina é uma figura indispensável na estrutura administrativa deste bairro, embora isso não se faça sentir no tipo de vida que tem.
Este reconhecimento por parte do Estado não é um favor. “O respeito pelas autoridades locais está escrito na lei”, diz. Ela é a única que conserva e guarda a tradição dos Nguetsas e é, com certeza, o único membro vivo da família e com autoridade para contar a história do bairro e das demais situações que por ali se sucederam.
Adelina confessa que o bairro cresceu debaixo dos seus olhos, e acredita ser o mais famoso da cidade de Maputo, sustentando as suas palavras com o argumento de que, todas as vezes que está fora, nunca volta sem ter ouvido alguém a falar de Matendene. ”Em todo o lugar por onde eu passo, parece que só se fala de Matendene”, afirma.
Uma lágrima no canto do olho
Ciente do tempo que passa a cada dia, Nguetsa lamenta o facto de não ter mais seguidores que, segundo ela, num futuro muito próximo poderão dar continuidade à preservação da tradição da sua família.
“Os jovens não querem saber de tradição, só querem curtir”, diz. Ela afirma que boa parte dos problemas que afectam as famílias tem muito a ver com o desprezo das suas origens e tradição.
“Muita gente adoece e morre porque não sabe que a tradição é muito importante para garantir o seu bem-estar”. Na sua abordagem sobre a preservação da tradição, Nguetsa faz perceber que esta não tem nada a ver com o obscurantismo e feitiçaria, porém, uma maneira viva de demonstrar o respeito pelos ancestrais.
Outra insatisfação de Nguetsa reside no facto de não haver estímulo financeiro por parte do Estado. “Ninguém me paga por isto”, afirma e acrescenta que não basta que lhe chame de “rainha”, nas situações em que o Estado precisa dos seus préstimos na evocação dos espíritos. “Tem de haver estímulo”, reclama.
Uma mísera pensão
Nguetsa, a rainha de Matendene, à semelhança de muitos idosos, mensalmente dirige-se ao círculo do seu bairro, onde vai levar a pensão de velhice no valor de 100 meticais. “O dinheiro não chega para nada. Só vou para lá com o objectivo de motivar outras pessoas da minha idade”, afirma.
Outro motivo que arrasta a “rainha” para as enormes filas é temer conotações da vizinhança, uma vez que, sendo anciã, pensar- se-ia que ela recebe algum valor monetário do Governo local.
Relíquias do passado que alimentam o presente
Diante das dificuldades que a vida lhe impõe, a “rainha de Matendene” encontrou uma solução para o problema da fome. No meio do seu quintal, sobressaem montões de lenha.
Questionámo-la sobre a sua proveniência, sendo uma pessoa idosa, ao que ela respondeu que parte das árvores que se encontram em muitos terrenos, que no passado foram dos seus pais, ainda é pertença da família e, vezes sem conta, quando ela precisa de abater uma delas os donos dos espaços cedem.
“É esta lenha que me alimenta e garante o meu viver”, diz e lamenta o facto de algumas pessoas serem renitentes ao permitirem que se derrubem as árvores. Nguetsa afirma que todos os moradores foram advertidos sobre a questão, e houve na altura um consenso. Mas hoje a situação parece ser diferente.
Devido à compreensão de algumas pessoas, Nguetsa consegue ter o sustento diário, vendendo lenha tirada das árvores que os seus ancestrais deixaram.
A sua maior felicidade
A maior felicidade da “rainha de Matendene” consiste em ver o quanto a sua família está a crescer. Nguetsa alegra-se bastante pela vida dos seus quatro filhos e considera que estes têm sido a razão do seu viver.
Outro factor que impulsiona a felicidade da “rainha” é ter visto um bairro a nascer e crescer, a ponto de ser hoje considerado um dos melhores lugares para se viver na cidade de Maputo.
A felicidade contempla-se no seu rosto quando fala da chegada dos novos residentes, em 2000, e alegra- se ao ver que de um terreno baldio, Matendene tornou-se uma cidade dentro de outra cidade.